EM RECENTE artigo neste jornal ("Tendências/Debates", dia 21/ 8), Arnaldo Malheiros Filho revelou que, no momento, os trabalhadores do direito começam a ter a sensação de que o poder é indefinido; que os diversos grupos que o detêm agem sem um comando supremo e que o Poder estabilizador da ordem, ou seja, o Judiciário, se sente cerceado, de mais em mais, por iniciativas do Executivo e do Legislativo destinadas a reduzir o direito de defesa.
Crítico do governo militar, reconheceu, entretanto, que havia mais direito de defesa -símbolo maior de uma democracia- à época do Ato Institucional nº 5 do que agora.
A análise merece diversas considerações adicionais. De rigor, ao fazer a anatomia do poder no Brasil, se percebe que há diversos grupos que conduzem o governo e que o presidente Lula assiste a tudo, sem que se possa dizer que exista unidade de comando.
De um lado, o Bolsa Família garante à S. Ex.ª. um eleitorado cativo e crescente, que lhe dá permanente avaliação positiva nas pesquisas. Seus beneficiários (um quarto da população brasileira) pouco se importam com a política ou a ética.
Assemelha-se, neste particular, ao presidente Médici, ovacionadíssimo num Maracanã lotado por um povo satisfeito com o desenvolvimento econômico e pouco interessado em política.
Por outro lado, o grupo de seus partidários e aliados -que incharam a máquina administrativa sem concurso e lutam por sua efetivação- entende que o poder é para ser usufruído pelos "amigos", alijando os inimigos ou mesmo os perseguindo. Vivenciam a teoria de Carl Schmitt de que a política é a ciência que opõe amigo ao inimigo (o conceito do político).
Como, nas variantes do socialismo marxista, os fins justificam os meios, a ética não é a principal moeda para o exercício do poder, razão pela qual todos os escândalos descobertos em 2005 -e que não cessam de surgir- estão na linha da manutenção das rédeas governamentais nas mãos desses grupos. Isso, aliás, ocorre não só no Brasil mas também em todos os países que sofreram a influência ou o impacto direto do marxismo.
A Polícia Federal e a Receita Federal, por outro lado, que angariaram poderes fantásticos no novo governo, exercem o poder adotando linha paralela e independente das funções que a lei lhes atribui.
A primeira, provocando receios até na mais alta corte da República, alguns de seus ministros considerando que vivemos em um Estado policial.
A segunda, batendo recordes sucessivos de arrecadação de origem legítima e ilegítima, com eliminação gradual do direito de defesa do contribuinte. Via "penhora on-line", vai incorporando como receita própria tributos contestados na Justiça e, quando perde questões em juízo, não devolve o indébito, usando estratégias que vão desde o não-pagamento de precatórios até a nulificação do instituto da "coisa julgada", mediante a oposição de embargos declaratórios de natureza protelatória ao infinito.
Apesar de pôr a culpa pela morosidade do Judiciário no direito de defesa exercido pelo contribuinte, é o Estado que provoca e conta com a lentidão da Justiça para não cumprir as condenações.
Por essa razão, o Brasil tem o dobro da média da carga tributária dos países emergentes, com pífia prestação de serviços públicos.
A área técnica econômica, graças ao Banco Central, controla a inflação, mas o Brasil evolui pouco no que diz respeito à educação, ao emprego, aos investimentos, à tecnologia e ao comércio exterior se comparado com os outros países emergentes de expressão (Rússia, China e Ã?ndia).
O poder, portanto, partilhado entre correligionários, que o querem no modelo chavista; entre os controladores da privacidade (polícia e receita), que o querem atrelado ao medo que provocam; pelos técnicos de economia, que o querem com temor de retorno à inflação; e pelos idealistas, como Patrus Ananias, que o querem apenas assistencialista, tem, no Ministério Público e no Poder Judiciário, poucos entraves, pela desestruturação do Estado, e no Poder Legislativo, duas Casas que se destroem sozinhas, pela sua incansável capacidade de gerar sucessivos escândalos.
A tudo assiste o presidente Lula, imune, graças a seu grande eleitor (Bolsa Família), delegando ao máximo e conduzindo o mínimo, o que, de rigor, faz do Brasil um país sem projeto. Infelizmente, a sociedade consciente e não-governamental, embora pague a conta, é a que menos voz ativa tem nesta nova democracia, que ganha ares totalitários, instalada no país.
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 72, advogado tributarista, é professor emérito da Universidade Mackenzie, da UniFMU, da Escola de Comando e Estado Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra.
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