sábado, junho 19, 2010

Réquiem ao deus de si mesmo, ou Moisés e os faraós da modernidade.

Por Renato Emydio, texto em razão da morte do Saramago

Não conheço, não li, sei o que falam, sei o título de sua obra sobre o evangelho segundo Jesus. Sei que o cara era ateu.

Chega a ser desconcertante, para estes tempos modernos, a facilidade com que pessoas professam seu ateísmo e se dizem atéias. Desconcertante, para mim, por que a evolução do conhecimento científico e das tecnologias indicam o caminho oposto ao ateísmo. As descobertas da ciência cada vez mais tornam evidente a existência daquilo que chamamos Deus, ou Criador.

São muitos ateus. Cientistas de renome, físicos, matemáticos, filósofos, artistas, poetas...

Duas vertentes devem ser observadas em relação ao ateísmo,: os interesses sócio-políticos (força sociais) e a metafísica.

Apenas sob o prisma metafísico, entretanto, tal assunto pode ser devidamente analisado.

Sob o aspecto religioso, confunde-se Deus com Religião. Separemos ambas por que são coisas distintas. E trata-se, então e somente, de analisar a existência, ou não, de Deus.

Conheço, e os ateus devem conhecer, os argumentos e razões que fundamentam sua forma de pensar. Eu conheço de cor. Resumo-os: “simplesmente não acredito em Deus”.
Pessoas que falam assim, pessoas inteligentes, capazes, trabalhadoras, honestas cometem um erro de avaliação muito grande. Na maioria das vezes um erro induzido.
Estas pessoas não souberam fazer algumas perguntas, entre as quais, para mim, se destacam algumas.
Muitos cientistas defendem o ateísmo e usam a sua Ciência como suporte para suas afirmativas. A bastilha derradeira é Darwin e o homem que descende do macaco. Pode-se dizer que seria a palavra de Darwin, o veredicto da Ciência, contra a palavra de Moisés, para exemplificar com a crença judaica.

Será que Darwin teria maior capacidade intelectual do que Moisés? Os livros de Moisés podem ser classificados como uma obra bizarra, destituída de bom-senso ou baseada apenas no senso comum? Uma pajelança esotérica, nas areias de um deserto inóspito, que desencadeou forças naturais capazes de fazer raios e trovões escreverem nas pedras? Ou é uma obra que o cérebro humano “moderno” classificaria como genial?

Evidentemente Moisés não era irracional. Sabia muito bem o que fazia e o fazia com excelência. Sua obra está ai para qualquer um ver e analisar. Apenas exige-se que seja cientificamente analisada, sem achismos ou palpites – ou pelo menos sistematicamente. Aliás, fazia e não tinha interesses políticos – observe-se o cuidado, o virtuose, ele o Moisés “tu não entrarás na terra prometida”. Darwin seria capaz de tamanho alcance de previsão? Darwin acertaría tanto?
Concluí-se, tecnicamente, que o homem moderno não é mais inteligente que seus antepassados bíblicos. Ou de outras poderosas vertentes religiosas. Estrategistas modernos baseiam-se nas soluções adotadas na antiguidade.

De fato, Moisés não consegue comprovar nada cientifica ou racionalmente. Cito Moisés por que é o que mais conheço. E Darwin também não consegue algo parecido. O fato de que seres humanos descenderem, ou não, de macacos nada prova a respeito de Deus. Nem comprova, ao menos, que Moisés esteja errado.

Mas o que levou Moisés a crer na existência de Deus é uma pergunta intrigante. Segundo se constata, ele se colocou como servo obediente de Deus. O notável é que isto acontece com um sujeito rigidamente racional, frio, calculista e inteligente. Ele poderia ter dito, como eu diria, “vou esquecer esta bobagem e levar a vida ao lado do Faraó, que está ao meu alcance, sem esforço e com o conforto que o Egito poderá me propiciar”. Moisés poderia descrer de tudo, ou crer em Faraó.
Moisés tinha um defeito (ateus poderão dizer delírio) chamado integridade moral. Não conseguiria viver negligenciando a tarefa que via a sua frente, na qual acreditava e que tinha capacidade para cumprir.

Como Moisés chegou a conclusão de que Deus existia, é a grande pergunta. Onde ele viu Deus, como raciocinou, qual ou quais elemento de prova admitiu para si.
Aquilo que Moisés teve extrema dificuldade para constatar, hoje está ao alcance de todos.

Sabemos como o ciclo vital ocorre, temos as diversas teorias sobre a estrutura atômica, as forças que interagem neste nível e seus desdobramentos, a mecânica clássica, a biologia, a medicina.

Todos estes conhecimentos nos levam a constatar que não temos a menor probabilidade de descobrir como a vida surgiu. Não temos a menor idéia de como o Universo surgiu. E aqui está outra âncora do ateísmo: foi o big-bang. Chega a ser jocosa a discussão, inclusive em respeitados meios científicos, sobre esta teoria e sua relação com vida. Resumindo: um determinado “dia” houve uma explosão no espaço (note-se que já existia espaço – coisa que deveria ser provada) e, magistralmente, olhem nós aqui.

Moisés viu a vida, o universo que lhe era disponível, viu que era o ser mais inteligente no meio que o rodeava. Viu mais, viu que a inteligência estava escalonada - um cachorro é mais inteligente que uma borboleta – um macaco mais que um cão. Moisés sabia das nossas misérias, das misérias humanas. Sua conclusão foi racional, lógica, decente: “Não, eu não sou o ser mais poderoso deste lugar”.

Portanto, se eu sou mais capaz do que um cão, logicamente haverá algo mais capaz do que eu. Qualquer outra consideração a este respeito, divergente, formulada de forma consistente, terá que superar o crivo da Vaidade humana. Olhamos para o universo (conhecido) e sabemos, hoje, sua estrutura e idade, incontáveis estrelas e planetas, corpos celestes e distâncias infinitas. Será que o ser humano é o produto máximo de tudo isso?. Não, não é. Então há, probabilidade de 100%, outras formas de vida e mais inteligentes que a humana. Então só falta dimensionar o quanto são, ou é, mais desenvolvido que nós o Ser mais inteligente que possa existir neste universo todo. Este é o Deus ao qual Moisés se refere. A mais cristalina e pura lógica que daria inveja (saudável) a Newton e Darwin entre tantos.

Não se pode ver aqui uma espécie de antroporfismo barato, apenas constata-se que as características humanas devem estar presentes na sua origem, se for o caso, no Ser que as criou, não sendo obrigatoriamente caracterizadoras deste Ser.

A vida é criação por tudo que o cérebro humano pode compreender, por tudo que as faculdades humanas possam conceber. A vida não resulta do universo, da matéria. Pelo contrário, a matéria, para a razão humana deve obrigatoriamente ter sido criada. Não somos capazes de compreender ou imaginar uma matéria eterna ou um universo eterno. A mesma incapacidade nos atinge em relação à figura de Deus. Somos capazes apenas de aceitar a possibilidade do ser Criador, Originador do Universo, mas não somos capazes de compreender ou imaginar como este ser existe.

Mas, para nós humanos, a vida como a conhecemos é criação, não é um fenômeno eterno. Como ela surge fisicamente não sabemos ainda responder, mas sabemos que surge. Sabemos também pode se originar de outra vida.
Para Moisés um único Deus originou tudo. Conclusão brilhante e preciosa.

Saramago não quis ver por que era apegado demais às suas crendices. Poderia ter sido um excelente Faraó, se tivesse ocasião. Quem sabe derrotaria Moisés e o sufocaria no deserto sem lhe dar tempo para chegar ao mar. Mas, até para Faraó, crendices e lendas podem ser um grande problema." Renato Emydio

segunda-feira, junho 07, 2010

Nossa esquerda direitista

Ainda estou chocado com a pesquisa do Datafolha sobre a ideologia dos brasileiros: 35% dos entrevistados que se disseram petistas, por livre vontade e protegidos pelo anonimato, se declararam de direita. Como? Vamos tentar investigar esta peculiaridade política brasileira.

Sim, as pessoas sabiam o que estavam falando, tanto que 25% responderam que não sabiam ou não queriam responder. As demais estavam seguras de suas opções e se dividiram entre esquerda, direita e centro, inclusive os petistas.

O lulismo não foi oferecido como opção, mas certamente teria muitos eleitores de todos os partidos, e nós, um peronismo tropical.

Zé Dirceu, que diz que tudo que não é de esquerda, de direita é, tem um dilema: como culpar a direita por tudo sem ofender tantos companheiros?

Com alguma fantasia e ironia, é possível imaginar que os entrevistados petistas fossem tão politizados que tenham se posicionado ideologicamente – mas em relação às correntes do partido, umas mais à esquerda e, por consequência, outras mais à direita, como a de Zé Dirceu.

Ou seria uma parte autoritária e impetuosa do PT, que se identifica com os métodos do stalinismo e do fascismo? Se acham de esquerda, mas adotam o comportamento totalitário que atribuem à direita. São aloprados ideológicos.

Outra interpretação, tola, seria que os entrevistados se disseram de direita porque confundiram com direito, como oposto de errado. Ou a teoria de Tim Maia, politizando a clássica frase “No Brasil, prostituta goza, traficante cheira, cafetão tem ciúmes… e pobre é de direita.”

Como dizia Zé Dirceu nos anos 60, “é preciso conscientizar as massas”. Deve ser devastador aceitar que 2/3 dos brasileiros não querem saber da esquerda, por mais nobres e generosas que sejam as suas intenções. O pior é que alguns ainda vivem na ilusão de que todo mundo que se opunha à ditadura era de esquerda.

Mas talvez Leonel Brizola possa explicar. Na campanha presidencial de 1994, num comício no Paraná, com 4% das intenções de voto e a três dias da eleição, bradou do palanque:
“Não acreditem nas pesquisas. O povo está só despistando…” Sintonia Fina