segunda-feira, agosto 28, 2006

Ética, de Paulo Betti a Chaui

O avanço do favoritismo de Lula começa a remover certos embaraços morais de quem o apóia. Isso ficou claro na última semana entre os artistas: passaram do silêncio constrangido ao ataque desabrido. "Não dá para fazer política sem sujar as mãos", disse o ator Paulo Betti; "Não estou preocupado com a ética do PT. O partido fez o jogo que tem que fazer para governar", emendou o músico Wagner Tiso, ambos convidados para o convescote com Lula no apartamento do músico-ministro Gilberto Gil.
O elogio nesses termos da realpolitik petista provocou muita grita indignada. Não seria para tanto. Os artistas só fizeram levantar o véu da hipocrisia do debate eleitoral. Disseram o que qualquer eleitor de Lula que não seja incauto, lunático ou movido por má-fé já sabia.
Mas os artistas ofuscaram uma outra defesa da reeleição de Lula, esta mais "elevada", feita por Marilena Chaui. Em palestra no Rio na última quinta-feira, a filósofa primeiro se recusou a tratar com a imprensa burguesa. Como de hábito, também não disse palavra sobre o PT, Lula ou o mensalão. Foi a homenagem involuntária que prestou ao tema do ciclo de que participava: "O Esquecimento da Política".
O que fez então Chaui? Mostrou à platéia por que, segundo o filósofo Espinosa, do século 17, a boa política se dá quando a esperança vence o medo. Ou seja: depois de mais de 20 anos debruçada sobre seu pensador predileto e mais de mil páginas dedicadas às "nervuras do real", Chaui termina por colocar Espinosa no colo de Duda Mendonça.
Pior: a versão filosofante do slogan publicitário aparece com quatro anos de atraso, como se entre a fantasia vendida em 2002 e hoje não existisse o estelionato político operado pelo lulismo. A esperança, aqui, está a serviço do obscurantismo tarefeiro, não do pensamento.
No livro sobre "O Silêncio dos Intelectuais", que acaba de sair, Francis Wolff escreve que "nunca os intelectuais falaram tanto para dizer por que não dizem nada". É verdade. Chaui precisa ouvir Wagner Tiso e aprender com Paulo Betti.
FERNANDO DE BARROS E SILVA

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