quinta-feira, agosto 30, 2007

Mentiras e calos

Produzido pelo TERNUMA Regional Brasília

Por Paulo Carvalho Espíndola, Cel Reformado
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Paulo de Tarso Vannuchi, desde 21 de dezembro de 2005, é o Secretário Especial dos Direitos Humanos, com status de ministro.

Vannuchi, figurinha carimbada da esquerda revolucionária, militou na Ação Libertadora Nacional, onde se familiarizou com uma série de atos insanos, como seqüestros políticos, assassinatos, assaltos à mão armada, atentados a pessoas e instalações públicas e outras atrocidades previstas no “Mini-manual do Guerrilheiro Urbano” de autoria do nefando Carlos Marighella, seu líder e senhor. A quem quiser conhecer o que preconizava esse manual do crime, basta procurá-lo na Internet. Paulo Vannuchi, cuja biografia também está fartamente exposta na rede internacional, sempre se pautou pelo marxismo - leninismo. Preso por suas atividades ilícitas, hoje se jacta por ter sido um “herói da liberdade”, cinicamente se esquivando do seu propósito antidemocrático, até hoje inconfesso, de querer a implantação da ditadura do proletariado no Brasil.

Resta claro à sociedade brasileira - só não enxerga quem não quer ver - que a secretaria de Direitos Humanos foi criada para promover e orquestrar o revanchismo político. Aponte, quem puder, uma só iniciativa desse órgão na defesa dos direitos humanos que não tenha sido velar pelo resguardo das esquerdas e pela afronta às Instituições Militares.

Onde estava o Secretário Especial dos Direitos Humanos - somente para citar fatos da atualidade - na recente falência da saúde pública do Nordeste, em que brasileiros desassistidos morreram em catres nos corredores de hospitais. Estes não têm direitos?

Onde estava Paulo Vannuchi no episódio da deportação de dois pugilistas cubanos, que fugiram da sua delegação desportiva em busca de liberdade. É claro! Povo escravizado, como o cubano, não tem direitos humanos...

Vannuchi não esteve em defesa dessa gente, pois estava assoberbado para terminar o seu livro “Direito à Memória e à Verdade” a ser lançado no próximo dia 29 de agosto em pomposa solenidade promovida por Lulla no Palácio do Planalto. É interessante lembrar que, nesse dia, trinta anos foram decorridos desde a promulgação da Lei da Anistia. O livro prega, abertamente, a insubordinação ao espírito da anistia, impondo aos vencedores de uma guerra fratricida a vontade dos criminosos vencidos. Sobra tentar saber quem paga essa conta e os dividendos autorais da “obra”...

Não me parece necessário discorrer sobre as bazófias de Vannuchi nesse lixo literário. No entanto, revolta-me ver o Presidente da República, novamente, a promover o farisaísmo e o proxenetismo político. Aliás, Lulla, o grande ausente nessa crise da saúde do Nordeste, acaba de liberar dois bilhões de reais como “solução de emergência”. Interessante é que essa quantia é a metade do que o governo pretende gastar com pensões e indenizações aos terroristas, corruptos e maus brasileiros punidos pela Contra-Revolução de 1964. Estão aí os grandes agraciados pelos direitos humanos...

Assim, Maria Antonieta da Silva distribui brioches ao povo que quer pão, saúde, segurança, probidade e homens públicos sérios.

Lulla, ao reportar-se à recentíssima “Marcha das Margaridas”, que só serviu para tumultuar o trânsito de Brasília, disse que as mulheres do campo merecem toda a consideração, por terem as mãos calejadas pelo trabalho. Realmente merecem. Pena que o presidente não conheça calos, pois trabalhar nunca foi o seu forte.

O Senado está nu

Foi preciso que um funcionário do Senado decidisse reatar relações com a própria consciência para suas excelências perceberem o óbvio: que há três meses o presidente da Casa, Renan Calheiros, usa o cargo e a estrutura da instituição escancaradamente em proveito próprio.

Como os senadores não são lesos, cegos nem surdos, as reações de surpresa ao pedido de exoneração do secretário-adjunto da Mesa, Marcos Santi, destinam-se única e tão somente a justificar a posteriori a complacência dos senadores para com os usos e abusos em série protagonizados à vista de todos pelo presidente do Senado.

Santi demitiu-se em função da orientação de Renan Calheiros para que a consultoria técnica preparasse parecer em favor da votação secreta dos relatórios do processo de quebra de decoro parlamentar contra o presidente.

Postas as cartas na mesa, exposta a ferida, os senadores reagiram indignados. Consideraram "muito grave" a denúncia do funcionário e passaram a desconfiar seriamente da hipótese de a interferência de Renan Calheiros significar por si só ato parlamentar indecoroso. O secretário-adjunto fez a conhecida constatação sobre a nudez do rei e acabou desnudando também os súditos. Três meses, três processos abertos e inúmeras evidências depois, sejamos claros: Renan Calheiros só continua na presidência porque o Senado assim o permitiu.

A tardiamente percebida quebra de decoro por uso da máquina está estabelecida desde aquele primeiro momento em que, da cadeira da presidência, Calheiros se defendeu e recebeu de seus pares a quase unânime manifestação de reverência.

Declararam-se quase todos satisfeitos com a documentação brandida do alto da tribuna - logo depois desmoralizada por reportagem da TV Globo e, em seguida, pela perícia da Polícia Federal - e formaram a já notória fila do beija-mão.

Depois disso, o presidente usou do mesmo expediente diversas vezes sem ser contestado, até que o registro repetido da inadequação nos noticiários fez Renan Calheiros se transferir para o microfone dos comuns quando o assunto era o processo.

Da mesma forma, o presidente do Senado só se declarou impedido de participar de decisões da Mesa relativas ao caso quando a situação se tornou insustentável.

Antes disso, já usara a secretária-geral da Mesa, Claudia Lyra, para assessorar sua defesa em sessões no Conselho de Ética, depois disso usou a mesma funcionária para revisar, na calada, as notas taquigráficas de seu depoimento aos três relatores do processo.

Usou o líder do governo, Romero Jucá, como seu menino de recados no conselho, usou o poder de pressão para intimidar senadores e obrigar servidores a cuidar de seus interesses e, em ocasiões anteriores já havia usado a consultoria jurídica para produzir pareceres a seu favor. Isso sem falar no uso repetido de estratagemas, no início do escândalo, para postergar decisões.

O Senado viu tudo isso e não se mexeu. Limitou-se ao inútil jogo de cena de "exigir", quando não "aconselhar", quase pedindo desculpas, um pedido de licença da presidência.

Sempre se poderá argumentar que o ato de renúncia é unilateral e, pela lei e o regimento, Renan Calheiros só se moveria da presidência por vontade própria ou cassação.

Trata-se de uma meia verdade. A Câmara, quando quis, simplesmente impediu o presidente sob suspeita de comandar a sessão conjunta com o Senado para a aprovação do Orçamento. Um grupo de deputados ameaçou não votar, e Calheiros recuou. Saiu, ali, de fato, da presidência do Congresso.

Mas o Senado fez diferente. Prestou reverência a ele o tempo todo, fingiu não ver o abuso da máquina e agora simula surpresa diante da manifestação de um servidor público cuja vulnerabilidade funcional o obrigou a recuar da denúncia explícita. O ato de autoproteção talvez dê aos senadores a oportunidade de voltarem a fechar os olhos e continuarem a convalidar as ações do colega que a todos representa, inclusive na nudez exposta às evidências.
Dora Kramer

O Brasil e os cegos

A artificial popularidade de Lula parece ter se esvaído, de um momento para o outro, como um encantamento que perde sua sedução

O BRASIL vive uma conjuntura inesperada e que causa perplexidade. Fatores até contraditórios parecem conjugar-se, gerando situações ora confusas, ora auspiciosas, ora trágicas, ora reveladoras.
Dir-se-ia que uma misteriosa mão revolveu o tabuleiro de xadrez da conjuntura político-social brasileira, derrubando certas peças, trocando outras de lugar, fazendo com que umas perdessem seu sentido e outras se sentissem confusas e desnorteadas.
Sou obrigado a concordar com o deputado Fernando Gabeira -em cujos antípodas ideológicos me encontro- quando escreveu, há dias, nesta Folha: "Há algo no ar além dos poucos aviões de carreira. É uma sensação de que o governo, diante da crise, deixou de fazer sentido, deixou de dizer coisa com coisa. As pessoas não acreditam ainda no que estão ouvindo" ("A bruxa na cabeça", 28/7, pág. A2).
Por que afinal o governo "deixou de fazer sentido"? E terá sido apenas o governo? Relembro aqui razões pertinentes, já exaustivamente apontadas: a generalizada incompetência; o aparelhamento do Estado pelo PT e partidos aliados; um governo voltado para a autolouvação e a propaganda; a submissão de todos os atos políticos a uma ideologia.
Há, entretanto, a meu ver, uma razão mais profunda que vejo pouco mencionada ou referida sem o devido destaque. Obcecados por uma ideologia utópica, com tintas de fanatismo, Lula, seus colaboradores e conselheiros mais próximos muito falam do povo, mas pouco conhecem dele. O que se nota em suas convicções -melhor diria, em suas crenças- e modos de atuar é um desconhecimento fundamental da índole de nossa gente.
Inúmeros historiadores, sociólogos e analistas de renome se debruçaram e escreveram sobre ela. Sirvo-me aqui das palavras de Plinio Corrêa de Oliveira, um dos pensadores e homens de ação que, a meu ver, com maior acuidade discorreram a respeito dos traços de alma, dos sentimentos, da mentalidade de nosso povo:
"O povo brasileiro se destacou desde as origens, por seu caráter ameno, afetivo e cordato. Ademais, habituou-se ele a considerar com otimismo as várias crises econômicas por que tem passado. Ele confia em Deus ("Deus é brasileiro", afirma um velho dito popular). (...) Com "jeitinho" (o "jeitinho" é uma instituição nacional), bonomia e paciência -julga a imensa maioria dos brasileiros- tudo se arranjará. O brasileiro é infenso à ansiedade. Detesta rixas. Cuida pacatamente de si e de sua família e considera com um olhar algum tanto desinteressado e cético a política e os políticos (...). Em comparação com o imenso contingente populacional assim disposto, publicistas, políticos etc. representam uma minoria que por certo faz ruído, pois está nos postos-chaves de onde o ruído se difunde sobre as multidões. Mas essas multidões constituem um povo que pouca atenção dá a tal ruído" ("Sou Católico: Posso Ser contra a Reforma Agrária?", Vera Cruz, 1981, pp. 57, 58).
Talvez por esse motivo a tão simbólica vaia do Maracanã tenha deixado surpreso e desorientado o presidente Lula e desconcertados seus assessores; talvez por esse motivo políticos petistas e aliados se tenham dedicado a exercícios abstratos e especulativos sobre os motivos da vaia em vez de se voltarem para o país profundo, que está mudando de modo irreversível.
A artificial popularidade de Lula, mantida à custa de uma fabulosa máquina de propaganda, regada generosamente a números de pesquisas, tratada com uma cuidadosa ausência de oposição, parece ter se esvaído, de um momento para o outro, como um encantamento que perde sua sedução.
O terrível e trágico acidente da TAM, dias depois, teve o condão que, paradoxalmente, têm certas tragédias, de operar um choque salutar nos que arrastavam indolentemente sua insatisfação. Num clarão de dor e de morte, aos olhos de grande parte dos brasileiros se tornaram patentes o descomunal desastre e a imensa tragédia histórica para a qual o chamado lulo-petismo arrasta a nação.
Pela primeira vez, das camadas profundas da sociedade surgem manifestações de inconformidade ativa, de um descontentamento que há muito germinava e só o lulo-petismo parecia não levar em conta, em sua marcha utópica por cima do Brasil.
Afinal, só isso explica as reações absurdas como a tristemente célebre frase da ministra Marta Suplicy; o escárnio da afirmação do ministro Guido Mantega; o sumiço do presidente Lula ante uma tragédia sem nome; os gestos desqualificados de Marco Aurélio Garcia; as piadas presidenciais e as gargalhadas na posse do novo ministro da Defesa. Parecem não saber avaliar o desgaste profundo de seu projeto de poder nas mentalidades. E o desgaste das multidões é um dos fenômenos mais difíceis de ser revertido. Afinal, não se caminha impunemente ao arrepio de um povo, sobretudo quando sobre esse povo pairam os desígnios e a proteção da virgem Aparecida.
Mas, para o lulo-petismo, tudo se reduz a uma disputa eleitoral, tudo é golpismo. O pior cego é aquele que não quer ver: e o Brasil está aí, aos olhos de todos... menos dos cegos.

DOM BERTRAND DE ORLEANS E BRAGANÇA, 66, é tetraneto de dom Pedro 1º.

quarta-feira, agosto 29, 2007

Anatomia do poder

EM RECENTE artigo neste jornal ("Tendências/Debates", dia 21/ 8), Arnaldo Malheiros Filho revelou que, no momento, os trabalhadores do direito começam a ter a sensação de que o poder é indefinido; que os diversos grupos que o detêm agem sem um comando supremo e que o Poder estabilizador da ordem, ou seja, o Judiciário, se sente cerceado, de mais em mais, por iniciativas do Executivo e do Legislativo destinadas a reduzir o direito de defesa.
Crítico do governo militar, reconheceu, entretanto, que havia mais direito de defesa -símbolo maior de uma democracia- à época do Ato Institucional nº 5 do que agora.
A análise merece diversas considerações adicionais. De rigor, ao fazer a anatomia do poder no Brasil, se percebe que há diversos grupos que conduzem o governo e que o presidente Lula assiste a tudo, sem que se possa dizer que exista unidade de comando.
De um lado, o Bolsa Família garante à S. Ex.ª. um eleitorado cativo e crescente, que lhe dá permanente avaliação positiva nas pesquisas. Seus beneficiários (um quarto da população brasileira) pouco se importam com a política ou a ética.
Assemelha-se, neste particular, ao presidente Médici, ovacionadíssimo num Maracanã lotado por um povo satisfeito com o desenvolvimento econômico e pouco interessado em política.
Por outro lado, o grupo de seus partidários e aliados -que incharam a máquina administrativa sem concurso e lutam por sua efetivação- entende que o poder é para ser usufruído pelos "amigos", alijando os inimigos ou mesmo os perseguindo. Vivenciam a teoria de Carl Schmitt de que a política é a ciência que opõe amigo ao inimigo (o conceito do político).
Como, nas variantes do socialismo marxista, os fins justificam os meios, a ética não é a principal moeda para o exercício do poder, razão pela qual todos os escândalos descobertos em 2005 -e que não cessam de surgir- estão na linha da manutenção das rédeas governamentais nas mãos desses grupos. Isso, aliás, ocorre não só no Brasil mas também em todos os países que sofreram a influência ou o impacto direto do marxismo.
A Polícia Federal e a Receita Federal, por outro lado, que angariaram poderes fantásticos no novo governo, exercem o poder adotando linha paralela e independente das funções que a lei lhes atribui.
A primeira, provocando receios até na mais alta corte da República, alguns de seus ministros considerando que vivemos em um Estado policial.
A segunda, batendo recordes sucessivos de arrecadação de origem legítima e ilegítima, com eliminação gradual do direito de defesa do contribuinte. Via "penhora on-line", vai incorporando como receita própria tributos contestados na Justiça e, quando perde questões em juízo, não devolve o indébito, usando estratégias que vão desde o não-pagamento de precatórios até a nulificação do instituto da "coisa julgada", mediante a oposição de embargos declaratórios de natureza protelatória ao infinito.
Apesar de pôr a culpa pela morosidade do Judiciário no direito de defesa exercido pelo contribuinte, é o Estado que provoca e conta com a lentidão da Justiça para não cumprir as condenações.
Por essa razão, o Brasil tem o dobro da média da carga tributária dos países emergentes, com pífia prestação de serviços públicos.
A área técnica econômica, graças ao Banco Central, controla a inflação, mas o Brasil evolui pouco no que diz respeito à educação, ao emprego, aos investimentos, à tecnologia e ao comércio exterior se comparado com os outros países emergentes de expressão (Rússia, China e Ã?ndia).
O poder, portanto, partilhado entre correligionários, que o querem no modelo chavista; entre os controladores da privacidade (polícia e receita), que o querem atrelado ao medo que provocam; pelos técnicos de economia, que o querem com temor de retorno à inflação; e pelos idealistas, como Patrus Ananias, que o querem apenas assistencialista, tem, no Ministério Público e no Poder Judiciário, poucos entraves, pela desestruturação do Estado, e no Poder Legislativo, duas Casas que se destroem sozinhas, pela sua incansável capacidade de gerar sucessivos escândalos.
A tudo assiste o presidente Lula, imune, graças a seu grande eleitor (Bolsa Família), delegando ao máximo e conduzindo o mínimo, o que, de rigor, faz do Brasil um país sem projeto. Infelizmente, a sociedade consciente e não-governamental, embora pague a conta, é a que menos voz ativa tem nesta nova democracia, que ganha ares totalitários, instalada no país.

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 72, advogado tributarista, é professor emérito da Universidade Mackenzie, da UniFMU, da Escola de Comando e Estado Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra.

sábado, agosto 25, 2007

Mais sobre a agenda de Dirceu

Diogo Mainardi

Passei a semana escarafunchando a agenda de telefones de José Dirceu. De novo? De novo. Pode mudar de assunto? Nem a pau. O que pretende com isso? Responder a uma ou duas perguntas. Quem ainda se importa com essa história? Eu. E o julgamento no STF? A imprensa tem de continuar a apurar os fatos, independentemente do Judiciário. Como José Dirceu reagiu ao aparecimento da agenda? Ele me acusou de ter usado o aparato do Estado Policial para consegui-la. Usou mesmo? Usei uma rede secreta de recepcionistas e secretárias. Ele está com medo? Espero que sim.

A agenda é de 2003. Cruzei seus dados sobre telefonemas com as planilhas elaboradas pela CPI dos Correios. O primeiro semestre daquele ano foi marcado pelos pagamentos de Marcos Valério a Duda Mendonça. Na agenda, há o registro de oito telefonemas entre José Dirceu e o publicitário que cuidou da campanha presidencial. Dois deles precederam o período em que ocorreram os pagamentos. Dos seis telefonemas restantes, quatro – repito: quatro – foram realizados nos dias em que se verificaram saques em favor de Duda Mendonça. Entendeu? Pelo que consta da agenda, José Dirceu e Duda Mendonça praticamente só tinham contato nas datas em que o valerioduto liberava o dinheiro para este último. Olhe só:

? Em 26 de março, David Rodrigues Alves, identificado pela CPI dos Correios como uma das mulas de Duda Mendonça, sacou 300 000 reais do valerioduto. Naquele mesmo dia, Duda Mendonça e José Dirceu trocaram uma chamada.

? Em 28 de abril, outro sacador de Duda Mendonça, Luis Carlos Costa Lara, retirou mais 300 000 do Banco Rural. A agenda mostra que, às 12h47, José Dirceu e Duda Mendonça se telefonaram.

? Em 30 de abril, aconteceram dois saques. O primeiro, de 250.000 reais, foi feito pela sócia de Duda Mendonça, Zilmar Fernandes. O segundo, de 300 000, foi feito por outro homem do esquema, Francisco de Assis Novaes Santos. Duda Mendonça, como de costume, ligou para José Dirceu, às 13h34 daquele dia.

? Em 13 de maio, David Rodrigues Alves sacou mais 250 000 no Banco Rural. O ministro e o publicitário se falaram antes do almoço.

Mas há outra bizarrice envolvendo esse caso. Uma bizarrice que mereceria ser investigada pelo Ministério Público, só para eliminar qualquer dúvida. Nos quatro dias em que os saques do valerioduto foram acompanhados por telefonemas entre José Dirceu e Duda Mendonça, o advogado Kakay coincidentemente também ligou para o chefe da Casa Civil. Em alguns casos, os telefonemas aconteceram na seqüência um do outro. Em 30 de abril, José Dirceu e Kakay se falaram às 13h20. Poucos minutos depois, às 13h34, quem ligou para o ministro foi Duda Mendonça. O mesmo padrão se repetiu em 13 de maio. José Dirceu e Kakay conversaram às 10h30. Às 11h04, foi a vez de Duda Mendonça. O que Duda Mendonça, Kakay e Marcos Valério têm em comum? Os três foram contratados por Daniel Dantas.

Em seu blog, José Dirceu declarou que quero me vingar dele. Nada disso. Fui um dos poucos colunistas que sempre atribuíram a responsabilidade pelo valerioduto ao seu chefe, Lula. O cruzamento da agenda de José Dirceu com os pagamentos no Banco Rural parece indicar que o esquema foi utilizado, em primeiro lugar, para pagar a campanha presidencial, e só depois contaminou todo o resto.

sexta-feira, agosto 24, 2007

O PT tira a máscara

por Olavo de Carvalho em 24 de agosto de 2007

Resumo: Extinguir o capitalismo com a ajuda sonsa dos próprios capitalistas, chegar ao socialismo usando “a democracia como estratégia”, é o mínimo que o novo programa petista promete e, não encontrando resistência praticamente nenhuma, vai realizar sem a menor dificuldade, entre sorrisos de suas vítimas subservientes.

© 2007 MidiaSemMascara.org

O vídeo preparatório ao 3º Congresso do PT ( http://www.youtube.com/watch?v>VNPjm0qfByc ) é a prova cabal de tudo aquilo que venho dizendo desse partido há mais de uma década: é um partido revolucionário, empenhado em implantar no Brasil um regime comunista.

Assistam e tirem suas dúvidas. Entre outras coisas, a propaganda deixa claro que o PT foi o fundador e organizador do Foro de São Paulo e, como tal, o responsável direto pelo advento dos Chávez, Morales e tutti quanti , aos quais até os luminares do Departamento de Estado americano imaginaram que ele pudesse servir de alternativa democrática .

Extinguir o capitalismo com a ajuda sonsa dos próprios capitalistas, chegar ao socialismo usando “a democracia como estratégia” ( sic ), é o mínimo que o novo programa petista promete e, não encontrando resistência praticamente nenhuma, vai realizar sem a menor dificuldade, entre sorrisos de suas vítimas subservientes.

Por ter dito a verdade óbvia a respeito do processo revolucionário comunista, que agora o próprio PT assume da maneira mais descarada, fui xingado, escarnecido e ridicularizado, sofri mais difamação do que qualquer outro brasileiro vivo, perdi três empregos na mídia e recebi tantas ameaças de morte que passei a me considerar oficialmente falecido e não me preocupei mais com isso.

Não, não estou me queixando. O fenômeno me toca menos como incomodidade pessoal do que como sintoma da ignorância presunçosa das nossas elites políticas, empresariais e militares, que com perseverança asinina insistiram em rejeitar as minhas advertências e em cultivar uma imagem lisonjeira do petismo, seja em busca de vantagens imediatas – suicidas a longo prazo –, seja simplesmente de proteção poliânica contra uma realidade que se anunciava temível demais para as suas alminhas frágeis e trêmulas.

Também não quero humilhar os derrotados, quero apenas adverti-los novamente, desta vez com a certeza absoluta de que o tempo restante para uma reação eficaz está se esgotando rapidamente, muito rapidamente.

Uma reação eficaz subentende conhecimento exato do estado de coisas e da sua longa preparação histórica, assim como disposição para jogar ao lixo todas as ilusões de que o comunismo acabou, de que o Brasil, por especial proteção divina, é imune à tentação revolucionária, ou de que o governo americano está interessado em defender o nosso país contra a onda castrochavista .

Os americanos só se interessarão por isso se lutarmos para despertar seu interesse. Por enquanto, o único brasileiro que vem tentando fazer alguma coisa nesse sentido sou eu – sem apoio institucional, sem dinheiro, sem um único ajudante e contando apenas com a força de uma cara-de-pau que a mim mesmo me surpreende. Não tenho acesso direto ao governo, mas tenho falado o quanto posso, em think tanks , instituições universitárias e até na Academia de West Point.

Noventa por cento dos que me ouvem me dão razão, mas não posso competir com a ação petista espalhada em Washington e Nova York, protegida até mesmo pelas frações do empresariado brasileiro aí presentes.


Publicado pelo Diário do Comércio em 23/08/2007

quinta-feira, agosto 23, 2007

Fraqueza suicida

Por Olavo de Carvalho

A fraqueza atrai a agressão , dizia Donald Rumsfeld, cujo malogro político não deve fazer esquecer que foi o arquiteto da mais espetacular vitória militar dos tempos recentes, a ocupação em quinze dias de um país inimigo poderoso e bem armado, cujo sucesso contra as tropas invasoras era anunciado como líquido e certo por toda a mídia esquerdista do mundo.

A sentença do ex-secretário da Defesa norte-americano deveria servir de alerta aos antipetistas brasileiros, dos quais muitos se empenham menos em combater o adversário do que em esquivar-se pudicamente da rotulação de conservadores e direitistas, que se fossem homens de coragem ostentariam com orgulho.

Quarenta anos de hegemonia cultural gramsciana fixaram tão bem na mente popular o dogma do monopólio esquerdista das virtudes, que preservá-lo contra a mera suspeita de que possa haver algo de bom na direita se tornou prioridade máxima para os próprios direitistas. Tão longe levam eles a obediência a esse mandamento que, mesmo quando querem denunciar os crimes mais escabrosos da esquerda, se apressam em advertir que o fazem sem o menor intuito político, o que equivale a reconhecer que só a esquerda tem o direito de fazer política.

Do mesmo modo, quando vêem os prodígios de manipulação esquerdista do noticiário, não ousam cobrar da mídia um espaço justo e digno para as vozes conservadoras, muito menos a publicação de tais ou quais notícias omitidas – o permanente genocídio anticristão no mundo ou as relações amigáveis PT-Farc, por exemplo –, preferindo antes solicitar genérica e abstratamente que ela seja "imparcial", o que além de ser uma impossibilidade prática resulta em elevar a classe jornalística à condição de juiz em vez de mera divulgadora de dados e opiniões dos quais o único juiz abalizado é o público em geral.

Quando se sentem chocados ante a pregação comunista nas escolas, gemem implorando uma utópica educação "apolítica" em vez de exigir virilmente o confronto aberto entre as idéias da esquerda e da direita, mesmo sabendo que aí estas levariam vantagem arrasadora sobre as suas concorrentes.

Similarmente, quando querem protestar contra a ocupação comunista dos púlpitos, dizem que a Igreja deveria ficar fora da política, em vez de exigir, como deveriam, que ela cumpra a missão política que lhe cabe, que sempre lhe coube e que ao longo dos séculos ela sempre cumpriu, que é a de educar e mobilizar os fiéis para a defesa permanente e incondicional dos princípios e valores que justificam a sua própria existência como instituição, princípios e valores esses que são o que há de mais oposto e hostil a toda mentalidade revolucionária, seja ela socialista, nazista, fascista, anarquista, o diabo.

Como depositária da mais imutável e supra-histórica das mensagens, a Igreja não pode jamais ser apolítica, no mínimo porque foi ela mesma que, inspirada nessa mensagem, criou as bases de todas as noções essenciais da política no Ocidente, a começar pelas de liberdade civil e direitos humanos. Principalmente não poderia sê-lo numa época em que a tendência dominante se inspira na ambição revolucionária de historicizar o Evangelho, trazendo o Juízo Final para dentro do acontecer temporal e usurpando para um partido político o papel de juiz da humanidade, que incumbe exclusivamente a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Aqueles que forçam a Igreja a escolher entre ser de esquerda e abster-se de fazer política a obrigam, na prática, a optar pela primeira alternativa, que tem ao menos o mérito de ser possível.

Todas essas precauções, toda essa pusilanimidade, todas essas concessões ao adversário não impedem, antes estimulam que este os carimbe não só como "direitistas", mas como extremistas de direita e golpistas e mobilize contra eles todas as armas do ridículo e da intimidação. A sucessão de humilhações que assim atraem sobre si mesmos culmina na decisão do arcebispo Odilo Scherer de proibir a missa do movimento Cansei na Catedral da Sé, espaço reservado, como se sabe, aos dignos e cristianíssimos membros do PCC, do MST, da CUT, etc, etc. Que essa decisão seja tomada sob a desculpa cínica de ser a Igreja uma instituição apolítica deveria advertir aos prejudicados que eles fizeram muito mal em fornecer a pessoas indignas de confiança o pretexto retórico que agora estas voltam contra eles.

Só falta agora a direita nacional, numa apoteose de bom-mocismo, continuar se dirigindo a esses manipuladores astutos como se fossem porta-vozes autorizados do próprio Jesus Cristo sobre a Terra. Recusar-se a enxergar que a Igreja Católica no Brasil é revolucionária e cismática é o cúmulo da covardia intelectual. Pela sua colaboração pertinaz e maliciosa com a revolução comunista no continente, muitos dos nossos bispos e arcebispos já estão, segundo a letra e o espírito do Código do Direito Canônico, excomungados há muito tempo. O Decretum Contra Communismum assinado por Pio XII e confirmado por João XXIII não deixa a menor margem de dúvida quanto a isso.

Não há nada a solicitar a esses prelados traidores. O que há a fazer, o que os conservadores brasileiros fariam se tivessem um pouquinho de fibra, é juntar as provas e solicitar ao Vaticano que a excomunhão já vigente de facto seja subscrita oficialmente. Dirigir-se àqueles servos do comunismo com a filial solicitude devida a autênticos Príncipes da Igreja é uma baixeza inominável. Não contem comigo para isso.

terça-feira, agosto 21, 2007

Pela honra de ser vaiado

Lula, você vai superar a vaia. Foi apenas um Maracanã, coisa pouca. Vamos, companheiro, ânimo! Li que você ficou tristinho

DEVO DIZER : Lula, você vai superar a vaia. Foi apenas um Maracanã, coisa pouca. Vamos, companheiro, ânimo! Você poderia ter feito pior. Você nem sequer falou. Se discursasse, a vaia poderia ter sido bem maior. Empate no campo adversário é quase vitória.

Li que você ficou tristinho. Se para o presidente não interessa o que aconteceu, talvez interesse somente a palhaços como eu. Ou a outros tantos que se esforçam em enviar cartas aos jornais, contra e a favor. Sinto o mesmo misto-quente de sensações. De um lado, o representante do meu país não fala ao mundo o orgulho de sediar o Pan. De outro, é bom que você, Lula, perceba que não é unânime. Nenhum palhaço o é.

Nós, os palhacinhos, sempre ensaiamos para o aplauso, mas a vaia, traiçoeira, vem de surpresa. Vaia não vem no contrato, ela surge do nada, como cobrança de CPMF. O risco é que o provisório se torne definitivo. E pode até se tornar motivo de (r)emenda constitucional.

Se te consola, pela minha experiência de picadeiro, a sua vaia aconteceu porque você não foi criativo. Muitos cerimoniais, pelo menos dois, e pouco improviso. Justo você, presidente, tão bom em segurar na bossa, dançou na terra da bossa nova.

Ser vaiado é uma honra, pois é sinal de que alguém estava lá para isso. Como na publicidade de uísque: você fez a diferença. (Só citei o slogan, não vai aqui nenhum comentário maldoso sobre o álcool, pois sei que o senhor prefere investir na cana-de-açúcar.)

Sei também que a elite política brasileira é tão tacanha que acredita que uma caricatura no jornal é homenagem. Então, explico, esse texto não é para tirar umas boas risadas dos seus inimigos nem para satisfazer minha sede de ironia. É para incomodá-lo profundamente. E, se o fizer, estarei ajudando, indiretamente, o país que pretendo fazer gargalhar.

É apenas um toque de quem já foi vaiado ao longo da carreira. Uma vaia dói mais que 1 milhão de críticas no jornal.
No entanto, ser vaiado lava a alma da falsa dignidade. O orgulho cai por terra e o personagem se humaniza.

Por isso os palhaços se deixam atingir com tortas de creme na cara ou tropeçam como bêbados. Palhaços revelam que não somos o que pensamos que somos. Ao rir de um tolo desses que se esborracha de bunda no chão, nós estamos rindo dos animais que fingimos não ser.

Presidente, o senhor é tão animal quanto qualquer um de nós. Um animal que pensa que pensa. Tenho certeza de que, quando colocar a cabeça no travesseiro -sem assessores, sem palpites e sem notícias incômodas- e lembrar dessa vaia, o Lula se sentirá solitário, como afinal são todos os homens. A honra da vaia invadirá a escuridão de seu quarto presidencial e você se lembrará do que foi e do que gostaria de ter sido. E, se ainda tiver algum senso crítico, vai ver como o Lula é hoje. A comparação será dolorosa, única e somente sua.

Talvez, no dia seguinte, acorde um pouco diferente, mais disposto a baixar sua própria bola ou a dos seus companheiros no difícil dia-a-dia do Planalto. E isso não tem nada a ver com as próximas eleições, essa preocupação de políticos, colunistas e institutos de pesquisa. Isso tem a ver com a sua incapacidade de ver como é incapaz. Talvez até pegue gosto por se sentir assim.

Admitir-se incapaz como um palhaço já é um passo para honrar as vaias que ainda virão.
Agora, para não ser vaiado, use artimanhas de palhaços. Que tal uma campanha pela legalização da corrupção? Se dermos o direito legal dos políticos de retirar sua parte da bolada, eles terão de pagar imposto sobre essa grana. Veremos quem é honesto e cobramos dos desonestos. A imprensa vai parar de te perturbar e fazer complôs para prejudicar esse governo tão... tão de esquerda. Esquerda das planilhas de lucro dos bancos, na casa dos bilhões, onde até os centavos são milionários e de direita.

Pense bem, se o político ladrão levar uns 20%, poderia deixar, pelo menos, 3% para o fisco. Já pensou quantas casas populares dá para fazer com 3% da corrupção do país? Seria um avanço social.
Podemos também supervalorizar a carne de vaca. Das que pastam em Alagoas e das que pedem pensão. Nosso machismo estaria garantido com um humor para a torcida e não seríamos vaiados. Que tal?

Porém o presidente não está sendo vaiado por idéias como essas, mas porque está fazendo o seu trabalho de fechar os olhos a tudo o que disse que acreditava. O que, convenhamos, meu caro Lula, é bem pior que uma vaia.

HUGO POSSOLO , 44, dramaturgo, ator e diretor de teatro, é palhaço do grupo Parlapatões, diz que já foi muito aplaudido e confessa que até gostou de ser vaiado.

"O Brasil é isso mesmo que está aí"

O terrível parecer, de alguém que conhece o assunto,reforça uma sensação que paira no ar.

Os distraídos talvez ainda não tenham percebido,mas o Brasil acabou.
Sinais disso foram se acumulando, nos últimos meses:a falência do Congresso e de outras instituições,a inoperância do governo,a crise aérea,o geral desarranjo da infra-estrutura.

A esses fatores, evidenciados por acontecimentos recentes,somam-se outros, crônicos,
como a escola que não ensina, os hospitais que não curam, a polícia que não policia,
a Justiça que não faz justiça, a violência, a corrupção, a miséria, as desigualdades.

Se alguma dúvida restasse, ela se desfaz no parecer autorizado como poucos de um Fernando Henrique Cardoso, cujas credenciais somam oito anos de exercício da Presidência da República a mais de meio século de estudo do Brasil.
"Que ninguém se engane:o Brasil é isso mesmo que está aí", declara ele, numa reportagem de João Moreira Salles na revista Piauí.

Ora, direis, como afirmar que o Brasil acabou?
Certo perdeste o senso, pois, se estamos todos ainda morando, comendo, dormindo, pagando as contas, indo às compras,nos divertindo, sofrendo, amando e nos exasperando
num lugar chamado Brasil, é porque ele ainda existe.
Eu vos direi, no entanto, que, quando acaba a esperança, junto com ela acaba a coisa à qual a esperança se destinava.
É à esperança no Brasil que o sociólogo-presidente se refere.

Para ele, o Brasil jamais conhecerá um crescimento como o da China ou o da Índia.
"Continuaremos nessa falta de entusiasmo, nesse desânimo", diz.
O prognóstico é tão mais terrível quanto coincide com - e reforça - o sentimento
que ultimamente tomou conta mesmo de quem não é sociólogo nem nunca conheceu por experiência própria os mecanismos de governo e de poder.

O Brasil que "é isso mesmo" é o das adolescentes grávidas e dos adolescentes a serviço do tráfico, das mães que tocam lares sem marido, das religiões que tomam dinheiro dos fiéis, dos recordes mundiais de assassinatos e de mortos em acidentes automobilísticos, dos presos que comandam de suas células o crime organizado,
dos trabalhadores que gastam três horas para ir e três horas para voltar do trabalho,
das cidades sujas, das ruas esburacadas.

Procura-se o governo e... não há governo.
Há muito que nem o presidente, nem os governadores, nem os prefeitos mandam.
Quem manda é a trindade formada pelas corporações, máfias e cartéis.

Não há governo que se imponha a corporações como a dos policiais, ou a dos professores, ou a dos funcionários das estatais.
Não há o que vença as máfias dos políticos craques em arrancar para seus apaniguados
cargos em que possam distribuir favores e roubar.

Para enfrentar - ou, humildemente, tentar enfrentar - cartéis como o das companhias aéreas, só em época em que elas estão fragilizadas, como agora.
Às vezes os cartéis se aliam às máfias, em outras se transmudam nelas.
Em outras ainda são as corporações que, quando não se aliam, se transformam em máfias.

Em todos os casos, o interesse público, em tese corporificado pelos governos,
não é forte o bastante para dobrar os fragmentados interesses privados.
A tais males soma-se o cinismo.
Não há outra palavra para descrever o projeto, supostamente de fidelidade partidária,
aprovado na semana passada na Câmara.
O projeto, muito ao contrário de punir ou coibir os trânsfugas, perdoa-lhes o passado e garante-lhes o futuro.
Quanto ao passado, estão anistiados os parlamentares que trocaram de partido e que por isso, no entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, deveriam perder o mandato.
No que concerne ao futuro, o projeto estabelece que a cada quatro anos os parlamentares terão folga de um mês na regra da fidelidade partidária, pois ninguém é de ferro, e estarão abertos a negócios e oportunidades.

Estamos diante de uma das mais originais contribuições da imaginação brasileira ao repertório universal de regras político-eleitorais.
Para concorrer a uma eleição, o candidato deve estar filiado a um partido há pelo menos um ano.
Mas, segundo o projeto, no mês que antecede a esse ano de jejum o candidato pode trocar o partido pelo qual foi eleito por outro.
Como a eleição é sempre em outubro, esse mês será o setembro do ano anterior.
Eis o Carnaval transferido para setembro.
O projeto é uma esposa compreensiva que, no Carnaval, libera o marido para a gandaia.

FHC não era tão descrente. No parágrafo final do livro A Arte da Política,
em que rememora os anos de Presidência, escreveu:
"Se houve no passado recente quem empunhasse a bandeira das reformas, da democracia e do progresso, não faltará quem possa olhar para a frente e levar adiante as transformações necessárias para restabelecer a confiança em nós mesmos e no futuro desse grande país".
Na reportagem da revista Piauí, ele não poupa nem seu próprio governo:
"No meu governo, universalizamos o acesso à escola, mas pra quê? O que se ensina ali é um desastre".

Pálidos de espanto, como no soneto de Bilac, assistimos à desintegração da esperança na pátria, o que equivale a dizer que é a pátria mesma que se desintegra aos nossos olhos.

Roberto Pompeu de Toledo

http://veja.abril.uol.com.br/220807/pompeu.shtml

domingo, agosto 19, 2007

Enfim, a hora de dar voz ao silêncio!

Entrevista do Estadão com Larry Rohter, ex-correspondente do NYT

Depois de permanecer calado por três anos e meio, jornalista americano conta, nesta entrevista exclusiva e em livro que finaliza, os bastidores da reportagem polêmica que quase o levou à expulsão do Brasil

Vida de correspondente estrangeiro não deve padecer de monotonia. Se padecer, algo está errado. Ou o correspondente é ruim ou o lugar onde vive, e trabalha, não merece mesmo cobertura especial. No caso de Larry Rohter, até a semana passada representante do New York Times no Brasil e demais países do Mercosul, a monotonia passou longe. Em 2004, ele assinou um artigo que fez trepidar os pilares do Planalto. Sem ter ouvido o “sujeito” da reportagem, Luiz Inácio Lula da Silva, não porque não tentasse, mas porque não foi recebido, escreveu um artigo bombástico a começar pelo título: “Hábito de bebericar do presidente vira preocupação nacional”. Leitores americanos tomaram conhecimento de uma prática que, segundo o autor da matéria, estaria comprometendo a capacidade de governar de Mr. Da Silva. “Este jornalista não entra ... está impedido”, teriam sido as poucas palavras de um Lula decidido a expulsar Rohter do País. Abriu-se um acalorado debate na imprensa brasileira. O Ministério da Justiça chegou a notificar a suspensão do visto temporário, um senador entrou com pedido de habeas-corpus em favor do correspondente, o embaixador brasileiro em Washington teve conversas no jornal americano e, finalmente, a crise foi contornada. Mas as cicatrizes ficaram.

Nesta entrevista exclusiva ao Aliás (caderno dominical do jornal O Estado de S. Paulo), Rohter repassa a tensão que viveu no Brasil democrático, quando quase foi expulso com base numa lei criada na época da ditadura. Rompe um silêncio de anos: “Lá atrás não pude falar nem me defender. É uma norma do NYT. Agora, como já entreguei o posto, posso dizer o que passei.” Diz, em parte: Larry não está de malas prontas para os EUA, como se noticiou, embora já tenha sido substituído no cargo. Vai ficar no Brasil até o início do ano que vem, terminando o livro que escreve sobre suas duas passagens pelo País (foi correspondente do Washington Post e da Newsweek nos anos 70/80, e voltaria em 98, a serviço do NYT). Promete contar os bastidores da matéria que o presidente reprovou. O livro já tem título: Arestas Insuspeitadas, expressão que sai da música O Estrangeiro, de Caetano Veloso.

William Lawrence Rohter, 57 anos, casado com brasileira e pai de dois filhos, nasceu em Chicago. É filho de mãe imigrante da Escócia e pai descendente de russos. Na juventude, trabalhou como carteiro e operário de uma fábrica de lâmpadas. “Operava na linha de produção com imigrantes latinos e caribenhos. Ali aprendi o espanhol”, relembra. Já o português foi no Brasil, deliciando-se com a fala sonora dos nordestinos, “algo adorável”. Entre os cinco idiomas que domina está o mandarim. Explica-se: além de estudar história da China, na Columbia University, teve uma passagem como correspondente em Pequim, entre a primeira e a segunda estadas no Brasil. Quando finalizar o livro de revelações e mais um outro, seu romance de estréia, a licença que tirou do NYT deve expirar e o “polêmico Larry”, como foi chamado, voltará à reportagem. Provavelmente na China, avisa a quem estiver interessado.

Como se sente ao terminar seu período como correspondente no Brasil?

A decisão de fechar o ciclo foi mais minha do que do jornal. Por razões pessoais pedi para sair. Hoje eu me sinto assim: durante oito anos e meio fiquei (faz o gesto de quem fecha um zíper) com o bico calado neste País. Porque o New York Times tem uma norma que todos os correspondentes devem acatar: não fazer nenhum comentário pessoal sobre assuntos internos do país onde atuam. Então, fiquei quieto. Só que setores inescrupulosos da imprensa brasileira se aproveitaram do meu silêncio e passaram a me atacar.

Isso começou quando?

No início desse período de oito anos não tive problemas, até porque não havia curiosidade sobre a minha pessoa. Dificuldades começaram a partir da reportagem que fiz sobre hábitos do presidente Lula, hábitos comentados no País. Como eu não podia me defender das reações à matéria, certos jornalistas daqui me trataram como se eu fosse a Geni da música do Chico Buarque: vamos jogar pedra porque ele não pode reagir. Continuei trabalhando, calado. A partir do momento em que entreguei meu cargo ao NYT, tornei-me um profissional desimpedido e as regras mudaram. Estou escrevendo um livro sobre o Brasil, contando bastidores dos momentos polêmicos que vivi e oferecendo minha visão dos fatos. Não vou embora de imediato, como alguns órgãos da imprensa têm noticiado. Vou ficar até terminar o livro, no começo do ano que vem.

Sua experiência brasileira se divide em duas fases: antes e depois da matéria polêmica?

Sim e não. Na verdade, minha chegada ao Brasil em 1998 coincidiu com o início do boom da internet. Correspondentes que no passado escreveram sobre o País não foram lidos por brasileiros porque não havia internet. A repercussão que suas matérias suscitavam vinha de segunda ou terceira mão. A partir de 1999, 2000, os brasileiros começaram a ler nos computadores o que se publica sobre o País fora daqui. E, vejam bem, não escrevi esse tempo todo para brasileiros, mas para o público americano, com uma linguagem adequada ao entendimento de lá. Vocês tinham todo o direito e liberdade para acompanhar o que eu estava produzindo, mas talvez não devessem perder de vista que não eram meu público-alvo. Então, os leitores brasileiros passaram a se incomodar com coisas tolas, inofensivas, como quando comparei Caetano Veloso a Bob Marley. Ou quando escrevi que Niterói é para o Rio de Janeiro o que Oakland é para San Francisco. Fiz isso para os americanos entenderem. Com o tempo percebi que as reações eram parte do jogo. E tratei de aceitá-las.

Outros correspondentes estrangeiros, colegas seus, compartilham essa impressão de que a internet os tornou mais visíveis e vulneráveis?

Sim. Eu não saberia dizer que tamanho tem meu público brasileiro na internet, mas é muita gente. O leitor daqui, como qualquer outro, tem curiosidade sobre si mesmo: o que estão dizendo de mim lá fora? O que falam do meu País? Isso é natural. O NYT, dos grandes jornais americanos, talvez seja o mais lido na internet.

Acha mesmo que o presidente queria ir às últimas conseqüências?

O que eu acho é que, desde o início do caso, o presidente foi mal assessorado. Difícil saber o que de fato aconteceu no Palácio do Planalto naqueles dias, mas tudo indica que as coisas ficaram muito ruins pro meu lado. Só mudaram de curso quando o então senador Sérgio Cabral entrou com um habeas-corpus a meu favor. Ali, e só ali, senti que, num eventual julgamento da questão, o Supremo, inteiro ou em boa parte, ficaria contra o governo. O ministro Márcio Thomaz Bastos (da Justiça) não tinha outra opção a não ser costurar um acordo.

Além da reação do Planalto, sua matéria causou uma longa e estridente questão na imprensa brasileira. Jornalistas sustentam que você afirmou coisas graves sobre o presidente, sem apresentar provas.

Mas provar o quê? Eu não sou tira nem médico para provar... Havia um tremendo zunzunzum no meio político. Brizola teve a coragem de afirmar publicamente o que se comentava. E, claro, Brizola não foi minha única fonte. Escrevi refletindo o ambiente: o presidente brasileiro tinha um hábito que o estaria prejudicando no exercício do poder. Isso eu não inventei! Mas setores da imprensa, liderados pelo jornal O Globo, ou melhor, pelas Organizações Globo, resolveram me atacar. Acho que há uma obsessão com o que sai no NYT. Matérias que fiz foram mal interpretadas, mal traduzidas, publicaram-se coisas que nunca disse, fico indignado. Por exemplo, escrever que eu disse que a Garota de Ipanema hoje é gorda? Que absurdo! Era um janeiro em que nada acontecia no Rio, então o jornal criou uma polêmica xenofóbica, baseada em mentiras.

Recapitulando: você fez uma matéria afirmando que o brasileiro tem uma dieta alimentar pobre em nutrientes, mas rica em gorduras e carboidratos, o que estimularia a obesidade na população. E ilustrou a reportagem com fotos de mulheres gordas, numa praia do Rio. Só que elas eram checas, e não brasileiras. Certo?

Certo. E o que o Globo fez? Desqualificou meu trabalho, sabendo que eu não faço fotos e nem estava com o fotógrafo quando ele capturou as imagens. O jornal também disse que o NYT publicou cinco fotos da série, quando usou apenas duas. E o nosso ombudsman acusou o erro do fotógrafo. Os critérios da imprensa americana são mais rigorosos que os critérios da imprensa brasileira. (Nota do jornalista Rodolfo Fernandes, diretor de redação de O Globo: “ O jornal não tem ‘obsessão’ com o que sai no NYT. Tem respeito por seu padrão de qualidade. O que não impede que o NYT erre. Como no caso do presidente Lula, quando se baseou em fontes desqualificadas. No caso da ‘Garota de Ipanema gorda’, o Globo descobriu que era uma reportagem errada e o ombudsman do NYT pediu desculpas”.)

Então falemos de critérios. Quais são os seus?

Ouvir os dois lados sempre. Se possível, ouvir todos os lados da questão. E tentar refletir fielmente idéias ou posições.

Zunzunzum vale como notícia?

Naquela situação, sim. Comecei a apuração e procurei o Planalto. Queria falar com o presidente. Não fui recebido, mal consegui tratar com a assessoria dele. O secretário de imprensa, Ricardo Kotscho, não me recebeu. Falei com o número 2, Fábio Kerche. Apresentei minhas questões. Aguardei uma manifestação por dez dias e nada. Até que aconteceu um fato, que vou revelar no livro, e voltei a fazer contato com o assessor. Disse-lhe: “A coisa vai sair. Se vocês quiserem se manifestar é agora”. Ainda coloquei uma declaração transmitida pelo assessor na minha matéria. Mas jamais me receberam, jamais quiseram saber o que eu sabia.

Como era a sua relação com o governo antes da matéria?

A relação com o PT sempre foi difícil para qualquer correspondente estrangeiro. Com o PFL, o PSDB, o PMDB não há a mesma veemência ao reagir às reportagens que saem no exterior. Mas, quando se trata do PT, a chiadeira é quase infantil. Fiz uma matéria sobre a relevância política do divórcio de Marta e Eduardo Suplicy, figuras de destaque na política nacional. Cumpri uma pauta que esteve presente em todos os veículos de comunicação do País. Quando saiu a reportagem, o Genoino, então presidente do partido, escreveu uma carta de quatro páginas, reclamando que o tema não era legítimo, que era sensacionalismo. Em outra oportunidade, lá veio carta do Bernardo Kucinski alegando que o PT não tem facções, nem grupo xiita. Ora, o Brasil sabe que o PT tem. Havia dificuldades de comunicação com os ministérios, salvo algumas exceções. Como o José Viegas. Quando ele esteve na Defesa, soube lidar muito bem com os correspondentes.

Invertamos a situação: se um correspondente brasileiro assinasse a mesma matéria sobre o presidente americano, o que aconteceria?

Já aconteceu! Já se falou de Bush e seu consumo de bebidas.

Em relação a tempos de juventude, ao passado dele.

E que estaria curado, convertido, Bush nasceu de novo... Passamos por escândalos imensos, como o caso Monica Lewinsky, no governo Clinton, e o país continuou firme. Eu acharia uma bobagem impugnar Clinton por esse motivo. Curiosamente, na época em que eu estava fazendo a matéria sobre Lula, gente do Planalto tentou me dissuadir do trabalho lembrando justamente o affaire Clinton-Lewinsky, argumentando que a intimidade de um presidente não é pauta. Respondi que qualquer tópico que tenha a ver com o desempenho do presidente é pauta.

Você sofreu algum tipo de repreensão da parte do New York Times?

Eu, nunca. Houve cartas ao jornal e o então embaixador brasileiro em Washington, Roberto Abdenur, por quem tenho grande respeito, cumpriu o papel que lhe cabia. Falou com a direção do NYT, mas o jornal ficou firme. Isso não ficou claro na imprensa brasileira. Houve muita distorção. Falou-se que eu teria me refugiado no escritório do meu jornal em Buenos Aires. Ao contrário, eu estava lá e voltei quando vi a confusão armada! Vi toda a crise aqui no Rio, assistindo do meu apartamento à cobertura e consultando ao mesmo tempo meus advogados. Não saí do País, o ombudsman do NYT não se manifestou, não houve pedido de desculpa do jornal, não houve carta ao governo, nada. Apenas um recurso para revogar a ordem de expulsão, medida legal, preparada por advogados brasileiros.

Durante a crise, com quem você falava no New York Times?

Quando um governo tenta expulsar um correspondente o assunto é sério. Chegou à cúpula. Falei muito com Bill Keller, o editor-chefe, também pela experiência que ele teve como correspondente na URSS e na África do Sul. Bill sabe que às vezes os governos reagem com o fígado. A questão toda era como contornar a crise, porque eu queria continuar no Brasil e o jornal também queria isso.

O zunzunzum que você refletiu na matéria era exagerado? Ou melhor: hoje vê alguém argumentando que Lula tem problemas em governar porque beberia?

Não, não. Hoje ele enfrenta dificuldades de outra ordem. Até o Luiz Furlan, quando ainda era ministro, falou que o problema não existe mais. Comentou isso logo no início da segunda campanha. Disse que o presidente havia perdido peso, que estava com a maior disposição, que deixou de beber.

Sua matéria, por caminhos tortuosos, teria contribuído para isso?

Prefiro deixar a resposta para o livro. Mas tenho amigos no PT que têm feito comentários nesse sentido.

Quantas vezes você esteve com Lula, dentro ou fora da presidência?

Ele diz que nunca tomou um guaraná comigo. Não é bem assim. Como correspondente da revista Newsweek, passei quase uma semana acompanhando Lula em 1978, na greve do ABC. Eu o segui em andanças pela América Latina e possivelmente assinei a primeira matéria sobre ele na imprensa americana. E era favorável ao líder metalúrgico que despontava.

Você disse que tem amigos no PT. Quem lhe deu apoio?

Não vou dizer os nomes porque eles podem ter problemas.

Foi gente do primeiro escalão?

Não posso dizer. Não vou queimar pessoas que estimo.

O fato de ser casado com brasileira e ter filhos brasileiros ajudou a pacificar as coisas?

Sim. Tive uma família para me apoiar, parentes de minha mulher foram importantes naquele momento. A execração pública dói. Não é fácil ver seu nome citado na TV, nos jornais. Minha mulher foi fazer compras e quando apresentou o cartão de crédito a pessoa do caixa disse: “Ah, então você é mulher dele”. Isso aconteceu. Para ela foi mais difícil, para mim era parte do jogo. Como dizia Harry Truman, se você não agüenta o calor, melhor sair da cozinha.

Como você vê as relações entre mídia e poder no Brasil?

Durante a ditadura eu admirava a imprensa brasileira. Ali existia um jornalismo que era vocação, não só carreira. A morte de Vladimir Herzog foi algo que me marcou. O próprio Estado, ao publicar trechos de Os Lusíadas, para resistir à censura, foi algo tocante. Ali vi imprensa de qualidade. Jornalistas e empresas de comunicação até pagaram um preço alto por isso. Hoje em dia, as coisas são diferentes. Há jornalistas de gabarito, mas a imprensa brasileira navega num mar de mediocridade, com algumas ilhas de excelência.

Sua crítica aplica-se somente ao Brasil?

Não. Atravessamos uma época em que entretenimento e jornalismo se confundem, isso no Brasil, nos EUA, na Europa, no mundo inteiro. Uma época em que o jornalista quer ser celebridade, especialmente na TV. Porque os valores são outros, os interesses,também. Ah, talvez eu esteja ficando velho...

A imprensa brasileira é tolerante ou crítica demais com o poder?

A questão é outra. Governar é fazer coisas. E fazer jornalismo é criticar. A crítica é um elemento-chave na profissão. Não vou ao extremo do “si hay gobierno soy contra”, mas é papel da imprensa olhar os governos e dizer “aqui está errado”. Agora mesmo, o grave acidente aéreo de SP virou símbolo de uma crise maior. Quais as razões que levaram ao desastre em Congonhas? Não sabemos. Mas há uma crise maior, crise nos serviços, afinal, somos usuários, não há como negar. Então, por que dizer que a cobertura está exagerada? Quem não lembra das críticas ao apagão de energia, feitas pelo PT, no final do governo do FHC? Falta de planejamento, falta disso, falta daquilo. Era uma crítica perfeitamente compreensível. Lembremos de como Bush apanhou da imprensa americana depois do furacão Katrina. E mereceu apanhar! Ver aqueles velhos morrendo em frente do estádio foi terrível. Pois ver os corpos carbonizados em Congonhas produz o mesmo sentimento. O povo sabe julgar. E nós, na mídia, somos instrumentos dessa opinião pública que ora castiga, ora absolve.

O que o incomodou mais: a reação do governo ou dos veículos?

Crítica injusta sempre dói, não importa de onde venha. No caso da imprensa, houve mais hipocrisia, pois trataram de bater num jornalista estrangeiro, o gringo que falou coisas que essa mesma imprensa já vinha falando, por códigos. Não fiquei magoado. Fiquei indignado.

Qual é o peso da cobertura latino-americana no NYT?

Com a guerra do Iraque, ficou mais difícil conseguir o espaço que sempre estou querendo. Mas a cobertura é ampla. Tudo o que acontece aqui é pauta, em três grandes áreas: política, economia e cultura. Só que também escrevo sobre religião, esporte, sociedade.

Foi divulgada uma pesquisa segundo a qual 69% dos americanos não sabem quem é Lula.

Não causa espanto. Quando eu era correspondente para a América Central, nos anos 80, fiquei deprimido com uma pesquisa de opinião mostrando que só 15% dos americanos sabiam de que lado os EUA estavam nos conflitos na Nicarágua e em El Salvador. O governo Reagan estava com os sandinistas? Apoiava os contras? A população estava por fora. Se hoje um terço dos americanos sabe quem é Lula é um avanço, até porque no Brasil não tem guerra. A biografia de Lula impressiona e ele seguramente é mais conhecido nos EUA do que o Fernando Henrique. Clinton era filho de uma enfermeira, mãe solteira, cresceu num Estado pobre. Isso contou muito. Lula é parte da nossa mitologia. Lembra romances do Horatio Alger Jr. (escritor americano do século 19), histórias de garotos pobres em busca do sonho americano.

A cobertura sobre o Brasil nos EUA não é um tanto folclorizada?

Eu diria que vocês, jornalistas, se preocupam muito com isso. A época da cobertura exótica, do tipo futebol-praia-samba-carnaval, já passou. Neste momento o enfoque principal dos jornalistas estrangeiros em relação ao Brasil é o etanol. Eu mesmo já fiz matérias sobre Fapesp, Embraer, sobre todos os aspectos da cultura brasileira, não entendo quando dizem que só queremos o exótico. Não é verdade.

A revista The Economist disse que o brasileiro ou se sente o máximo ou no fundo do poço. Faz sentido?

Um jornalista brasileiro me disse “somos o Mohammed Ali do mundo em desenvolvimento, os maiores e piores ao mesmo tempo”. Eis o Brasil dos extremos. Quando escrevo sobre praia, futebol e mulher bonita, tem gente que pensa que estou folclorizando o País. Mas esses assuntos são parte da realidade, não há como ignorá-los. Já quando escrevo sobre as mazelas brasileiras, como miséria e racismo, daí um setor ufanista se levanta e grita “não toque no País!” Amigos brasileiros já me disseram: “Nós podemos falar essas coisas, você não”. Sou admirador de Nelson Rodrigues, que cunhou aquela expressão imortal em relação ao brasileiro, o “complexo de vira-lata”. Isso entra nessa conversa.

Você pediu um ano sabático no NYT para escrever um livro. Fale sobre esse projeto.

Não preciso de um ano sabático, mas de meses sabáticos, pois o livro já vinha sendo escrito. Sabe como é, uma noite numa cidade como Humaitá, no Amazonas, o que fazer depois do jantar? Eu escrevo. Minha intenção é revelar os bastidores de reportagens minhas. Ao mesmo tempo, transmitir a experiência que vivi nesses anos todos. Minha convivência com o Brasil vem lá de trás, dos tempos da ditadura e do general Médici.

Que idade você tinha quando pisou pela primeira vez neste país?

Tinha 22 anos e era funcionário da Rede Globo em Nova York. Vim trabalhar no Festival Internacional da Canção, no Rio.

O que você fazia na Globo de Nova York?

Um pouco de tudo. Ajudava na área de música, comprava matérias de revistas americanas e fazia produção para o Fantástico, que estava nos primórdios. No Brasil fui me deixando ficar, mais na condição de estudante em viagem. Eu fazia pós-graduação na Columbia University, em História Moderna e Política da China. O que me atraiu no Brasil? A cultura, começando pela música. E a maneira como o brasileiro, no dia-a-dia, driblava a ditadura. Num país como a Argentina ou o Chile era diferente. Lá, o sistema político repressivo passou a controlar todos os aspectos da vida. Aqui, não. Descobrir isso foi fascinante. Consegui então um emprego no Washington Post, primeiro como crítico de música, depois de cultura popular, e assim fui criando vínculos com o Brasil. Milton Nascimento já disse que a primeira reportagem sobre ele na imprensa americana foi assinada por mim. Eu queria era vir para cá.

Como foi encarar os militares em 1974, quando você finalmente desembarcou no Brasil como correspondente do Washington Post ?

Muito difícil. Em 1978, fui a Marabá fazer uma matéria sobre a guerrilha do Araguaia e o general Hugo Abreu mandou me prender. Com a ajuda de pessoas amigas, pude me esconder até que as coisas se acalmassem em Brasília. Com a visita ao País do Jimmy Carter, no mesmo ano, a ditadura ficou muito ligada, porque ele poderia falar de tortura, prisões. Ali, eu me aconselhei muito com Raymundo Faoro. A mulher do Carter, Rosalyn, tinha um casal de amigos em Pernambuco, da família Steiner. Por meio desse contato ela sabia dos abusos que ocorriam no Brasil. Foi um momento tenso, o governo Carter não queria que os EUA vendessem armamento para o Brasil. Foi daí que o País começou a se esforçar para criar uma indústria bélica nacional. Heitor de Aquino, secretário do Geisel, chegou a reclamar das “matérias tendenciosas de Larry Rohter”.

Na ditadura, você correu o risco de ser preso. Agora, com o País redemocratizado, correu o risco de ser expulso. Como recebe isso?

Pior: em 2004 corri o risco de ser expulso com base em lei dos anos 70, dos anos de chumbo. O Lula, perseguido pela ditadura, recorreu a uma lei da própria ditadura para me punir. Horrível.

Já o chamaram de agente da CIA ou espião do governo americano.

Paranóia que acaba por prejudicar o trabalho do correspondente. É um absurdo pensar que eu seja agente da CIA, ou do Departamento de Estado, ou de qualquer outro organismo do governo americano, como afirmaram pessoas como o ex-ministro Luiz Gushiken e frei Betto. Disseram que minha atuação no Brasil obedecia a interesses externos porque o Lula estava na luta contra a fome no mundo, em disputas na OMC, que o País estava se projetando mais, então essa “gente de inteligência” vem para cá acabar com o Lula. Absurdo! Basta pesquisar minhas matérias no Google para descobrir que eu já fazia artigos favoráveis à luta do Brasil contra o protecionismo na OMC, só para citar um exemplo. Claro, fiz matérias contundentes sobre a Amazônia e os militares até se ofenderam. Recentemente, visitei uma aldeia ianomâmi, que fica ao lado de uma base militar, e constatei que soldados mantinham relações com meninas indígenas, inclusive engravidando-as. Fiz a reportagem. E os militares ficaram zangados com a “intromissão”.

Sua área de cobertura abrange os países do Mercosul. Mas você também cobriu a Venezuela, não?

A cobertura atual, focada nos países do Mercosul, resulta de uma reconfiguação das áreas de correspondência do NYT. Em 2000 e 2001, também tive que assumir Colômbia e Venezuela. Depois o jornal fechou o escritório em Buenos Aires, para tristeza dos argentinos, que até nisso competem com os brasileiros, e abriu um escritório em Bogotá, mais tarde transferido para Caracas. Acabei ficando com a cobertura do Mercosul, sediado no Rio. A última grande reportagem que fiz na Venezuela foi a tentativa de golpe contra o Chávez, em 1999.

Você teve problemas em outros países do continente?

Chávez reclama de modo geral da imprensa estrangeira. Minha relação com os chilenos é ótima. O governo Lagos foi, disparado, o melhor em termos de relacionamento com os correspondentes. Isso continua com Michelle Bachelet. Agora, a Argentina é difícil. Kirchner não gosta de imprensa - nem da nacional, nem da internacional. Tive outras experiências no passado, como ser correspondente em Cuba.

Exatamente em que período?

Fidel, claro (ri). Em 61, o NYT teve que fechar sua sucursal em Havana e desde então pedimos vistos quando precisamos trabalhar na ilha. A primeira vez que fui a Cuba foi nos anos 80, durante a crise de Mariel (milhares de refugiados pediram asilo na Embaixada do Peru, em Havana, e o governo cubano então resolveu facilitar a saída de 130 mil pessoas, pelo porto de Mariel). O ano de 1980 foi curioso: em abril, fui preso no Chile, pela guarda naval de Pinochet. No mês seguinte, expulso da Cuba de Fidel.

Como você foi expulso de Cuba?

Ainda trabalhava para a Newsweek. Eu estava hospedado num hotel e simplesmente bateram à porta do meu quarto dizendo: “Seu visto acaba de expirar. O senhor volta no próximo vôo”. Me levaram para o aeroporto e o vôo era num DC3 da 2ª Guerra Mundial. Durante a viagem, uma janela quebrou e descolou do corpo do avião. Estávamos a 6 mil pés. Um jornalista da rede CBS, que estava a bordo, tapou o buraco com uma placa de metal e fita adesiva. Seguimos viagem.

Você voltou a trabalhar por lá?

Sim. Nos anos 90, voltei à ilha algumas vezes, momentos em que o governo cubano queria repercutir alguma coisa nos EUA, por meio do jornal NYT. Cheguei a jantar duas vezes com Fidel. Numa delas fui com meu chefe e Fidel estava em companhia de Gabo (apelido do escritor Gabriel García Márquez). Na segunda vez, estavam no jantar filhos do senador Robert Kennedy, morto em 1968. Nessa época eu morava em Miami e sintonizava a Rádio Mambi, que vivia martelando ataques contra Fidel. Um belo dia ouvi o locutor da rádio dizendo “el corresponsal comunista de New York Times acaba de publicar una nota....”.. Olha só, fui chamado de comunista pelos anticastristas de Miami.

E a prisão no Chile?

Foi em Puerto Montt, cidade encantadora, num lindo domingo. Eu estava lá tirando fotos e chegou um policial com ordem de prisão. Me levaram para a base e diziam que eu era espião argentino. Era época da disputa pelo Estreito de Beagle entre Argentina e Chile. Não é insólito? Falo espanhol com sotaque caribenho, não como sul-americano. Mas cismaram comigo.

Há governos de perfil populista na América Latina, cujos líderes querem falar direto com as massas, sem intermediação. Isso complica o trabalho do correspondente?

Lula não é da mesma escola do Chávez. Nem Evo Morales. Para mim, eles são diferentes. Sei que esses líderes querem um contato direto com o povo, mas também querem contato com o governo dos EUA. Daí a mídia estrangeira ser importante para eles. Somos um canal. E os presidentes sábios sabem aproveitá-lo.

Que balanço você faz dos anos passados no Brasil?

Vivi muita coisa. Fiquei doente na Amazônia, um prefeito do Pará quis me matar ... se mataram até uma freira, por que não iriam fazer o mesmo comigo? E hoje tem esse drama da violência urbana, problema sério - embora não seja difícil para um repórter estrangeiro subir um morro do Rio, é só combinar com a pessoa certa. Também tive momentos prazerosos. Como ouvir um nordestino falando. Adoro o sotaque! O português é o sotaque que mais aprecio dentre as várias línguas que falo (inglês, espanhol, português, mandarim e russo). Mas o nordestino é campeão na criação de frases e expressões. Isso explica a coleção que tenho de cordel. Tenho mais de 2 mil livrinhos, colecionados em 35 anos de viagens. Na verdade, descobri o cordel no Rio, na Feira de São Cristóvão. Fui me aproximando desses artistas nordestinos, especialmente dos pernambucanos. J.Borges, cordelista e famoso pelas xilografias, virou amigo. Dila, poeta popular de Caruaru, é um gênio, sobretudo em temas relacionados a Lampião e Maria Bonita. Dila até me retratou na capa de um cordel. Gosto da música brasileira de A a Z literalmente, de Arnaldo Antunes a Nação Zumbi. Gilberto Gil é sensacional. Como instrumentista, poeta, ministro. Tem aquele traço que reconheço nos brasileiros: generosidade de espírito. E pensar que ele, ao sair da prisão, no DOI-Codi da rua Barão de Mesquita, embarcou num avião e compôs Aquele Abraço... Isso demonstra a pessoa extraordinária que é.

Escritores brasileiros favoritos.

Li um bocado: Márcio de Souza, também amigo. E li Clarice, Moacyr Scliar, Dalton Trevisan, Euclides da Cunha, Machado de Assis... O Brasil é uma potência cultural, tentei passar isso lá fora. Meses atrás, fiz um artigo sobre uma caixa de seis discos, gravações feitas no Nordeste, nos anos 30, por encomenda de Mário de Andrade. A matéria não apenas ficou na lista das mais lidas do NYT como as gravações foram incluídas nas listas de MP3 e executadas por milhares de leitores. Escrever sobre um romancista brasileiro contemporâneo, como Luiz Alfredo Garcia-Roza, apresentando-o para o leitor americano, é gratificante.

E abriu as portas do mercado editorial americano para ele. Mas no Brasil tem muito impacto o que vem de fora. Tanto que Henfil criou o bordão “deu no New York Times”.

O que é um peso. Trata-se apenas de um jornal.

E no futebol, a paixão nacional?

Ah, sou amante do beisebol, do Chicago Cubs, meu time, minha doença. A paixão pelo beisebol facilitou minha relação com Chávez. Ele adora o esporte. Foi arremessador, canhoto inclusive, e sabe tudo. Poderia tranqüilamente ganhar a vida como locutor de beisebol. No Brasil, direi que sou mais ou menos vascaíno.

Você será correspondente em outro lugar? Ou se vê trabalhando na redação do NYT?

Não sei o que virá depois dos meses sabáticos. Ficar oito anos e meio num posto, como fiquei aqui, é recorde no jornal. Porque peguei um momento interessante no Brasil, faço uma cobertura ampla, o que é cada vez mais valorizado nos dias de hoje. Definições sobre meu futuro vão depender do resultado das eleições presidenciais nos EUA. Lutei muito para aprender a falar, ler e escrever o mandarim - e faço as três coisas. Seria talvez interessante voltar para a China. No meu primeiro período como correspondente no Brasil saí do Rio para Pequim. Talvez seja bom refazer a rota e terminar a carreira na China.

Hoje, se você estivesse com Lula numa entrevista, perguntaria o quê?

Na comissão que investigou o escândalo Watergate, o senador Howard Baker repetia sempre a mesma pergunta em relação a Nixon: “What did the president know and when did he know it?” É a questão fundamental. Pois eu perguntaria a Lula a mesma coisa em relação ao mensalão: “Presidente, o que o senhor sabia e quando soube?”
Estadão

Bobo nacional!!

O duelista

Dora Kramer

Por e-mail, o diretor-presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Milton Zuanazzi, enviou a seguinte mensagem:

"Como V.Sa. tem verbalizado constantemente em sua coluna, diga-se, uma das mais respeitadas do País, procurando estender o esteriotipo de que sou incompetente para exercer o cargo de diretor-presidente da Anac, acusando-me de ser uma mera indicação política, desconhecendo dessa forma como se deu minha indicação, quais foram os critérios, qual meu conhecimento acumulado em anos de vida pública, venho propor-lhe um debate sobre aviação brasileira e o papel da agência reguladora.

"De minha parte irei sozinho, portanto desacompanhado de qualquer assessor. Pelo seu lado, de pronto, permito-lhe que seja acompanhada por quantos assessores necessitar, inclusive de expertos em aviação (aliás apareceram tantos nestes últimos tempos, que não lhe faltarão opções).

"Nosso debate, ou sabatina, como quiser, pode-se dar em local fechado ou aberto, com ou sem platéia, de acordo com vossa vontade. Requisito que a senhora prepara-se ao máximo, pois é do meu desejo não deixar nada sem resposta.

"Espero com isso que a adjetivação constante da palavra ‘incompetência’ seja expressa como instrumento da verdade, ou cale-se para sempre.

"Quero somente registrar que não se trata de entrevista ou programa para a mídia, mas sim de expormos onde está a verdade, se em nossos procedimentos ou nas suas matérias jornalísticas.

"Saudando-a, fico no aguardo de sua resposta."

No último parágrafo, quando esclarece que seu intuito não é dar entrevista - maneira habitual de se relacionarem profissionalmente jornalistas e autoridades -, o senhor Zuanazzi confirma a impressão inicial de que faz mesmo uma convocação para um duelo.

Desnecessário ao diretor-presidente da Anac terçar armas com quem quer que seja, "em local aberto ou fechado".

Seus dotes no manejo dos problemas da aviação brasileira já estão sobejamente demonstrados e foram amplamente analisados no decorrer da crise dita por ele mesmo inexistente.

Desconhecidos, no entanto - até agora - eram seus atributos de duelista no terreno do idioma. Para não tombar combalida, como tomba assassinada a língua pátria no texto acima, nos termos propostos declino do combate.

sábado, agosto 18, 2007

Cansei, também

Eu também cansei de gente que só quer levar vantagem, do governo paralelo dos traficantes, de pagar tantos impostos para nada, de tanta impunidade, de tanta burocracia, do caos aéreo, de CPIs que não dão em nada, de ver crianças nas ruas e não nas escolas, de presidiários falando ao celular, de empresários corruptores, de ter medo de parar no sinal, de bala perdida, de tanta corrupção, de achar isso tudo normal, de não fazer nada. (Publicidade do movimento cívico pelo direito dos brasileiros.)

Cansei também dos apagões nas paradas de ônibus, onde milhões de trabalhadores e estudantes esperam por transporte, debaixo de sol e de chuva, sob ameaça de assaltos, sem ter a quem reclamar e sabendo que sua tragédia será ignorada nos jornais. Do apagão da saúde nas filas dos hospitais, na cara doente do povo, no olhar de crianças assustadas e mães angustiadas. Cansei da desigualdade com que a tragédia escolhe seus portadores, poupando os que podem comprar remédios, médicos, advogados, até alguns anos de vida, prorrogando a própria juventude.

Cansei dos que estão cansados com aviões atrasados, mas sempre se omitiram ante um país que não decola, por causa da omissão e equívocos, da falta de patriotismo e de prioridades. Cansei da tolerância passiva ante os dois muros nos quais o Brasil esbarra: o muro do atraso e o muro da desigualdade.

Cansei do país campeão mundial da concentração de renda. E da burrice institucional que mede o progresso pelo número de carros engarrafados em ruas apinhadas.

Cansei dos que gritam e esperneiam contra a corrupção no comportamento individual dos políticos, mas usufruem da histórica corrupção nas prioridades da política. Cansei da humilhação dos baixíssimos salários dos professores, mas também das direções sindicais que não se ocupam da tragédia das escolas fechadas, por causa da guerra civil dos morros ou de greves intermináveis, pura e simplesmente.

Cansei dos artistas e apresentadores que se dizem cansados da corrupção mas que sempre votaram em corruptos, e que votarão neles novamente nas próximas eleições, pois preferem um corrupto amigo a um honesto que não é de sua turma. Cansei dos publicitários que se cansaram da corrupção, mas que na próxima eleição farão alegremente a campanha dos corruptos que lhes pagarem bem. Cansei do marketing político que ganha para nos enganar e usa os ganhos para nos enganar ainda mais.

Cansei da política que nos ilude com ciclos econômicos que pouco deixam para a nação, como os do açúcar, do ouro, do café, da borracha, do algodão, da soja, da industrialização, e que agora nos iludirá novamente com o etanol. Cansei da miopia dos que se negam a ver a oportunidade, e dos que não querem tomar as devidas precauções.

Cansei de um país que se diz sem racismo, mas não aceita o uso de cotas para aumentar o número de estudantes negros na universidade. Também cansei do elitismo do movimento negro que se interessa somente nas cotas para os poucos que querem entrar na universidade, mas ignora os milhões de pobres – negros ou brancos – abandonados no caminho educacional, antes de concluírem o ensino médio.

Cansei da acomodação dos milhões de pobres que aceitam que seus pais e mães morram nas filas dos hospitais, porque a cura depende de poucos reais que eles não têm, e que sacrificam passivamente o futuro dos seus filhos, em escolas sem qualidade. Parece que acreditam que saúde e educação são direitos reservados por Deus apenas aos ricos.

Cansei, acima de tudo, da aparente impossibilidade de colocarmos juntos os cansados, que têm medo de perder seus privilégios, e os pobres, acomodados na sua falta de direitos. Cansei, mais ainda tenho esperança de que um dia os cansados tenham patriotismo e os acomodados tenham consciência. E que juntos lutem por um país com uma escola boa para cada criança, independentemente da cidade ou da família em que tenha nascido.

Cansei também de tanta gente achar que isso é um sonho impossível. Cansei, mas não me desesperei, ainda.

Cristovam Buarque é senador (PDT-DF)

sexta-feira, agosto 17, 2007

Lá vai o Brasil, descendo a ladeira...

U-LÁ-LÁ! Em seu comentário de ontem na rádio BandNews FM, o economista, ex-ministro e ex-presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros, pegou pesado e afirmou com todas as letras que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, é ignorante sobre a crise financeira que atingiu em cheio os EUA e, por conseqüência, o mundo.
Disse ele ainda que essa história de que a crise não vai afetar o Brasil é balela e que o ministro Mantega, seu ex-aluno, deveria falar a verdade e dizer que, depois de um longo período de bonança, o mundo entrou em uma fase de instabilidade econômica e que todos os países serão, sim, afetados, mesmo que o Brasil esteja mais blindado do que nas crises anteriores, por ter acumulado reservas no valor de US$ 159,66 bilhões.
Pois eu já acho que o ministro deveria falar a verdade também sobre o processo de reestatização de setores estratégicos atualmente em curso no país. Veja só, meu ilustríssimo leitor: na semana passada, a Petrobras assumiu o controle da Suzano Petroquímica, deixando industriais do setor de cabelo em pé. Foi estabelecido também que a primeira das novas usinas que serão construídas no rio Madeira terá apenas 20% de participação privada, o resto fica nas mãos da Eletrobrás. E o ministro das Comunicações, Hélio Costa, aquele que não vai com a cara da Anatel e prefere que o governo controle as tarifas, pretende criar uma grande operadora nacional de telefonia, dando ao governo o poder de interferir nas decisões da companhia. Isso, sem contar a tendência, que ocorre desde os tempos em que José Dirceu dava as cartas no Planalto, de contratar sistematicamente funcionários públicos sem concurso para tudo o que é canto.
Segundo o ministro Mantega, a compra da Suzano é "um negócio como outro qualquer", mas não é isso que dizem os industriais, que percebem uma clara tendência estatizante por parte da Petrobras. Disse ele também que a fusão das telefônicas é um negócio privado e que o governo pensa apenas em criar uma empresa sob controle nacional. Sei, sei, agora conta aquela do papagaio.
Quanto à usina sobre o rio Madeira ser quase inteiramente controlada pelo Estado, Mantega afirma que esse é um desejo dos investidores particulares. Será? Nunca vi investidor querer ser sócio minoritário do governo, mas tudo é possível.
E as contratações ilimitadas de funcionários públicos? Bem, essas, de acordo com auxiliares do presidente Lula, são todas absolutamente necessárias. E eu, burralda, que pensava que, para ser mais ágil e eficiente, o governo deveria enxugar a máquina em vez de aumentá-la? Devo ter uma rosquinha no lugar do cérebro, tal e qual o Homer J. Simpson, não é mesmo?
Por falar em Homer J. Simpson (o jota é de Jay, que também quer dizer jota em inglês), velho amigo de FHC, a quem até desafiou para uma luta, não vá assistir a "Os Simpsons, o Filme" achando que você verá algo de extraordinário, que nunca foi mostrado no seriado da TV. Como diz o Homer, bem no começo do filme: "Por que eu devo pagar para ver no cinema o que posso assistir de graça na TV de casa?" O filme dos Simpsons não é o melhor longa em desenho animado do ano. Esse privilégio vai para "Ratatouille", que considero uma obra-prima e que, aposto uma caixa de picolés de limão, leva fácil, fácil o Oscar de melhor filme de animação de 2008.

Bárbara Gancia - barbara@uol.com.br

quinta-feira, agosto 16, 2007

Poder absoluto

Por Olavo de Carvalho

Um breve exame do site http://osamigosdopresidentelula. blogspot.com/ basta para mostrar que o esquema petista tem o controle total da situação política e domina seus adversários para muito além do que estes ousam admitir em público ou até perante si mesmos.

O PT possui, para começar, um serviço de inteligência com informantes voluntários espalhados por todos os setores da existência social, prontos a vasculhar a vida financeira e pessoal de cada inimigo, fornecendo ao comando petista os elementos para destruir em poucos minutos as reputações que bem entenda. Os serviços secretos oficiais, hoje aliás também sob o controle do Partido-Estado, são apenas um pontinho na imensa área coberta pela KGB lulista.

O domínio estratégico que o PT exerce sobre a situação nacional estende-se para muito além do território brasileiro. Núcleos petistas ativos nos EUA e na Europa criaram uma rede de contatos que dá ao partido os meios de intimidar e paralisar seus adversários por intermédio da pressão de poderes internacionais (e ainda reclamar que "agentes do imperialismo" são os outros). Quem pode contra isso?

Há ainda a imensa malha de organizações militantes, treinadas e experientes, fazendo com que a declaração do senhor presidente, de que é o campeão imbatível da mobilização popular, não seja de modo algum uma bravata, mas a expressão fiel de uma realidade temível.

Os adversários do petismo, em contrapartida, só têm, em matéria de meios de ação, aqueles que lhes são propiciados pela posse de vários órgãos de comunicação - jornais, rádios e estações de TV - cujo funcionamento depende da proteção estatal e, portanto, em última instância, do beneplácito petista. O PT é proprietário e mandante direto dos seus meios de ação e ao mesmo tempo é o provedor e administrador das armas dos seus adversários, apto a controlar a pressão oposicionista como o maquinista que gira as válvulas numa caldeira industrial.

Tais são as razões pelas quais a chamada "Zé-lite" só pode mover, contra o império petista, uma oposição débil, autocastrada e condenada a sobreviver dos favores de um inimigo onipotente. Toda a vida política nacional tornou-se uma agitação de superfície que só serve para encobrir e garantir a supremacia petista.

Nem conto, nesse diagnóstico, com o fato incontestável de que quase todos os antipetistas na classe rica estão tão sujos e comprometidos em esquemas de corrupção quanto a própria elite petista, com a diferença de que esta sabe mais da vida deles do que eles jamais saberão dela.

Nem menciono a evidência banal de que todo o trabalho petista se apóia numa elaboração analítica e estratégica de muitas décadas, que lhe dá uma retaguarda histórica e um horizonte de consciência incomparavelmente mais vastos do que seus adversários podem sequer imaginar.

E não é preciso lembrar que a assim chamada "oposição", culturalmente cercada e enquadrada pela hegemonia gramsciana desde pelo menos duas gerações, nem mesmo consegue raciocinar fora dos parâmetros impostos pela cosmovisão esquerdista que domina até os pontos mais íntimos e discretos do imaginário nacional.

O fato de que até manifestações populares modestas e limitadíssimas, como as que se viram nas semanas passadas, surjam aos olhos do PT como intoleráveis ameaças golpistas, mostra até que ponto o esquema dominante se afeiçoou às delícias de um poder absoluto que nem mesmo precisa destruir fisicamente seus adversários porque psicologicamente já os colocou de joelhos.

Há perigo na esquina

Use-se qualquer lente e não será possível enxergar nada diferente de um amazônico desastre na aprovação da lei que institui a fidelidade partidária por três anos e onze meses, libera a infidelidade durante 30 dias a cada quatro anos, pune com perda de mandato os que trocarem de partido fora desse período e pretende proibir o Tribunal Superior Eleitoral de interpretar leis.

Poderíamos classificar a lei aprovada pela Câmara na quase madrugada de quarta-feira como uma salada de intenções fisiológicas e corporativas não se tratasse de um problema mais sério, examinado no contexto geral da desmoralização do Poder Legislativo no Brasil. A salada, vista sob esta óptica, é de ervas daninhas.

Quanto mais desmoralizado estiver o Congresso, mais desequilibrados estarão os Poderes e mais ampla será a passagem para propostas institucionalmente heterodoxas. Sob o argumento de que o Parlamento só produz malefícios, só legisla em causa própria, pode-se apresentar como solução a instituição de um foro extraordinário como este proposto pelo PT - sob o gentil patrocínio do Palácio do Planalto -, de convocação de uma Assembléia Constituinte exclusiva para "debater e aprovar" a reforma política.

E, uma vez consolidada essa idéia, será difícil fazer ver aos indignados (com razão) que deve querer mais, pois se quisesse mesmo só a reforma política o governo teria maioria para tocar o projeto com o Congresso convencional.

A mesma maioria que não se empenha em fazer a reforma e que, na Câmara, acaba de aprovar com os votos de 292 deputados governistas uma proposta de fidelidade cujo propósito principal é legalizar o troca-troca passado e conferir aos trânsfugas futuros um salvo-conduto para infringir a lei aparentemente dura.

É como diz o diretor de programas de governança do Banco Mundial, Daniel Kaufman, co-autor de um recente relatório sobre governabilidade e corrupção em países emergentes: "A produção incessante de novas leis é uma forma politicamente oportuna de reagir às pressões para se que tomem medidas contra a corrupção, no lugar de encarar reformas sistêmicas e fundamentais."

Em português claro: quanto mais rigorosa a lei, mais fraca a intenção de cumpri-la.

Mas voltemos à lei dita de fidelidade partidária, que é incongruente, confusa e passível de ser derrubada no Supremo Tribunal Federal.

A lei fala em perda de mandato, o que é previsto na Constituição apenas em casos de renúncia ou cassação. Para instituir essa pena seria preciso uma emenda constitucional e não uma lei complementar.

A legislação na qual o Tribunal Superior Eleitoral se baseou para abrir espaço aos partidos que perdem deputados a pedirem de volta as vagas deixa claro que os mandatos pertencem aos partidos. Nada diz sobre a perda do mandato. Exatamente por ser uma questão constitucional, depende de uma palavra final do Supremo.

Suas excelências sabiam perfeitamente disso quando simularam pose de austeras, instituindo a cassação pura e simples sem observar a Constituição.

O alvo era apenas o salvo-conduto à infidelidade instituído na exceção à proibição do troca-troca durante 30 dias do penúltimo ano de cada legislatura e a anistia aos 38 deputados dependentes dessa decisão do STF por terem trocado de partido da eleição para cá.

No afã de resguardar seu direito à infidelidade para com o eleitor e atender, assim, à cooptação governamental, acabaram aprovando uma legislação sem pé nem cabeça, que prevê a infração a ela própria.

Mal comparando, seria como dizer o seguinte: é proibido roubar bananas da mercearia, à exceção dos dias tais e tais. Nestes, fica liberado o surrupio.

Tão desprovida de sentido que pretende também alterar o ordenamento jurídico vigente, proibindo o TSE de "aplicar retroativamente interpretações da legislação".

Primeiro, porque a Justiça Eleitoral não "aplica" nada, apenas interpreta.

Segundo, porque não existe sentido "retroativo" em leis em vigor. O TSE, ao interpretar que a lei confere ao partido a propriedade do mandato, não inventou nada, ateve-se aos textos legais já existentes.

Ademais, quem disse que o Legislativo pode, por lei infraconstitucional, alterar as funções do TSE, proibindo o tribunal de fazer isso ou aquilo?

Seria só um elogio à estultice, não escondesse um perigo à espreita na esquina: uma aposta na desmoralização do Legislativo a fim de que o Executivo passe, sob aceitação geral, a dialogar direto com a sociedade.

Daí para começar a discutir a necessidade de substituição do Congresso por outra instância "mais limpa" - como a já citada Assembléia Constituinte exclusiva - são poucos os passos a serem dados.

A oposição, desta vez, esteve atenta para isso. DEM, PSOL, PPS e PSDB recusaram-se a votar e a convalidar a distorção. A oposição fez o seu papel.

Salvou uma parte da face do Congresso, cujo todo anda prestes a sucumbir a um claro processo de exacerbação dos defeitos com vistas a transformar o Legislativo em Poder descartável.
Dora Kramer