Está em marcha a mexicanização da política nacional, que poderá resultar num prolongado eclipse da democracia
TODOS conhecemos a experiência histórica vivida pelo México do final dos anos 20 ao final dos anos 90 do século passado, período em que o país ficou submetido a um regime formalmente democrático, mas de fato oprimido por uma disfarçada ditadura de partido único.Durante 70 anos, no pleno vigor da Constituição, foram cumpridas as formalidades do Estado de Direito, com separação dos Poderes, eleições periódicas, pluripartidarismo e liberdade de expressão e reunião.Essa aparência de democracia mascarava um sistema autoritário, no qual um partido hegemônico o Partido Revolucionário Institucional dominava amplamente o poder e a sociedade. Domínio exercido mediante o aparelhamento da estrutura do Estado, o controle das máquinas sindicais e o anestesiamento dos meios de comunicação. Um sistema que alguém chamou de "ditadura perfeita".Num cenário assim, pode-se compreender por que a oposição, representada, à direita, pelo Partido da Ação Nacional e, à esquerda, pelo Partido Comunista, ficou reduzida a mero coadjuvante, numa peça que tinha como único protagonista o partido monopolista do poder. As eleições perderam o caráter de disputa, transformadas num ato litúrgico vazio, porque conhecido de antemão o vencedor.Desprovidos de meios de atuação efetiva, os partidos oposicionistas não conseguiam capitalizar o descontentamento de setores da sociedade, que ficaram sem canais condutores dos seus reclamos e anseios. Como disse Octávio Paz, em "O Ogro Filantrópico", a insatisfação popular se traduzia num sentimento difuso de ceticismo e desesperança. Donde a longevidade do regime, finalmente interrompida pela vitória de Vicente Fox.Receio muito que estejamos a viver, no Brasil, o início de um processo de mexicanização da cena política nacional. Não obviamente uma reprodução fiel da experiência mexicana, o que teria sabor de farsa, para lembrar a famosa observação de Marx, uma vez que os contextos históricos são muito diferentes. Mas vislumbro a gestação de um modelo de características não exatamente iguais, com suas peculiaridades, mas igual na essência.Não exagero se disser que os principais ingredientes da receita parecem estar reunidos. A começar pela presença, no poder, de um partido que, embora não-ideológico, tem sobre os adversários a vantagem de possuir organização, militância, disciplina, espírito grupal e apetite para aparelhar a estrutura do Estado.Segundo, para utilizarmos conceitos de Gramsci, ocorre uma situação inédita e preocupante na história política recente do nosso país. Até o governo FHC, os partidos no poder, portanto, no controle das classes dominantes, não controlavam as classes dirigentes, fortemente influenciadas pelos partidos de oposição, o que lhes dava grande capacidade de mobilização e resistência. Hoje, os partidos no poder, PT à frente, controlam também, de certa forma, as classes dirigentes, ao manterem sob sua influência os principais movimentos da sociedade organizada. Com baixo nível de organização e sem enraizamento social, doutrinariamente vazios, sem líderes populares e reduzidos a ínfimas minorias no Congresso, os partidos oposicionistas não terão poder de capitalizar o potencial de rebeldia dos descontentes, que tenderão, para lembrar Octávio Paz, a resvalar para o ceticismo e a desesperança. Quem sabe, para o cinismo.Registre-se outra mudança substancial, que muitos ainda não perceberam. Antes, a existência da oposição estava assegurada, sob a liderança do PT, por ser de caráter ideológico, integrada por políticos convictos, imunes à cooptação pelo poder. Hoje, a oposição é formada, em sua maioria, por políticos sem convicções, que só conseguem sobreviver no regaço do poder. Se o governo quiser _e quer_, sobrarão muito poucos no campo oposicionista.Acresce ainda que, se reeleito, em oito anos de mandato Lula fará a maioria dos membros dos tribunais superiores. Teremos, assim, a cúpula do Poder Judiciário, não digo submissa, mas seguramente simpática ao governo. E, para completar, o perigo, real, do amordaçamento legal do Ministério Público.Tudo isso no quadro de uma federação de fancaria, pela hipertrofia do poder central, agravada com as recentes mudanças tributárias, que reduzirão os governadores a dóceis presidentes de província, numa regressão de fato ao Estado unitário do período imperial.Finalmente, last, but not least, os meios de comunicação, fragilizados financeiramente, a dependerem do socorro de bancos estatais, poderão impor-se indesejável autocensura, demitindo-se do seu papel crítico e abrindo caminho para a prevalência da verdade oficial e, sinistramente, do pensamento único.Então não faltará nada para se reeditar no Brasil uma versão, talvez mais branda, do México sob o domínio do PRI. O Estado convertido num ogro filantrópico, monopolizado por uma burocracia partidária corrompida pelo poder, ineficiente no desempenho de suas funções, mas eficientíssima na compra de apoios e na conquista de votos.Não fantasio. Trata-se de um risco real. Minha única dúvida é se isso faz parte de um projeto hegemônico do núcleo dirigente do PT ou se decorre de um processo natural, não planejado, o que, aliás, é irrelevante. Importa o fato de que está em marcha a mexicanização da política nacional, que poderá, sem golpe de Estado e sem ditadura formal, resultar num prolongado eclipse da democracia em nosso país. Perspectiva que me dá calafrios.
José Jefferson Carpinteiro Péres, 73, advogado, é senador da República pelo PDT/AM
Um comentário:
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