André Petry
Somos todos imbecis?
"Os petistas parecem dizer que são donos
da memória do povo e que podem fazer
dessa memória (do passado, portanto)
o que bem entendem"
Deveriam ser esculpidas em pedra de mármore branco as respostas que duas estrelas do PT apresentaram à denúncia de que a campanha de Lula recebeu dólares de Cuba. Uma delas saiu da inteligência de Ricardo Berzoini, o novo presidente do PT. Soletra-se assim: "O PT conhece as leis do país e sabe que nenhum partido político pode receber dinheiro de outro país e que toda a contabilidade deve ser transparente". Será que Berzoini quis dizer que, quando montou seu caixa dois, o PT desconhecia que a lei do país proíbe caixa dois? Será que Berzoini acha que o caixa dois do PT é sinônimo de "contabilidade transparente"? Ou será que Berzoini estava debochando de todos nós?
A outra declaração antológica veio do ministro Jaques Wagner, assim que VEJA chegou às bancas com a notícia da ajuda financeira cubana. Não foi uma declaração feita às pressas, impensada. Seus assessores a divulgaram: "As contribuições e os gastos da campanha presidencial de 2002 foram registrados com transparência pela frente partidária que apoiou o candidato Luiz Inácio Lula da Silva". Como é que é, ministro? Quer dizer que os 10 milhões de reais que o marqueteiro Duda Mendonça recebeu num paraíso fiscal são parte dos tais "registros com transparência"? Que deboche é esse?
As explicações de Berzoini e Wagner são assombrosas. O Brasil inteiro sabe que o PT fez caixa dois e que sua contabilidade, por óbvio, não é transparente. Aliás, o tesoureiro do PT foi expulso do partido exatamente porque fez caixa dois e manteve contabilidade falsa. Até o presidente da República admitiu publicamente que o PT tinha caixa dois e contabilidade de mentirinha. Por que raios então aparecem agora dois petistas graúdos a sustentar o insustentável?
Deve haver várias explicações – no campo da psicanálise, inclusive – para que alguém tenha coragem de vir a público com declarações tão notoriamente descabidas, mas uma coisa é curiosa: só nas ditaduras, só em regimes fechados, as autoridades se sentem no direito de dizer, em público, as mentiras que todos sabem ser deslavadas – porque ninguém há de desmenti-las. Está comprovado que George W. Bush mentiu sobre as armas de destruição em massa no Iraque, mas, no momento em que o fez, não se sabia que era mentira. Agora, nem Bush tem coragem de vir a público contar a mesma lorota. Não dá.
Os petistas acham que dá, e aí é que reside o aspecto mais sombrio da coisa: eles parecem dizer que são donos da memória do povo, que podem fazer dessa memória – do passado, portanto – o que bem entendem. E isso revela, de novo, um vezo autoritário. É nas ditaduras, afinal, que as autoridades se arvoram a donas do passado, um passado que fazem, refazem e desfazem segundo sua conveniência. Seja manipulando a memória, rasurando a história, eliminando documentos, adulterando fotografias ou esculpindo asneiras em pedras de mármore branco.
Como vivemos numa democracia, e numa democracia nada disso é aceitável, talvez a única explicação razoável seja que Berzoini e Wagner queriam dizer que somos todos imbecis. Mas, como não estamos sob uma ditadura, em que eles poderiam dizer isso sem que pudéssemos reagir, talvez não sejamos nós quem está exercendo o papel de imbecil, não é mesmo?
Um comentário:
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