terça-feira, maio 04, 2010

Caixa-preta - Editorial da Folha

Petrobras tem sido hostil a críticas e fiscalizações, mas a empresa deve dar o exemplo na prestação de contas à sociedade

TÊM SIDO frequentes, nos últimos meses, indícios de irregularidades em obras e licitações sob a responsabilidade da Petrobras.
A cada problema apontado por técnicos do Tribunal de Contas da União ou por policiais federais, o mais poderoso conglomerado do país reluta em esclarecer dúvidas, critica os métodos dos órgãos fiscalizadores e, na prática, parece se considerar isento das responsabilidades e dos deveres impostos a demais empresas e cidadãos do país.
Não bastasse, a estratégia termina por se contrapor, ao que tudo indica, aos próprios interesses financeiros da companhia.
Uma investigação da Polícia Federal, revelada neste domingo pela Folha, constatou a formação de "consórcios" entre empreiteiras para superfaturar obras contratadas pela petrolífera. Os cinco grandes empreendimentos, licitados durante o governo Lula, totalizam R$ 5,88 bilhões. O custo adicional imposto à empresa pode ter chegado à casa de R$ 1,4 bilhão.
Segundo os técnicos da PF, as empreiteiras teriam se associado e combinado previamente os lances vencedores das licitações. Em pelo menos um dos casos, o acerto incluiu a divisão posterior dos ganhos advindos da execução do projeto. Há também indícios de que o próprio processo licitatório, em duas das obras, tenha sido influenciado por uma das construtoras participantes.
A Petrobras, no entanto, se apressou a negar a existência de quaisquer irregularidades nas obras por ela contratadas.
Havia feito o mesmo quando o Tribunal de Contas da União, em relatório anexo ao Orçamento de 2010, apontara "graves" irregularidades em empreendimentos da petrolífera, parte deles coincidentes com os atualmente questionados pela PF.
A estatal alegou haver divergências entre os parâmetros usados pelo TCU para calcular os valores cabíveis para os contratos e aqueles seguidos pelo seu próprio corpo técnico.
À época, a Petrobras afirmou que "colabora sistematicamente com os órgãos de controle e, quando há diferenças, procura esclarecê-las". Não foram poucas as queixas, no entanto, de técnicos do TCU quanto à "obstrução de fiscalização" por parte da companhia.
A atitude refratária a críticas e questionamentos chegou às raias da arrogância no processo licitatório para a escolha das novas agências de publicidade da empresa, no início deste ano.
Mesmo após o vazamento dos nomes das candidatas mais bem classificadas numa das etapas da disputa por uma verba de R$ 250 milhões ao ano, a estatal defendeu a continuidade do processo -já então posto sob suspeição. Pressionada, decidiu refazer o procedimento de escolha.
Os dirigentes da empresa parecem não compreender o real significado da importância da Petrobras na economia nacional e do seu status simbólico para o país. Tal vulto não lhe confere o direito de se considerar acima do bem e do mal, infensa a críticas e correções de rota. Ao contrário, é dever do conglomerado, por seu caráter público, dar o exemplo na prestação de contas à sociedade brasileira.

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