quinta-feira, fevereiro 21, 2013

SANTA CATARINA E MAQUIAVEL – HOMENAGEM A IMPRENSA “ENGAJADA”

por Dr.Milton Simon Pires

Quem domina a linguagem domina o pensamento! Toda vez que abordamos os ataques terroristas em Florianópolis como a “questão da violência” estamos fazendo aquilo que uma certa parte (a maior dela) da escória da Universidade e da Imprensa Brasileira querem: unir na mesma definição fenômenos de origem completamente distinta. Assim, a “questão da violência em Florianópolis” torna-se vizinha da “questão da mulher”, da “questão do índio” e da “questão GLS”. Ela sai portanto, da categoria do crime e entra na ordem do dia das “lutas sociais”.

Não há que se ter meias medidas com a imprensa que sofre de "Síndrome de Chinelização" (doença que eu abordei em texto específico) pois ela é toda pautada por jornalistas engajados com a intelectualidade. Eles vão sempre procurar ver "os dois lados daquilo que está acontecendo em Florianópolis" e acreditam de fato que existam estes dois lados - aquele de quem ataca e incendeia ônibus e aquele que faz parte da sociedade que criou, através da "exclusão social", as condições para que o ataque ocorra. Daqui a pouco um deles vai sugerir que os bandidos de Florianópolis sejam reunidos para estudarem Michel Foucault, Regis Debray e Mao Tse Tung juntos e vai insistir, neste e em outros blogs, que todos eles são “vítimas” deste modelo neoliberal perverso. A exemplo daquilo que aconteceu em São Paulo é inadmissível sugerir que "isto sempre aconteceu em todos os governos e não adianta culpar especificamente o PT". Respondo rapidamente que adianta, sim ! Todos os partidos políticos até hoje no Brasil tiveram e tem "ligações" com o crime organizado, menos o Partido dos Trabalhadores (PT) por um motivo muito singelo: o PT É O CRIME ORGANIZADO !

É isso que a imprensa não diz e que, mesmo que diga, as pessoas não vão entender. Elas precisariam conhecer a história inteira do Socialismo, saber que Stalin assaltava bancos e que Mao Tse Tung financiou sua revolução com dinheiro do tráfico de ópio. Seriam obrigadas a ler Sartre, estudar o movimento Black Power, Herbert Marcuse e a Teologia da Libertação para saber o porquê da glorificação da violência e da vitimização do bandido e buscar na história o ano de 1967 – época em que o General Golbery do Couto e Silva fez a loucura de juntar na Ilha Grande (RJ) os presos políticos e os traficantes de drogas. Foi ali, e não no Colégio Sion em São Paulo 1980, que nasceu o PT. É isso que Marilena Chauí não conta..isso que Chico Buarque não canta ..isso que a Zero Hora e a Folha de São Paulo não publicam! Este conhecimento, por enquanto fica restrito a algumas “aberrações da direita” e que não tem espaço algum na mídia. Certa vez Maquiavel escreveu que “quando a consciência das coisas mais graves são acessíveis às pessoas mais simples; aí já é tarde demais”. Vamos todos rezar para não ser esse o caso das pessoas de bem em Santa Catarina.

15 de fevereiro de 2012

terça-feira, outubro 26, 2010

O segundo nariz por Olavo de Carvalho

O segundo nariz
Que significa a pressa obscena com que, ao primeiro abalo sofrido pela candidatura Dilma Rousseff, o governo Lula partiu para a prática dos crimes eleitorais mais descarados e cínicos de todos os tempos? Significa, antes de tudo, que durante décadas o PT se preparou para chegar ao governo, mas não para deixá-lo. A perspectiva de ter de voltar à oposição depois de oito anos de poder absoluto parece-lhe um pesadelo aterrorizante, uma catástrofe apocalíptica, a ameaça do retorno a um estado de coisas em cuja liquidação definitiva o sr. Presidente da República e seus seguidores, admiradores e bajuladores apostaram todas as suas energias – e também as do restante da população, que jamais foi consultada quanto às vantagens e desvantagens de tão singular investimento.

O eleitorado brasileiro escolheu o PT em 2002 e 2006 acreditando que votava num partido como os outros – diferente pelo seu programa de governo, como é próprio dos partidos em geral, mas idêntico a eles pela sua estrutura e funções no sistema constitucional. Não lhe foi informado que o PT não era uma agremiação nacional como seus concorrentes, e sim o fundador, cabeça e sustentáculo de uma organização revolucionária internacional empenhada em salvar o comunismo da sua iminente destruição, anunciada pela queda da URSS. Não lhe foi informado que o PT tinha compromissos secretos ou pelo menos discretos com quadrilhas de terroristas e narcotraficantes, irmanadas com partidos comunistas no esforço conjunto de destruir a ordem vigente e preparar a instauração do socialismo na América Latina. Não lhe foi informado que o PT era o braço político da "Teologia da Libertação" – uma seita satânica dedicada a macaquear a Igreja para esvaziá-la de seu conteúdo espiritual e transformá-la em instrumento da subversão comunista (é uma lindeza que hoje esse órgão do pseudocatolicismo militante acuse os outros de "uso eleitoral do discurso religioso"). Não lhe foi informado que o PT só aceitava as regras do jogo democrático a título de mal provisoriamente necessário, pronto a substituí-las por um "novo paradigma", hoje triunfante, calculado para eliminar todo antagonismo ideológico e reduzir a oposição às funções de ombudsman do partido governante, numa atmosfera de "centralismo democrático", meio leninista, meio gramsciano, onde o direito de divergir é monopólio dos amigos do Príncipe.

A ocultação, a falsa identidade, o engodo premeditado e sistêmico – tais foram os traços que desde o início definiram, mais que a estratégia do PT, a sua natureza mesma. O personagem do sr. José Dirceu – o homem que trocou de nariz para enganar a esposa e o mundo – é a condensação simbólica mais perfeita do partido ao qual ele serviu, com o melhor dos seus talentos, na condição dupla de eloqüente acusador da corrupção alheia e hábil organizador da roubalheira em família. Roubalheira à qual, por meio do Mensalão, ele deu as dimensões majestosas do impensável e inconcebível, reduzindo os Anões do Orçamento à escala de miniaturas de anões.

O ingresso dessa organização no cenário político nacional foi como a inoculação de um vírus mortífero ao qual o sistema não poderia sobreviver senão por milagre. Ora, milagres não acontecem quando todo mundo está rezando para que não aconteçam. Afinal, quem deu respeitosa credibilidade à farsa petista foi menos o próprio PT do que o consenso de seus adversários nominais, transfigurados em bando alegre de sicofantas. Para qualquer observador capacitado, em 2002 o perfil político-estratégico do PT como cabeça da revolução continental já estava mais que definido, e o "novo paradigma" já estava em pleno vigor numa eleição em que todos os candidatos eram de esquerda sem que ninguém quisesse notar nisso nada de anormal. Quem, entre os políticos ou na mídia dita "conservadora", não celebrou aquele exagero de opacidade como uma apoteose da transparência democrática? Quem, nesses meios, não ajudou o PT a repartir a arena eleitoral entre a esquerda da esquerda e a direita da esquerda, jogando os conservadores e liberais na lata de lixo do "extremismo" indecoroso e até ilícito? Quem se absteve de colaborar na mentira visceral ante cujos efeitos de longo prazo agora todos choramingam sem querer lembrar de onde eles vieram? Quem pode se dizer inocente do crime de ter ajudado a colar no rosto grotesco de uma organização maligna o segundo nariz que a embelezou ante um eleitorado que não sabia de nada?

Se bem me lembro, só eu, naquela ocasião, denunciei a normalidade simulada e adverti para as conseqüências que adviriam fatalmente da aliança entre o maquiavelismo de uns e a covardia de outros. Leiam meu artigo de 7 de novembro de 2002 (http://www.olavodecarvalho.org/semana/07112002jt.htm) e digam se tudo o que hoje se lamenta e chora na política nacional não poderia ter sido evitado com um pouquinho, só um pouquinho de realismo, de sensatez e de coragem.

Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 25 de outubro de 2010

domingo, outubro 24, 2010

O estilo desfaz o homem - Dora Kramer - Estadão

O estilo desfaz o homem - brasil - Estadao.com.br

O estilo desfaz o homem
DORA KRAMER - O Estado de S.Paulo

Daqui a oito dias, no próximo domingo antes das 9h da noite, o presidente Luiz Inácio da Silva começará a vivenciar o passado, as urnas apontem a eleição de Dilma Rousseff ou de José Serra para lhe suceder na chefia da Nação.

É inexorável: eleito, as atenções se voltam para o novo, o próximo, aquele que de fato traduz mais que uma expectativa, representa o poder em si. Político baiano da velha guarda, Afrísio Vieira Lima tem a seguinte filosofia: "Ninguém atende ao telefone ou à porta perguntando quem foi, todo mundo quer saber quem é."

Pois é. Face à evidência de que a natureza humana não falha, o mundo político não foge à regra. No momento seguinte à proclamação do resultado, o País - quiçá o mundo - voltará toda a sua atenção para a fala, os planos, os gestos, as vontades, os pensamentos, a biografia, a família, os amigos e tudo o mais que diga respeito à pessoa que a partir do primeiro dia de 2011 dará expediente no principal gabinete do Palácio do Planalto.

Quando a gente vê um presidente tomar a iniciativa de se desmoralizar em público apenas porque não resiste ao impulso de insultar o adversário, a boa notícia é que falta pouco tempo para que esse estilo comece a fazer parte de referências pretéritas.

Abstraindo-se juízo de valor a respeito de Dilma e Serra, chegará ao fundo do poço que o presidente Lula se deu ao desfrute de frequentar na semana passada. Pela simples razão de que é impossível.

A novidade não esteve na distorção dos fatos - isso já faz parte da rotina. O ineditismo foi o desmantelo da farsa. Melhor dizer, das farsas, pois foram duas: uma engendrada com vagar, outra montada às pressas. Ambas malsucedidas, não duraram 24 horas.

No começo da semana, quando já se anunciara o adiamento do fim da sindicância da Casa Civil sobre Erenice Guerra para depois das eleições, eis que a Polícia Federal ressuscitou o caso da quebra do sigilo fiscal de parentes e correligionários do candidato Serra, anunciando a identificação do responsável: Amaury Ribeiro Jr., jornalista que à época do crime trabalhava no jornal Estado de Minas.

O PT tentou legitimar, assim, uma versão que fazia circular desde junho quando se descobriu que os dados fiscais do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, apareceram em um dossiê que chegou ao jornal Folha de S. Paulo como originário do PT.

A versão - não de todo inverossímil, diga-se - era a de que as informações haviam sido reunidas por Amaury a serviço do Estado de Minas para municiar Aécio Neves de dados contra José Serra, que, por sua vez, mandara investigá-lo.

Segundo um delegado e o superintendente da PF, Amaury dissera em seu depoimento que o trabalho visava a "proteger" Aécio. Antes da entrevista dos dois, o presidente da República anunciava que naquele dia a Polícia Federal teria novidades.

Pois no dia seguinte, sabe-se que nem Amaury estava a serviço do Estado de Minas na ocasião nem citara no depoimento o nome de Aécio Neves. Ou seja, o presidente Lula comandara uma falácia e a PF aceitara se prestar ao serviço, acrescentando que as investigações estavam encerradas.

Foi desmentida em seguida pelo Ministério Público, que avisou que a polícia não estava autorizada a determinar o rumo e os prazos das investigações.

Não satisfeito, depois da pancadaria promovida por petistas contra uma passeata do candidato tucano no Rio, o presidente resolveu acusar o adversário de ser um farsante. Precipitou-se, insultou o candidato em termos zombeteiros, desqualificou um médico de respeitável reputação, foi de uma falta de modos ainda pior que o habitual.

Isso tudo para quê? Para ser logo em seguida desmentido pelos fatos exibidos no noticiário de televisão com a maior audiência do País, o Jornal Nacional.

Tudo isso sem necessidade, pois pelas pesquisas sua candidata está com 12 milhões de intenções de voto de vantagem sobre o adversário.

Tudo isso pelo exercício de um estilo abusivo que não conhece limites, mas que daqui a oito dias começará a perceber que o poder passa e a ausência dele dói.

sexta-feira, outubro 15, 2010

Lógica do abortismo

Lógica do abortismo

Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 14 de outubro de 2010

O aborto só é uma questão moral porque ninguém conseguiu jamais provar, com certeza absoluta, que um feto é mera extensão do corpo da mãe ou um ser humano de pleno direito. A existência mesma da discussão interminável mostra que os argumentos de parte a parte soam inconvincentes a quem os ouve, se não também a quem os emite. Existe aí portanto uma dúvida legítima, que nenhuma resposta tem podido aplacar. Transposta ao plano das decisões práticas, essa dúvida transforma-se na escolha entre proibir ou autorizar um ato que tem cinqüenta por cento de chances de ser uma inocente operação cirúrgica como qualquer outra, ou de ser, em vez disso, um homicídio premeditado. Nessas condições, a única opção moralmente justificada é, com toda a evidência, abster-se de praticá-lo. À luz da razão, nenhum ser humano pode arrogar-se o direito de cometer livremente um ato que ele próprio não sabe dizer, com segurança, se é ou não um homicídio. Mais ainda: entre a prudência que evita correr o risco desse homicídio e a afoiteza que se apressa em cometê-lo em nome de tais ou quais benefícios sociais hipotéticos, o ônus da prova cabe, decerto, aos defensores da segunda alternativa. Jamais tendo havido um abortista capaz de provar com razões cabais a inumanidade dos fetos, seus adversários têm todo o direito, e até o dever indeclinável, de exigir que ele se abstenha de praticar uma ação cuja inocência é matéria de incerteza até para ele próprio.

Se esse argumento é evidente por si mesmo, é também manifesto que a quase totalidade dos abortistas opinantes hoje em dia não logra perceber o seu alcance, pela simples razão de que a opção pelo aborto supõe a incapacidade – ou, em certos casos, a má vontade criminosa – de apreender a noção de "espécie". Espécie é um conjunto de traços comuns, inatos e inseparáveis, cuja presença enquadra um indivíduo, de uma vez para sempre, numa natureza que ele compartilha com outros tantos indivíduos. Pertencem à mesma espécie, eternamente, até mesmo os seus membros ainda não nascidos, inclusive os não gerados, que quando gerados e nascidos vierem a portar os mesmos traços comuns. Não é difícil compreender que os gatos do século XXIII, quando nascerem, serão gatos e não tomates.

A opção pelo abortismo exige, como condição prévia, a incapacidade ou recusa de apreender essa noção. Para o abortista, a condição de "ser humano" não é uma qualidade inata definidora dos membros da espécie, mas uma convenção que os já nascidos podem, a seu talante, aplicar ou deixar de aplicar aos que ainda não nasceram. Quem decide se o feto em gestação pertence ou não à humanidade é um consenso social, não a natureza das coisas.

O grau de confusão mental necessário para acreditar nessa idéia não é pequeno. Tanto que raramente os abortistas alegam de maneira clara e explícita essa premissa fundante dos seus argumentos. Em geral mantêm-na oculta, entre névoas (até para si próprios), porque pressentem que enunciá-la em voz alta seria desmascará-la, no ato, como presunção antropológica sem qualquer fundamento possível e, aliás, de aplicação catastrófica: se a condição de ser humano é uma convenção social, nada impede que uma convenção posterior a revogue, negando a humanidade de retardados mentais, de aleijados, de homossexuais, de negros, de judeus, de ciganos ou de quem quer que, segundo os caprichos do momento, pareça inconveniente.

Com toda a clareza que se poderia exigir, a opção pelo abortismo repousa no apelo irracional à inexistente autoridade de conferir ou negar, a quem bem se entenda, o estatuto de ser humano, de bicho, de coisa ou de pedaço de coisa.

Não espanta que pessoas capazes de tamanho barbarismo mental sejam também imunes a outras imposições da consciência moral comum, como por exemplo o dever que um político tem de prestar contas dos compromissos assumidos por ele ou por seu partido. É com insensibilidade moral verdadeiramente sociopática que o sr. Lula da Silva e sua querida Dona Dilma, após terem subscrito o programa de um partido que ama e venera o aborto ao ponto de expulsar quem se oponha a essa idéia, saem ostentando inocência de qualquer cumplicidade com a proposta abortista.
Seria tolice esperar coerência moral de indivíduos que não respeitam nem mesmo o compromisso de reconhecer que as demais pessoas humanas pertencem à mesma espécie deles por natureza e não por uma generosa – e altamente revogável – concessão da sua parte.

Também não é de espantar que, na ânsia de impor sua vontade de poder, mintam como demônios. Vejam os números de mulheres supostamente vítimas anuais do aborto ilegal, que eles alegam para enaltecer as virtudes sociais imaginárias do aborto legalizado. Eram milhões, baixaram para milhares, depois viraram algumas centenas. Agora parece que fecharam negócio em 180, quando o próprio SUS já admitiu que não passam de oito ou nove. É claro: se você não apreende ou não respeita nem mesmo a distinção entre espécies, como não seria também indiferente à exatidão das quantidades? Uma deformidade mental traz a outra embutida.

Aristóteles aconselhava evitar o debate com adversários incapazes de reconhecer ou de obedecer as regras elementares da busca da verdade. Se algum abortista desejasse a verdade, teria de reconhecer que é incapaz de provar a inumanidade dos fetos e admitir que, no fundo, eles serem humanos ou não é coisa que não interfere, no mais mínimo que seja, na sua decisão de matá-los. Mas confessar isso seria exibir um crachá de sociopata. E sociopatas, por definição e fatalidade intrínseca, vivem de parecer que não o são.

terça-feira, agosto 31, 2010

A promessa autoadiável!

Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 30 de agosto de 2010


Quando o nosso presidente diz: “Ainda não sabemos que tipo de socialismo queremos”, ele ecoa aquilo que é talvez o mais clássico Leitmotiv do pensamento revolucionário. Karl Marx já opinava que era inútil tentar descrever como seria o socialismo, já que este iria se definindo a si mesmo no curso da ação anticapitalista. O argumento com que Lula justifica sua afirmativa – leiam em America Libre – é exatamente esse. Em 1968, entre as explosões de coquetéis Molotov que tiravam o sono do establishment francês, Daniel Cohn-Bendit declarava, com orgulho, que os estudantes revolucionários queriam “uma forma de organização social radicalmente nova, da qual não sabem dizer, hoje, se é realizável ou não”. E a versão mais sofisticada do marxismo no século XX, a Escola de Frankfurt, baseou-se inteiramente na convicção de que qualquer proposta definida para a construção do socialismo é bobagem: só o que importa é fazer “a crítica radical de tudo quanto existe”. Critiquem, acusem, caluniem, emporcalhem, destruam tudo o que encontrem pela frente, e alguma coisa melhor vai acabar aparecendo espontaneamente. Se não aparecer, tanto melhor: a luta continua, como diria Vicentinho. Herbert Marcuse resumiu o espírito da coisa em termos lapidares: “Por enquanto, a única alternativa concreta é somente uma negação.” Tal como o Deus da teologia apofática, o alvo final do movimento revolucionário é sublime demais para que seja possível dizer o que é: só se pode dizer o que não é – e tudo o que não participa da sua indefinível natureza divina está condenado à destruição. Destruição que não virá num Juízo Final supramundano, com a repentina absorção do tempo na eternidade – coisa na qual os revolucionários não acreditam –, e sim dentro da História terrestre mesma, numa sucessão macabra de capítulos sangrentos: não podendo suprimir todo o mal num relance, só resta ao movimento revolucionário a destruição paciente, progressiva, obstinada, sem limite, nem prazo, nem fim. Cumpre-se assim a profecia de Hegel, de que a vontade de transformação revolucionária não teria jamais outra expressão histórica senão “a fúria da destruição” (v. meu artigo “Uma lição de Hegel”, aqui publicado em 14 de novembro de 2008, http://www.olavodecarvalho.org/semana/081114dc.html).

Nessas condições, é óbvio que duzentos milhões de cadáveres, a miséria e os sofrimentos sem fim criados pelos regimes revolucionários não constituem objeção válida. O revolucionário faz a sua parte: destrói. Substituir o destruído por algo de melhor não é incumbência dele, mas da própria realidade. Se a realidade não chega a cumpri-la, isso só prova que ela ainda é má e merece ser destruída um pouco mais.

É claro que, na política prática, os revolucionários terão de apresentar algumas propostas concretas, uma aqui, outra acolá, seduzindo mediante engodo os patetas que não compreendem a sublimidade do negativo. Mas essas propostas não visam jamais a produzir no mundo real os benefícios que anunciam: visam somente a enfatizar a maldade do mundo e a aumentar, na mesma proporção, a força de empuxe do movimento destruidor. Eis a razão pela qual este último não conhece fracassos: como o processo avança mediante contradições dialéticas, todo fracasso de uma proposta concreta, aumentando a quota de mal no mundo, se converte automaticamente em sucesso da obra revolucionária de destruição. Nada incrementou o poder do Estado comunista como o fracasso retumbante da coletivização da agricultura na URSS e na China (50 milhões de mortos em menos de dez anos). O fracasso de Stalin em usar o nazismo como ponta-de-lança para a invasão das democracias ocidentais converteu-se em aliança destas com os soviéticos e na subseqüente concessão de metade do território europeu ao domínio comunista: precisamente o objetivo inicial do plano. A queda da URSS, em vez de extinguir o comunismo, espalhou-o pelo mundo todo sob novas identidades, confundindo o adversário ao ponto de induzir os EUA à passividade cúmplice ante a ocupação da América Latina pelos comunistas. E assim por diante.

Mais ainda: como as propostas concretas não têm nenhuma importância em si mesmas, não apenas cabe trocar uma pela outra a qualquer momento, mas pode-se com igual desenvoltura defender políticas contraditórias simultaneamente, por exemplo incentivando o sex lib, o feminismo e o movimento gay no Ocidente, ao mesmo tempo que se fomenta o avanço do fundamentalismo islâmico que promete matar todos os libertinos, feministas e gays. Só se escandaliza com isso quem seja incapaz de perceber a beleza dialética do processo.

Se não têm nenhum compromisso com qualquer proposta concreta, muito menos podem os revolucionários ter algum sentimento de culpa ante os resultados medonhos das suas ações. O que quer que aconteça no trajeto é sempre explicado, seja como destruição necessária, justa portanto, seja como reação do mundo mau, que deste modo atrai sobre si novas destruições, ainda mais justas e necessárias. Isso é tanto mais assim porque o estado paradisíaco final a ser atingido (ou a demonstrar-se impossível por ser o mundo ainda mais mau do que o revolucionário supunha no começo) não pode ser descrito ou definido de antemão, mas tem de criar-se por si mesmo no curso do processo. Por isso o movimento revolucionário não pode reconhecer como obra sua nenhum estado de coisas que ele venha a produzir historicamente. O que quer que esteja acontecendo não é jamais – “ainda” não é – o socialismo, o comunismo, a jóia perfeita na qual o movimento revolucionário poderá reconhecer, no momento culminante do Fim da História, o seu filho unigênito: é sempre uma transição, uma etapa, uma conjuntura provisória, criada não pelo movimento revolucionário, mas pelo confronto entre este e o mundo mau; confronto que por sua vez faz parte, ainda, do próprio mundo mau, ao qual portanto cabem todas as culpas.

Por sua própria natureza, a promessa indefinida é auto-adiável, e nenhum preço que se pague por ela pode ser considerado excessivo, não sendo possível um cálculo de custo-benefício quando o benefício também é indefinido.

A oitava maravilha do mundo, na minha modesta opinião, é que pessoas alheias ou hostis aos ideais revolucionários imaginem ser possível uma convivência pacífica e democrática com indivíduos que, pela própria lógica interna desses ideais, se colocam acima de todo julgamento humano e só admitem como medida das suas ações um resultado futuro que eles mesmos não podem nem querem dizer qual seja ou quando virá. Só o conservador, o liberal-democrata, o crente devoto da ordem jurídica, pode imaginar que a disputa política com os revolucionários é uma civilizada concorrência entre iguais: o revolucionário, por seu lado, sabe que seu antagonista não é um igual, não é nem mesmo um ser humano, é um desprezível mosquito que só existe para ser esmagado sob as rodas do carro da História.

sexta-feira, julho 23, 2010

Admirável Brasil novo

por Nelson Motta no Sintonia Fina

Estamos vivendo a alvorada de uma nova era no Brasil, com grandes transformações econômicas e sociais, gerando novos significados para velhas expressões. E até novos conceitos filosóficos, como “minto, logo, existo”, como foi comprovado nos depoimentos das CPIs.

Atualmente, os empresários não querem mais ter lucro, eles só trabalham para gerar empregos. Os bancos e grandes empresas só pensam em salvar o planeta, pela sustentabilidade. As organizações não-governamentais são sustentadas pelo governo. Só falta o almoço grátis.

Modernizamos até mesmo provérbios universais consagrados pela sabedoria popular. As apavorantes galerias de fotos de nossas casas legislativas são o desmentido cabal de que as aparências enganam. Nas Comissões de Ética, ladrão que julga ladrão dá cem anos de perdão, e é mais fácil o Marcelo Camelo passar pelo buraco de uma agulha do que o STF condenar um parlamentar. Aqui se faz e aqui se apaga. No Brasil, o ladrão faz a ocasião, com emendas parlamentares e contribuições de campanha. Porque a liberdade deles começa onde termina a nossa.

Neste país, quem dá (dinheiro público) aos pobres, empresta aos seus, naturalmente eleitores. Contra fatos não há argumentos, só bons advogados e lobistas eficientes. Macacos velhos têm suas cumbucas em paraísos fiscais, dinheiro sujo não se lava em casa. São partidos, partidos, negócios à parte - a parte de cada um no negócio. Afinal, tudo vale a pena se a multa é pequena.

Como se vê no noticiário político, mentir e coçar é só começar, conversa mole tanto bate até que cola, e CPI que é ladra não morde. Quem não mama, chora. Aqui, o barato não sai caro, no Senado sai de graça. O segredo é a lama do negócio.

No Brasil, tristezas não pagam dívidas de campanha, quando um burro fala os outros aplaudem, os cães ladram e a caravana é assaltada, e quando um não quer dois não roubam, chamam mais gente: os meios justificam os afins.

Aqui se dá a Lula o que é de Deus e a César, talvez, o Senado, porque Lula é a voz do povo e dá a bolsa conforme o eleitor. O príncipe é o sapo. Só espero que quem o voto fere, pelo voto seja ferido.

sábado, junho 19, 2010

Réquiem ao deus de si mesmo, ou Moisés e os faraós da modernidade.

Por Renato Emydio, texto em razão da morte do Saramago

Não conheço, não li, sei o que falam, sei o título de sua obra sobre o evangelho segundo Jesus. Sei que o cara era ateu.

Chega a ser desconcertante, para estes tempos modernos, a facilidade com que pessoas professam seu ateísmo e se dizem atéias. Desconcertante, para mim, por que a evolução do conhecimento científico e das tecnologias indicam o caminho oposto ao ateísmo. As descobertas da ciência cada vez mais tornam evidente a existência daquilo que chamamos Deus, ou Criador.

São muitos ateus. Cientistas de renome, físicos, matemáticos, filósofos, artistas, poetas...

Duas vertentes devem ser observadas em relação ao ateísmo,: os interesses sócio-políticos (força sociais) e a metafísica.

Apenas sob o prisma metafísico, entretanto, tal assunto pode ser devidamente analisado.

Sob o aspecto religioso, confunde-se Deus com Religião. Separemos ambas por que são coisas distintas. E trata-se, então e somente, de analisar a existência, ou não, de Deus.

Conheço, e os ateus devem conhecer, os argumentos e razões que fundamentam sua forma de pensar. Eu conheço de cor. Resumo-os: “simplesmente não acredito em Deus”.
Pessoas que falam assim, pessoas inteligentes, capazes, trabalhadoras, honestas cometem um erro de avaliação muito grande. Na maioria das vezes um erro induzido.
Estas pessoas não souberam fazer algumas perguntas, entre as quais, para mim, se destacam algumas.
Muitos cientistas defendem o ateísmo e usam a sua Ciência como suporte para suas afirmativas. A bastilha derradeira é Darwin e o homem que descende do macaco. Pode-se dizer que seria a palavra de Darwin, o veredicto da Ciência, contra a palavra de Moisés, para exemplificar com a crença judaica.

Será que Darwin teria maior capacidade intelectual do que Moisés? Os livros de Moisés podem ser classificados como uma obra bizarra, destituída de bom-senso ou baseada apenas no senso comum? Uma pajelança esotérica, nas areias de um deserto inóspito, que desencadeou forças naturais capazes de fazer raios e trovões escreverem nas pedras? Ou é uma obra que o cérebro humano “moderno” classificaria como genial?

Evidentemente Moisés não era irracional. Sabia muito bem o que fazia e o fazia com excelência. Sua obra está ai para qualquer um ver e analisar. Apenas exige-se que seja cientificamente analisada, sem achismos ou palpites – ou pelo menos sistematicamente. Aliás, fazia e não tinha interesses políticos – observe-se o cuidado, o virtuose, ele o Moisés “tu não entrarás na terra prometida”. Darwin seria capaz de tamanho alcance de previsão? Darwin acertaría tanto?
Concluí-se, tecnicamente, que o homem moderno não é mais inteligente que seus antepassados bíblicos. Ou de outras poderosas vertentes religiosas. Estrategistas modernos baseiam-se nas soluções adotadas na antiguidade.

De fato, Moisés não consegue comprovar nada cientifica ou racionalmente. Cito Moisés por que é o que mais conheço. E Darwin também não consegue algo parecido. O fato de que seres humanos descenderem, ou não, de macacos nada prova a respeito de Deus. Nem comprova, ao menos, que Moisés esteja errado.

Mas o que levou Moisés a crer na existência de Deus é uma pergunta intrigante. Segundo se constata, ele se colocou como servo obediente de Deus. O notável é que isto acontece com um sujeito rigidamente racional, frio, calculista e inteligente. Ele poderia ter dito, como eu diria, “vou esquecer esta bobagem e levar a vida ao lado do Faraó, que está ao meu alcance, sem esforço e com o conforto que o Egito poderá me propiciar”. Moisés poderia descrer de tudo, ou crer em Faraó.
Moisés tinha um defeito (ateus poderão dizer delírio) chamado integridade moral. Não conseguiria viver negligenciando a tarefa que via a sua frente, na qual acreditava e que tinha capacidade para cumprir.

Como Moisés chegou a conclusão de que Deus existia, é a grande pergunta. Onde ele viu Deus, como raciocinou, qual ou quais elemento de prova admitiu para si.
Aquilo que Moisés teve extrema dificuldade para constatar, hoje está ao alcance de todos.

Sabemos como o ciclo vital ocorre, temos as diversas teorias sobre a estrutura atômica, as forças que interagem neste nível e seus desdobramentos, a mecânica clássica, a biologia, a medicina.

Todos estes conhecimentos nos levam a constatar que não temos a menor probabilidade de descobrir como a vida surgiu. Não temos a menor idéia de como o Universo surgiu. E aqui está outra âncora do ateísmo: foi o big-bang. Chega a ser jocosa a discussão, inclusive em respeitados meios científicos, sobre esta teoria e sua relação com vida. Resumindo: um determinado “dia” houve uma explosão no espaço (note-se que já existia espaço – coisa que deveria ser provada) e, magistralmente, olhem nós aqui.

Moisés viu a vida, o universo que lhe era disponível, viu que era o ser mais inteligente no meio que o rodeava. Viu mais, viu que a inteligência estava escalonada - um cachorro é mais inteligente que uma borboleta – um macaco mais que um cão. Moisés sabia das nossas misérias, das misérias humanas. Sua conclusão foi racional, lógica, decente: “Não, eu não sou o ser mais poderoso deste lugar”.

Portanto, se eu sou mais capaz do que um cão, logicamente haverá algo mais capaz do que eu. Qualquer outra consideração a este respeito, divergente, formulada de forma consistente, terá que superar o crivo da Vaidade humana. Olhamos para o universo (conhecido) e sabemos, hoje, sua estrutura e idade, incontáveis estrelas e planetas, corpos celestes e distâncias infinitas. Será que o ser humano é o produto máximo de tudo isso?. Não, não é. Então há, probabilidade de 100%, outras formas de vida e mais inteligentes que a humana. Então só falta dimensionar o quanto são, ou é, mais desenvolvido que nós o Ser mais inteligente que possa existir neste universo todo. Este é o Deus ao qual Moisés se refere. A mais cristalina e pura lógica que daria inveja (saudável) a Newton e Darwin entre tantos.

Não se pode ver aqui uma espécie de antroporfismo barato, apenas constata-se que as características humanas devem estar presentes na sua origem, se for o caso, no Ser que as criou, não sendo obrigatoriamente caracterizadoras deste Ser.

A vida é criação por tudo que o cérebro humano pode compreender, por tudo que as faculdades humanas possam conceber. A vida não resulta do universo, da matéria. Pelo contrário, a matéria, para a razão humana deve obrigatoriamente ter sido criada. Não somos capazes de compreender ou imaginar uma matéria eterna ou um universo eterno. A mesma incapacidade nos atinge em relação à figura de Deus. Somos capazes apenas de aceitar a possibilidade do ser Criador, Originador do Universo, mas não somos capazes de compreender ou imaginar como este ser existe.

Mas, para nós humanos, a vida como a conhecemos é criação, não é um fenômeno eterno. Como ela surge fisicamente não sabemos ainda responder, mas sabemos que surge. Sabemos também pode se originar de outra vida.
Para Moisés um único Deus originou tudo. Conclusão brilhante e preciosa.

Saramago não quis ver por que era apegado demais às suas crendices. Poderia ter sido um excelente Faraó, se tivesse ocasião. Quem sabe derrotaria Moisés e o sufocaria no deserto sem lhe dar tempo para chegar ao mar. Mas, até para Faraó, crendices e lendas podem ser um grande problema." Renato Emydio

segunda-feira, junho 07, 2010

Nossa esquerda direitista

Ainda estou chocado com a pesquisa do Datafolha sobre a ideologia dos brasileiros: 35% dos entrevistados que se disseram petistas, por livre vontade e protegidos pelo anonimato, se declararam de direita. Como? Vamos tentar investigar esta peculiaridade política brasileira.

Sim, as pessoas sabiam o que estavam falando, tanto que 25% responderam que não sabiam ou não queriam responder. As demais estavam seguras de suas opções e se dividiram entre esquerda, direita e centro, inclusive os petistas.

O lulismo não foi oferecido como opção, mas certamente teria muitos eleitores de todos os partidos, e nós, um peronismo tropical.

Zé Dirceu, que diz que tudo que não é de esquerda, de direita é, tem um dilema: como culpar a direita por tudo sem ofender tantos companheiros?

Com alguma fantasia e ironia, é possível imaginar que os entrevistados petistas fossem tão politizados que tenham se posicionado ideologicamente – mas em relação às correntes do partido, umas mais à esquerda e, por consequência, outras mais à direita, como a de Zé Dirceu.

Ou seria uma parte autoritária e impetuosa do PT, que se identifica com os métodos do stalinismo e do fascismo? Se acham de esquerda, mas adotam o comportamento totalitário que atribuem à direita. São aloprados ideológicos.

Outra interpretação, tola, seria que os entrevistados se disseram de direita porque confundiram com direito, como oposto de errado. Ou a teoria de Tim Maia, politizando a clássica frase “No Brasil, prostituta goza, traficante cheira, cafetão tem ciúmes… e pobre é de direita.”

Como dizia Zé Dirceu nos anos 60, “é preciso conscientizar as massas”. Deve ser devastador aceitar que 2/3 dos brasileiros não querem saber da esquerda, por mais nobres e generosas que sejam as suas intenções. O pior é que alguns ainda vivem na ilusão de que todo mundo que se opunha à ditadura era de esquerda.

Mas talvez Leonel Brizola possa explicar. Na campanha presidencial de 1994, num comício no Paraná, com 4% das intenções de voto e a três dias da eleição, bradou do palanque:
“Não acreditem nas pesquisas. O povo está só despistando…” Sintonia Fina

quarta-feira, maio 26, 2010

O sequestro das liberdades

Denis Lerrer Rosenfield

A liberdade é conquistada a duras penas. Sua perda pode ser relativamente rápida, mesmo imperceptível. Lutas políticas e civis se estruturam segundo suas diferentes acepções, que terminam por ser bandeiras que, com dificuldades, são levadas adiante. Frequentemente essas diferentes acepções são objeto de disputas acirradas, podendo até mesmo perverter a essência mesma do que seja a liberdade.

A liberdade é dita diferentemente segundo os interlocutores, os contextos e as definições. A rigor, caberia falar de liberdades, nas quais entram em linha de consideração a liberdade de empreender, a liberdade de escolha, a liberdade de pensamento e expressão, a liberdade da pesquisa científica, a liberdade de ir e vir, a liberdade de organização sindical e política, a liberdade religiosa e a liberdade de escolha dos dirigentes e representantes políticos.

A questão, porém, reside em que pode ocorrer um sequestro progressivo de certas acepções, outras permanecendo aparentemente intactas, até que outro sequestro reduza ainda mais o seu espectro. Tomemos a liberdade de imprensa e de expressão. O Estadão, pasmem, continua sob censura, configurando uma situação "normal", como se essa "anormalidade" fosse minimamente aceitável. O governo recuou, diante da pressão dos meios de comunicação, das medidas mais liberticidas de seu Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) em relação à imprensa e à mídia em geral. Para esse setor empresarial, as coisas aparentemente voltaram ao normal.

O problema, contudo, consiste em que se trata de uma simples aparência, pois sob a cobertura eufemística de "direitos humanos" outras medidas atentatórias às liberdades continuam constando em seus outros 500 itens e propostas. Pense-se, por exemplo, nos ditos "conselhos ambientais", que deveriam ser necessariamente consultados para a criação e ampliação de uma empresa em geral ? siderúrgica, de construção, de mineração, entre outras. Trata-se, sob a cobertura do politicamente correto, de propor a criação de "conselhos sindicais", "sovietes", para utilizar a linguagem russa, que passariam a ter ingerência na vida mesma das empresas, cerceando a liberdade de empreender.

A confusão de acepções chega a ser de tal monta que o próprio sentido da democracia é deturpado em função de um linguajar baseado numa doutrina "superior" dos direitos humanos. Assim, a democracia representativa se torna a bola da vez, com propostas de sua substituição progressiva pela democracia dita participativa. A linguagem utilizada é a da busca de uma sociedade mais justa e solidária. No entanto, quando vem à tona o significado dessas novas palavras, surgem as verdadeiras definições, como se a verdadeira sociedade justa e solidária fosse a que nasceria da destruição do capitalismo, definido como fonte de todos os males. Mais concretamente, a sociedade "justa e solidária" vem a ser identificada às propostas comunistas e socialistas dos irmãos Castro e de Hugo Chávez. Este último chegou até a ser defendido por nossos governantes como um verdadeiro democrata. Liberticidas são apresentados como libertários.

Há, também, toda uma campanha em curso que defende maior ingerência do Estado na vida dos cidadãos, cerceando a sua liberdade de escolha. Aqui, o sequestro da liberdade é dito ser feito em nome da saúde do cidadão, como se este fosse incapaz de discriminar por si mesmo aquilo que lhe convém ou não. O prazer, em particular, faz parte da escolha individual, não devendo o Estado ingerir num domínio que deveria estar ao abrigo de qualquer intervenção externa. O ato de regular os direitos individuais a partir dos direitos dos outros não pode ser confundido com uma ação administrativa estatal que se apresenta como a representação da virtude. O que não cabe é o indivíduo simplesmente receber uma imposição, dita do "bem", do que lhe deveria convir. A própria noção de prazer ? isso cada um sabe de sua própria experiência de vida ? tem os mais diferentes significados, podendo estar associada também à dor. Já Freud tinha concebido a indissociabilidade entre as pulsões de vida e morte. Cada um tem o direito de escolha de seu próprio corpo, de suas formas de expressão e de satisfação.

A liberdade de expressão e de empreender é vista igualmente com desconfiança a propósito da publicidade, como se essa atividade devesse ser cada vez mais controlada, retirando de sua alçada uma série de produtos considerados como "nocivos". Segundo essa concepção, o Estado é que determinaria o que seria tido por nocivo ou não para os cidadãos. A questão é de monta por estar baseada na confusão entre "influenciar" e "determinar". A rigor, a publicidade "influencia" o cidadão, não retirando deste sua capacidade de livre escolha. Ao contrário, ela a pressupõe. Posso comprar ou não um produto que me é apresentado publicitariamente. Daí não se segue que o cidadão seja completamente determinado, como se fosse um robô manipulável, desprovido de livre-arbítrio.

Causa espanto, também, que propostas ditas inovadoras de um "Brasil do século 21" estejam baseadas em posições retrógradas, avessas à liberdade de conhecimento e de pesquisa. Fala-se um pouco menos, neste período eleitoral, dos enormes problemas enfrentados pela CTNBio a propósito da pesquisa com transgênicos e da liberalização de sua comercialização. Até ainda recentemente, o dito "princípio da precaução" era identificado com o "princípio do imobilismo", na verdade, o princípio de restrição da própria pesquisa científica.

A liberdade de pesquisa foi conquistada após longos esforços, que perpassaram vários séculos, tornando as universidades lugares de realização das liberdades. Algumas ditas "novidades" são, agora, apresentadas como se estivéssemos diante de uma nova postura ante o mundo, quando são propostas de volta a um mundo anterior à conquista dessas liberdades.

terça-feira, maio 25, 2010

A esquerda não quer a reforma agrária

Artigo de Kátia Abreu
Kátia Abreu é Senadora (DEM-TO) e Presidente da CNA (Confederação Nacional da Agricultura).

Nada obsta mais a reforma agrária no Brasil que a manipulação político-partidária que dela se faz. A estratégia criminosa de invasões de terras é a ponta de lança desse processo. Transforma o produtor rural em vilão e o invasor em vítima, numa espantosa inversão de valores. A entidade que tudo patrocina, o Movimento dos Sem-Terra (MST), inexiste juridicamente, o que impede reparações judiciais.

O governo, que deveria garantir a segurança dos contribuintes, faz vista grossa, emite declarações simpáticas aos invasores e chega ao requinte de produzir um decreto, o PNDH-3, em que os considera parte a ser ouvida antes de o invadido recorrer à Justiça para reclamar a reintegração de posse. Pior: financia os invasores, via ONGs constituídas com a única finalidade de gerir uma entidade abstrata, embora concreta em seu objetivo predatório. Acumulam-se aí ilícitos: além da invasão, há o ato irregular governamental, denunciado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, de financiar entidades que burlam a lei.

Quanto já foi gasto - sabe-se que são centenas de milhões de reais - a pretexto da reforma agrária, em dinheiro repassado a essas ONGs? E o que de concreto foi feito para realizá-la? Qual a produtividade dos assentamentos do MST? São perguntas sem resposta, que justificaram a instalação de uma CPI mista no Congresso Nacional, sistematicamente sabotada pela maioria governista.

Em vez de respondê-las, os agentes partidários, travestidos de funcionários públicos, empenham-se em difundir a infâmia de que a maioria dos produtores rurais ou é predadora do meio ambiente ou escravagista. A manipulação de causas contra as quais ninguém, na essência, se opõe é um dos truques de que se vale uma certa esquerda fundamentalista, adversária da livre-iniciativa, para manter como reféns os produtores rurais, difamando-os.

Nenhuma pessoa de bem - e a imensa maioria dos produtores rurais o é - é a favor do trabalho escravo ou da destruição do meio ambiente. Mas isso não significa que concorde com qualquer proposta que se apresente a pretexto de defender tais postulados. Não basta pôr na lei punições contra o "trabalho degradante". É preciso que se defina o que é e o que o configura concretamente, princípio elementar da técnica jurídica.

A lei não pode ser meramente adjetiva, o que a torna, por extensão, subjetiva, permitindo que seja aplicada conforme o critério pessoal do agente público. Foi esse o ponto que me fez, como deputada federal e depois como senadora, exigir emendas a uma proposta legislativa de punição por trabalho escravo. Não o defendo e o considero uma abjeção inominável. Quem o promove deve ser preso e submetido aos rigores da lei, sem exceção, sem complacência. Mas tão absurdo e repugnante quanto o trabalho escravo é manipulá-lo com fins ideológicos.

O que se quer é o fim da livre-iniciativa no meio rural, pela sabotagem ao agronegócio, hoje o segmento da economia que mais contribui para o superávit da balança comercial do País.

A fiscalização das propriedades rurais está regulada pela Norma Regulamentar n.º 31 do Ministério do Trabalho (MT), que tem 252 itens e desce a detalhes absurdos, como estabelecer a espessura do pé do beliche e do colchão.

Afirmei, em razão desses excessos, ser impossível cumpri-la em sua totalidade e que havia sido concebida exatamente com essa finalidade. Tanto bastou para que fosse acusada de defender o trabalho escravo, recusando-me a cumprir práticas elementares, como o fornecimento de água potável e condições básicas de higiene. Desonestidade intelectual pura.

A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que presido, tem sido bem mais eficaz que o Estado na fiscalização trabalhista nas propriedades rurais. Basta conferir os números: os grupos móveis de fiscalização do MT percorreram, em sete anos - de 2003 até hoje -, 1.800 fazendas. A CNA, em 90 dias, percorreu mil fazendas e já está promovendo o circuito de retorno, para averiguar as providências tomadas.

A CNA, com o objetivo de aprimorar o trabalho no meio rural, vai criar um selo social - uma espécie de ISO 9000 trabalhista - para qualificar as propriedades-modelo, qualificando também sua produção. Esse selo indicará não só zelo social, mas respeito ao meio ambiente e adoção de práticas produtivas adequadas. Não queremos responder às injúrias com injúrias, mas com demonstrações concretas de nosso empenho em contribuir para o desenvolvimento econômico e social do País.

É preciso que se saiba que 80% dos produtores rurais brasileiros são de pequeno e médio portes e não suportam economicamente esse tipo de sabotagem, que se insere no rol de crimes contra o patrimônio, de que as invasões de terras são a ponta de lança.

Em quase todos os casos, os enquadrados como escravagistas não são processados. E por um motivo simples: não o são. As autuações trabalhistas que apontam prática de trabalho escravo são insuficientes para levar o Ministério Público a oferecer denúncias pela prática de infrações criminais. O resultado é que, enquanto isso não ocorre, o produtor tachado de escravagista fica impedido de prosseguir em seu negócio e acaba falido ou tendo de abrir mão de sua propriedade. A agressão, como se vê, não é somente contra o grande proprietário, mas também contra a agricultura familiar, cuja defesa é o pretexto de que se valem os invasores e difamadores.

Diante disso tudo, não hesito em afirmar que se hoje o processo de reforma agrária não avança no País a responsabilidade é dessa esquerda fundamentalista, que manobra o MST, consome verbas milionárias do Estado e proclama a criminalização dos movimentos sociais. Não há criminalização: há crimes, com autoria explícita. O MST, braço rural do PT, não quer a reforma agrária, mas sim a tensão agrária, de preferência com cadáveres em seu caminho, de modo a dar substância emocional a um discurso retrógrado e decadente. Reforma agrária não é postulado ideológico, é imperativo do desenvolvimento sustentado. Por isso a CNA a apoia. Por isso o MST e a esquerda fundamentalista não a querem.

terça-feira, maio 04, 2010

Caixa-preta - Editorial da Folha

Petrobras tem sido hostil a críticas e fiscalizações, mas a empresa deve dar o exemplo na prestação de contas à sociedade

TÊM SIDO frequentes, nos últimos meses, indícios de irregularidades em obras e licitações sob a responsabilidade da Petrobras.
A cada problema apontado por técnicos do Tribunal de Contas da União ou por policiais federais, o mais poderoso conglomerado do país reluta em esclarecer dúvidas, critica os métodos dos órgãos fiscalizadores e, na prática, parece se considerar isento das responsabilidades e dos deveres impostos a demais empresas e cidadãos do país.
Não bastasse, a estratégia termina por se contrapor, ao que tudo indica, aos próprios interesses financeiros da companhia.
Uma investigação da Polícia Federal, revelada neste domingo pela Folha, constatou a formação de "consórcios" entre empreiteiras para superfaturar obras contratadas pela petrolífera. Os cinco grandes empreendimentos, licitados durante o governo Lula, totalizam R$ 5,88 bilhões. O custo adicional imposto à empresa pode ter chegado à casa de R$ 1,4 bilhão.
Segundo os técnicos da PF, as empreiteiras teriam se associado e combinado previamente os lances vencedores das licitações. Em pelo menos um dos casos, o acerto incluiu a divisão posterior dos ganhos advindos da execução do projeto. Há também indícios de que o próprio processo licitatório, em duas das obras, tenha sido influenciado por uma das construtoras participantes.
A Petrobras, no entanto, se apressou a negar a existência de quaisquer irregularidades nas obras por ela contratadas.
Havia feito o mesmo quando o Tribunal de Contas da União, em relatório anexo ao Orçamento de 2010, apontara "graves" irregularidades em empreendimentos da petrolífera, parte deles coincidentes com os atualmente questionados pela PF.
A estatal alegou haver divergências entre os parâmetros usados pelo TCU para calcular os valores cabíveis para os contratos e aqueles seguidos pelo seu próprio corpo técnico.
À época, a Petrobras afirmou que "colabora sistematicamente com os órgãos de controle e, quando há diferenças, procura esclarecê-las". Não foram poucas as queixas, no entanto, de técnicos do TCU quanto à "obstrução de fiscalização" por parte da companhia.
A atitude refratária a críticas e questionamentos chegou às raias da arrogância no processo licitatório para a escolha das novas agências de publicidade da empresa, no início deste ano.
Mesmo após o vazamento dos nomes das candidatas mais bem classificadas numa das etapas da disputa por uma verba de R$ 250 milhões ao ano, a estatal defendeu a continuidade do processo -já então posto sob suspeição. Pressionada, decidiu refazer o procedimento de escolha.
Os dirigentes da empresa parecem não compreender o real significado da importância da Petrobras na economia nacional e do seu status simbólico para o país. Tal vulto não lhe confere o direito de se considerar acima do bem e do mal, infensa a críticas e correções de rota. Ao contrário, é dever do conglomerado, por seu caráter público, dar o exemplo na prestação de contas à sociedade brasileira.

segunda-feira, abril 12, 2010

De Washington@edu para Gaspari@jor por Demóstenes Torres

Um negro rico tem mais direito a cota que um branco pobre? Ou o Brasil quer institucionalizar em 2010 o racismo americano de 1910?

ILUSTRE jornalista Elio Gaspari, Quem lhe responde é Booker T. Washington, ex-escravo. Faço-o porque li que o senhor, uma estrela da comunicação, sustenta pela segunda vez em artigos que o senador Demóstenes Torres tentou explicar a escravidão atribuindo-a aos negros.
A teoria negacionista não é dele, que nem sequer a advoga. Nem os alunos de Madame Natasha ou os colegas de Eremildo interpretariam assim os discursos, entrevistas e textos de Demóstenes.
O combate do senador é pela educação, que começa na escola em tempo integral e permeia as demais fases do ensino, para que não se necessite de cotas, nem as raciais, que ele considera racistas, nem as sociais, que defende por beneficiarem os pobres de qualquer cor. Esse item, educação, nos aproxima.
Vou lhe contar meu caso. Passei da servidão a reitor de universidade não por graça, mas por obra. Acreditei na educação não para o sucesso de uma raça, mas para ascensão das pessoas e desenvolvimento de uma nação.
Discordo do senador, pois creio em raças, e ele diz que não existem. A seu favor, ele tem a tecnologia, que avançou e descobriu que a diferença genética entre negros e brancos é nula. Um setor em que parece não ter havido avanços é o da ideologia, que continua ofuscando até mentes brilhantes.
Na virada do século 19 para o 20, eu era tido como conciliador, por querer a emancipação dos negros por meio da educação. O mesmo debate chega ao século 21, com os mesmos argumentos, os mesmos equívocos.
Se Cazemiro e Baquaqua, citados em sua carta, deixaram descendentes, não se surpreenda se houver louros de olhos azuis. O Brasil é muito diferente dos Estados Unidos em que vivi.
Um país miscigenado como esse não merece ser tratado como bicolor. A tese do senador é que as cotas, motivo das discussões acerca de frases ditas por ele ou inventadas para ele, devem ser temporárias e, sendo sociais, são também raciais, pois servem a todas as raças. Por que a cota racial tem de ser só para uma cor?
Um negro rico tem mais direito a cota que um branco pobre? Ou o Brasil quer institucionalizar em 2010 o racismo dos EUA de 1910? Aí há racismo, mas incomparável com o daqui. O ciclo nocivo que faz um país precisar de reserva em universidades públicas começa no ensino fundamental ruim, quando aí deveria estar o início da construção do mérito. No médio, uns pais se sacrificam e põem os filhos em colégios particulares, outros já são tão sacrificados que a renda da família é menor que a mensalidade.
Daí a competição ser desigual. Por isso o senador quer prazo de 12 anos para que o aluno que entrar hoje na escola em tempo integral termine o ensino médio em condição de disputar vaga com o do colégio privado.
Em nenhum lugar, com nenhuma palavra, o senador negou o horror da escravidão ou as monstruosidades dos senhores e das leis com os cativos.
Não ajuda em nada as ações afirmativas entortar suas palavras, interpretá-las para colar no senador a pecha de que é racista, vitaminar militantes para hostilizá-lo.
Se valesse aí a nossa regra aqui, a de que basta uma gota de sangue para ser negro, o senador seria um dos nossos, pois é filho de mulata.
Mas não é essa a discussão que interessa. O tema tem de ser a qualidade da educação, a situação de cada prédio e do transporte escolar, o valor nutricional da merenda, além de salário, preparo e condições de trabalho dos professores.
Desviar o assunto das cotas para buscar o iniciador do tráfico de pessoas é uma forma de esquecer que o Brasil continua atrasado em educação, talvez com média insuficiente para entrar na instituição que dirigi, o Instituto Normal e Industrial Tuskegee, no Alabama.
Outro dia eu encontrei o Gilberto Freyre e lhe disse não entender o fato de ter sido proscrito. Fazia tempo que eu queria perguntar-lhe por que os racialistas repelem tão correto e talentoso pesquisador. Ele deu a entender que queriam que "Casa Grande & Senzala" fosse um panfleto grande, e não um grande livro.
Gaspari, a escravidão foi brasileira, assim como é brasileira uma certa dificuldade de entender que quem mais grita por cota é quem menos defende o mérito. É possível vencer com esforço, estudo e oportunidade. Eu que o diga.
Com todo respeito,
Washington.
P.S.: Há um pouco sobre Booker T. Washington em "Uma Gota de Sangue", de Demétrio Magnoli (Contexto). Que Deus nos livre da pressa que estão impondo para institucionalizar o racismo no Brasil.

DEMÓSTENES TORRES, 49, procurador de Justiça, é senador da República pelo DEM-GO.

quinta-feira, março 25, 2010

Devaneio autocrático

Editorial da Folha

O vezo antidemocrático de Lula se expõe quando o que está em pauta é a divergência de opinião e a liberdade de imprensa

A DEMOCRACIA , numa definição de manual, é um sistema de governo no qual o povo exerce a soberania e elege seus dirigentes por meio de eleições periódicas; é um regime em que estão asseguradas as liberdades de associação e de expressão. Todos esses princípios estão plasmados na Constituição de 1988 -ela própria uma conquista democrática.
Isso tudo é óbvio. Mas quem impele a repisá-lo é o presidente da República. Na versão de Luiz Inácio Lula da Silva, a democracia muito frequentemente -e cada vez mais- surge como se fosse uma concessão da sua vontade. Ele não parece tratá-la como valor, mas como capricho.
O vezo autoritário do mandatário se torna flagrante quando o que está em questão é a divergência de opinião ou o compromisso com a liberdade de imprensa. Lula não tolera ser criticado e convive mal com esforços de fiscalização de seu governo.
Ontem, numa cerimônia, ele disse: "Acabei de inaugurar 2.000 casas, não sai uma nota. Caiu um barraco, tem manchete. É uma predileção pela desgraça. É triste quando a pessoa tem dois olhos bons e não quer enxergar. Quando a pessoa tem direito de escrever a coisa certa e escreve a coisa errada. É triste, melancólico, para um governo republicano como o nosso".
Talvez seja o caso de mencionar os mensaleiros, os aloprados, o "roçado de escândalos" da aliança com o PMDB. Ou, ainda, os benefícios pouco ortodoxos concedidos com dinheiro público a algumas empresas que este governo elegeu para implementar sua versão de "capitalismo de Estado". Nada disso compõe um figurino "republicano".
O que mais impressiona, porém, é o raciocínio embutido na seguinte frase de Lula: "É triste quando a pessoa tem o direito de escrever a coisa certa e escreve a coisa errada". É uma afirmação tosca, sem dúvida, mas antes disso autocrática. Não faz sentido no contexto da democracia.
A imprensa tem de ser livre, inclusive para errar -e responder por isso perante seu público ou à Justiça, sempre que for o caso. Essa liberdade atende sobretudo ao direito do cidadão de ter acesso a informações.
Lula disse ainda que "setores da imprensa" deveriam olhar para pesquisas de opinião antes de tirar conclusões sobre ações públicas de seu governo. Em alguns casos, como o desta Folha, as pesquisas são realizadas pelas mesmas empresas cujo trabalho Lula busca desqualificar.
Tampouco é verdadeira sua afirmação de que avanços sociais ou do país obtidos neste governo não tenham sido noticiados. Foram -e de maneira exaustiva.
O problema é outro. Recentemente, o presidente da República agrediu os valores democráticos ao equiparar os presos políticos de Cuba aos presos comuns do Brasil -e endossar os crimes de uma ditadura.
Agora, ao criticar mais uma vez a imprensa, comporta-se como quem aspira à unanimidade -algo que está longe de ser um padrão democrático.

segunda-feira, março 08, 2010

Não há por que se decepcionar

por João Nemo em 28 de janeiro de 2010 no Mídia@Mais

Pessoalmente jamais me decepcionei com o governo Lulla. Aliás, tendo a manifestar uma certa irritação quando ouço alguém dizer que está decepcionado porque surgiu mais alguma peça do rosário de escândalos, ou porque os mais notórios coronelões da velha política nele estão abrigados, ou porque o falastrão-mór deu mais algum dos seus espetáculos grotescos ou, ainda, porque, apesar de ser um grande líder, mais uma vez não sabia de nada. Acho até que já passei dos limites sugerindo a uns e outros que leiam o artigo que escrevi logo após a primeira eleição da figura, em que me autodenominava “o chato da festa”.

Agora, novamente, uma porção de gente se mostra perplexa com o descaramento embutido no tal Plano Nacional de Direitos Humanos, onde, atrás de um linguajar que chega a ser nauseante, se propõe o atropelo de todo o ordenamento político e jurídico e uma espécie de sovietização jeca do Brasil. Tanto os idiotas por inocência como os idiotas por conveniência, outra vez, estão decepcionados. Que coisa!

Se nomearmos um cafetão para comandar uma paróquia, não há por que estranhar nada do que virá a acontecer na sacristia e no presbitério. É muito provável que ele mantenha as aparências do local e as suas rotinas básicas, para que os paroquianos não fiquem logo indignados; distribua bênçãos com grande generosidade; seja extraordinariamente brando nas penitências; faça homílias um tanto exóticas, consideradas mais próximas da “linguagem do povo”. O cavalheiro poderá usar batina, citar os evangelhos e até participar das procissões. Terá especial gosto em recolher as oferendas, mas dificilmente escapará à natureza dos seus verdadeiros dotes e valores. Recomendo às donzelas não irem ao confessionário. A paróquia poderá parecer bem, principalmente se o sacristão for zeloso, mas caminhará inexoravelmente para novos rumos, pouco a pouco, dependendo da credulidade dos fiéis.

Quando se coloca no comando de uma democracia representativa gente que não tem fé na coisa, não há por que estranhar que, passo a passo, os rumos sejam alterados. As razões alegadas para fazê-lo sempre serão sublimes, voltadas para um modelo supostamente mais puro, dentro da conhecida técnica de contrapor as maravilhas pretendidas às imperfeições da realidade.

A natureza profunda do PT é totalitária. Da mesma forma os círculos intelectuais que o rodeiam, a maior parte da velha guarda que o formou, os “movimentos” com que interage e assim por diante. Não há que estranhar o fato de que cumpram os rituais do Estado de Direito, tanto quanto possível nas aparências, mas procurem ser criativos na maneira de mudar os fundamentos do processo político. Eles não têm fé em democracia representativa; têm predileção pelos métodos cooptativos e bolcheviques a que dão o nome de “democracia participativa” e são, na melhor das hipóteses, devotos de Rousseau, aquele “intelectual orgânico” que escrevia sobre educação enquanto seus filhos mofavam e morriam num orfanato. Nesse ponto, o nosso apedeuta é bem superior: não escreve nada, alega que também não lê (nem o que assina), mas seu filho, corado e rechonchudo, se torna um fenômeno do mundo dos negócios.

Por trás daquele linguajar horroroso, ligeiramente parecido com a língua portuguesa, o que o dito Plano de Direitos Humanos do governo Lulla propõe é, antes de tudo, preparar o terreno para o governo Dilma (que Deus nos proteja) com uma reforma constitucional total, não via Parlamento, mas pela deformação da linguagem, dos conceitos e a implantação de métodos “populares”. Diriam alguns que é a nossa cópia do roteiro chavista, mas, na verdade, assim como no caso do paraquedista venezuelano, trata-se apenas de uma versão B da conhecida ascensão totalitária vista e revista no século passado.

Bons articulistas, como Reinaldo Azevedo, Percival Puggina, Ricardo Vélez e outros já esmiuçaram as maravilhas do texto, portanto não há muito o que acrescentar:
- Para o Legislativo é proposta, definitivamente, a irrelevância. Já não basta comprá-lo em lotes;
- O Judiciário ficaria obscurecido pelas comissões populares. Já não basta praticar, nos tribunais, o “direito achado nas ruas”;
- As garantias da propriedade, particularmente as rurais, passariam a ser mais frágeis do que no “estado de natureza” hobbesiano. Dependeriam, praticamente, de não haver quem queira tomá-la. Se houver quem queira, vamos discutir o assunto.
- A imprensa e outros meios de comunicação passariam a ser controlados e patrulhados. Já não bastam os petralhas e filopetralhas que poluem todas as redações, nem se trata, simplesmente, de instalar a censura, como tem sido dito. É muito mais do que isso. Durante os governos militares houve censura extensa: começaram vedando as notícias que diziam respeito à luta armada e acabaram se metendo até em letra de samba, mas nunca houve efetivo “controle”. Na proposta lulo-petista até a linguagem seria patrulhada, através de um conjunto de gratificações e punições. Um herege como Diogo Mainardi, por exemplo, seria banido no primeiro artigo publicado, por crimes verbais de lesa-humanidade.

Há quem se tranquilize alegando que, escritas ou não, essas coisas jamais serão praticadas. Será? Nem é preciso, basta a insegurança que geram para fazer um enorme estrago.

Apesar de já ter ocorrido um recuo tático, o que mais claramente retrata a mentalidade que preside a estrovenga é a insistência em tentar abolir unilateralmente a anistia concedida em 1979, que as esquerdas quiseram “ampla, geral e irrestrita” porque, à época, era duvidosa a concessão do benefício aos enquadrados em crimes de sangue. Cultivam um ódio irrevogável e um revanchismo persistente depois da surra sofrida há 40 anos atrás. É como se, num conflito bélico, um dos lados, encurralado, levantasse a bandeira branca. Feita a trégua e negociada a paz, muito tempo depois, bem armados e em posição favorável, decidissem que o acordo não valeu, que foram anistiados, mas não anistiaram e, portanto, devem punir os antigos oponentes. Já não bastam as indenizações milionárias obtidas com os mais tortuosos argumentos; é preciso obter vingança até dos que abriram mão dela no passado e reescrever a história. Para isso, não se pejam, sequer, da ridícula denominação “orwelliana”, revivendo o Ministério da Verdade da célebre utopia “1984”. Faz parte do prestígio que os nossos bolcheviques tardios pretendem ter em certos círculos internacionais, como os que protegem humanistas do tipo do assassino italiano que Lulla ainda mantém, esperando a poeira baixar ou uma oportunidade para ele “fugir”.

Uma pena que nesse governo ninguém leia, mas todo mundo assine, tanto o grande estadista como a Maga Patalójika, que quer ser presidente da república.

sexta-feira, março 05, 2010

O que faz o DEM ser diferente

por JOSÉ AGRIPINO na Folha

Gostaria que o Brasil nos compreendesse. Não houve "mensalão do Democratas". A expressão fica preservada como patrimônio de outros

O EPISÓDIO envolvendo dirigentes e parlamentares do Distrito Federal oferece ao país a oportunidade de acompanhar a maneira como um partido pode comportar-se diante de situações de crise.
A oportunidade também de comparar partidos e comportamentos.
Na desfiliação do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, do vice-governador, Paulo Octávio, do deputado Leonardo Prudente e na dissolução do diretório regional, o Democratas não deu espaço para conveniências imediatistas ou de ordem pessoal. Optou pelo respeito à ética, encarada pelo partido como um valor permanente da vida política.
Levado a cortar na carne e punir filiados de longo tempo, o DEM mostrou ao Brasil que não convive com a improbidade e não aceita a impunidade.
Em novembro do ano passado, o governador Arruda foi exposto à opinião nacional em imagens que o mostravam na prática de ações inaceitáveis. Diante da gravidade das denúncias então veiculadas, o senador Demóstenes Torres, o deputado federal Ronaldo Caiado e eu apresentamos à Executiva do partido representação com pedido de expulsão do governador em rito sumário.
Como é comum nas democracias, todo partido tem linhas diversas de pensamento. A Executiva acatou o pedido, decidindo pela concessão de um prazo de oito dias para a apresentação da defesa.
Próximo ao final do prazo, confrontado com a iminência da sua expulsão, o governador José Roberto Arruda pediu desfiliação. O vice-governador, Paulo Octávio, e o deputado Leonardo Prudente desfiliaram-se após algumas semanas e o diretório regional do partido foi dissolvido.
Em consequência da ação da Executiva partidária, os envolvidos nos episódios do Distrito Federal não poderão candidatar-se a nenhum cargo nas próximas eleições.
Enquanto isso, impõe-se uma reflexão: onde andam os implicados no escândalo dos aloprados? Onde andam os mensaleiros? Onde andam os camufladores de dólares em roupas íntimas? Seguramente, não são do Democratas. E o povo sabe quem continua a acobertá-los.
Dentro da Executiva, pelo diálogo, chegou-se a um entendimento unânime. Prevaleceu no partido a ideia de que ninguém teria, ao julgar colegas, o direito de agir por meio de sentimentos pessoais.
Ao partido, como instituição, impunha-se a tarefa de dar exemplo, cumprindo sua obrigação, fazendo o que outros, em circunstâncias semelhantes, não tiveram a coragem de fazer.
As atitudes foram guiadas pela convicção de que as instituições devem estar acima dos sentimentos que, por serem humanos, são falíveis.
Todo processo traumático de tomada de posição costuma se transformar em referência. Ficam os exemplos -positivos ou negativos. Impôs-se a decência.
Gostaria que o Brasil nos compreendesse. Não houve, portanto, "mensalão do Democratas". Os ilícitos denunciados circunscreveram-se estritamente ao governo de Brasília e não envolveram filiados de outras unidades da Federação.
O partido providenciou, no tempo adequado, o expurgo exigido pelos fatos no Distrito Federal. Detectado o problema, o corrigimos drasticamente, afastando os envolvidos com irregularidades. Em nenhum momento contestamos as evidências exibidas pelos meios de comunicação ou alardeamos a existência de conspirações.
O futuro vai nos reservar o direito de dizer que fizemos história partidária. A expressão "mensalão" fica, assim, preservada como patrimônio de outros partidos que não souberam ou não puderam distanciar-se do território da corrupção.
Vamos reconstruir o DEM no Distrito Federal. O senador Marco Maciel foi designado para recompor os quadros do diretório regional com homens e mulheres que se orgulhem do que o partido fez na crise de Brasília. Continuaremos nosso trabalho.
Atravessamos uma trilha amarga, mas fizemos o que tínhamos que fazer para nos apresentar como referência de rigor na não convivência com a impunidade. Tenho certeza de que, mais à frente, irão reconhecer esse nosso esforço. Não pelo que eu digo, mas pelos fatos.
JOSÉ AGRIPINO MAIA , 65, engenheiro civil, é senador da República pelo DEM-RN e líder de seu partido no Senado Federal. Foi governador do Rio Grande do Norte (1983-1986 e 1990-1994).