terça-feira, agosto 08, 2006

A bandidagem tem preferência

Criminalistas brasileiros topam qualquer causa, defendem qualquer réu -pouco importa se inocente ou culpado. Pode um advogado mentir para absolver o cliente? No Brasil, pode. A pátria do cinismo permite a um bacharel afirmar que o assassino não matou, que o estuprador não estuprou, que o assaltante não roubou. Sim, todo acusado tem direito à ampla defesa.
Mas ampla não é sinônimo de ilimitada. Uma coisa é o encarregado da defesa apresentar atenuantes que possam abrandar a pena. Outra é promover acrobacias e trucagens destinadas a substituir fatos por fantasias. O advogado que fuzila a verdade comete perjúrio. Não é o pássaro da liberdade. É a águia cúmplice.

Criminalista por quase 50 anos, Márcio Thomaz Bastos ganhou fama e dinheiro graças à competência para manter bandidos em liberdade. Para ganhar uma disputa no júri, nunca foi de respeitar fronteiras éticas. Em vários episódios, ressalve-se, garantiu o direito de ir e vir de clientes que de fato mereciam a absolvição. Mas inocentes são raridades na vasta freguesia do doutor Márcio. Quem o procura, quase sempre tem culpa no cartório.

Craques em soltar bandidos não exibem o perfil recomendado a um ministro da Justiça que tem de saber prender. Nenhum ocupante do cargo terá bom desempenho se não souber prender. Nomeado por Lula, o criminalista Márcio Thomaz Bastos prevaleceu sobre o homem público.

Nenhuma surpresa. Se a qualquer homem é penoso mudar, não se pode exigir de um quase septuagenário que se transforme no negativo do próprio retrato. Além do mais, faltou-lhe tempo para dedicar-se à metamorfose. Tomou-lhe meses a proliferação de delinqüentes nos gabinetes ao lado, fenômeno que fez do ministro o advogado-geral da bandidagem companheira.

Se os tumores do Brasil lhe tirassem o sono, Márcio teria tentado remover os aleijões que infestam os códigos legais e as normas destinadas a regular o funcionamento das prisões. Teria também construído os quatro presídios de segurança máxima que prometeu em meados de 2003. Não fez uma coisa nem outra. O maior presidente da História só conseguiu inaugurar o presídio de Catanduvas, no interior do Paraná. E então se constatou que o ministro misericordioso decidira que a única cadeia da Era Lula seria dura, mas não muito.

Das 220 celas, só 12 foram reservadas aos enquadrados no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), imposto a presos de altíssima periculosidade e/ou a chefões das siglas do crime organizado. Nas 208 restantes ficarão figuras devolvidas às ruas, com alguma facilidade, por advogados que não precisam ser nenhum Márcio Thomaz Bastos.

Basta ao bacharel garimpar os buracos, omissões e espertezas que deformam a legislação brasileira e desenhar o mapa da fuga, pavimentado por privilégios abjetos, ambigüidades feitas para a soltura de feras, inverossímeis operações aritméticas que institucionalizam o crime sem castigo. O ministro não fez um só reparo às normas em vigor, jamais criticou a opção preferencial pela bandidagem feita pela legislação. Na primeira onda de atentados promovidos pelo PCC, Márcio censurou a pressa de parlamentares dispostos a mudar a lei.

Marcola e Fernandinho Beira-Mar serão os primeiros hóspedes de Catanduvas.

Não lhes faltarão celulares e televisores de plasma. Nem visitas íntimas.
Augusto Nunes - augusto@jb.com.br

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