sexta-feira, novembro 25, 2005

Carrapatos e abacaxis

Distraídos pelos efeitos colaterais estamos quase esquecendo a doença. Seduzidos pelos majestosos ritos e canhestros desempenhos do elenco coadjuvante que se exibe na suprema corte olhamos para o lado errado.

Apesar da magnífica demonstração no enduro de sobrevivência política, o deputado José Dirceu não é o protagonista do espetáculo. O carrapato maculoso que infecta a vida nacional chama-se corrupção. José Dirceu apenas serviu-se dele para construir o seu projeto de poder. O presidente Lula em Fortaleza nesta sexta apenas provou que o bicho é mais nocivo do que parecia.

A trágica degradação que estamos assistindo desde maio não é um fenômeno burguês. A corrupção aviltou o comunismo e o chamado “socialismo real” tanto na URSS como nos satélites da Cortina de Ferro. A corrupção agora ameaça diretamente a revolução cubana, baluarte da esperança.

Quem o disse com todas as letras foi o presidente Fidel Castro no último dia 17 de Novembro em Aula Magna da Universidade de Havana. O perigo não está numa invasão americana, mas no câncer da corrupção e o roubo generalizado no aparelho do Estado. “Ou derrotamos estes desvios e vencemos estes problemas ou morremos.”

A fala de cinco horas perante dirigentes históricos, membros do governo e do partido comunista foi dirigida aos estudantes na comemoração dos 60 anos do ingresso do líder cubano na Faculdade de Direito. A imprensa brasileira não deu atenção à convocação moralizadora de Fidel Castro, mas o jornal espanhol “El País”, um dos melhores do ocidente, destacou-o na primeira página (“El País”, sábado, 19-11, pp.1 e 7).

Segundo seu correspondente em Havana, Castro não foi complacente e “descreveu uma situação de caos, descontrole administrativo e roubo generalizado que está derrubando as bases éticas do sistema”. Criticou o paternalismo, os novos ricos, as deformações econômicas e “as dezenas de milhares parasitas que nada produzem, incompatíveis com a sociedade mais justa almejada por Cuba”.

Fidel anunciou uma grande cruzada contra os vícios que “corroem a viga mestra da revolução e podem fazer que ela se auto-destrua”. Esta cruzada, equivalerá “a um furacão de força 5” para acabar com a impunidade. Trata-se de construir uma sociedade inteiramente nova ou, então, desaparecer.

O Quixote de origem galega não investe contra moinhos de vento do homônimo da Mancha, não está enganado pelas miragens, tem a suprema coragem de assumir que a revolução falhou no aspecto moral. Reconhece que justiça não se alcança através da indecência. Mas não se exime, não desconversa cinicamente, não enrola. Reconhece o fiasco e reage ao convocar a sociedade cubana para enfrentar a depravação.

O presidente Lula pode ter vontade, mas não tem condições para imitar Fidel. A fala em Fortaleza foi, no máximo, esperta: “Aproveitem que estou no governo e denunciem todo o tipo de corrupção...comigo vai ser tudo apurado. Vou provar que posso consertar esta abacaxi. ” Ao longo deste semestre Lula não consertou nem descascou o abacaxi: no máximo colocou-o na geladeira.

O ex-ministro José Dirceu, pivô desta salada, viveu na Ilha, admira Fidel e imaginou que a bravura no bom combate pode conviver com a tibieza moral. Enganou-se. Neste ponto José Genoíno é um guerrilheiro mais genuíno, com o perdão pelo trocadilho.

Todos querem igualar-se a Fidel mas falta estatura, falta estofo. Falta, sobretudo, grandeza moral. Este tipo de grandeza é que valida o carisma. A demorada convivência com a “informalidade” emascula o caráter. Para enfrentar as elites, como se pretende, é preciso muita fibra, muita disposição para resistir às suas deletérias seduções.

Quando combatia na Sierra Maestra, Fidel Castro foi um ávido leitor de biografias, agora percebeu que não pode enodoar a sua ao esquecer que a melhoria da sociedade passa obrigatoriamente pela melhoria do ser humano. Por isso, dirigiu-se aos jovens, sabe que ainda não estão contaminados pelo “não-me-imorta”, sabe que pode contar com o seu idealismo. Como devoto seguidor de Marx percebe que a qualidade intrínseca dos revolucionários marca decisivamente o teor da revolução.

Pior do que o anúncio de um PIB medíocre na próxima semana será o reconhecimento de que a revolução brasileira está sendo parceira da perversão.

16:56 25/11
Por Alberto Dines

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