quarta-feira, agosto 16, 2006

"A Guerra do Amanhã"

A invasão de uma coligação internacional na Amazônia para salvar a humanidade.

A questão da Amazônia
A eventualidade de uma tentativa de invasão da Amazônia é tratada como possibilidade real em diversos fóruns estratégicos, inclusive dentro do governo. Recentemente, o presidente da Câmara, deputado Aldo Rebelo, do PCdoB, enviou um protesto oficial ao secretário-geral da ONU, Kofi Annan, devido a um livro de Pascal Boniface, seu assessor para assuntos estratégicos, chamado “A guerra do amanhã”, onde, entre possíveis cenários de guerra do século XXI, ele imagina a invasão de uma coligação internacional na Amazônia. O modelo seria ação da Otan contra a Sérvia em Kosovo. Ele alega que se o princípio sacrossanto da soberania nacional foi removido em Kosovo para salvar alguns milhares de pessoas, por que não seria removido se chegarmos à conclusão de que salvar a Amazônia é salvar a Humanidade?

Nesse cenário, por volta de 2025 o ar estaria mais saturado do que hoje, as temperaturas mais elevadas e a água mais escassa. O presidente da Câmara, Aldo Rebelo, fez um protesto junto à ONU contra o que considerou um incentivo a uma visão belicista, e ao desconhecimento da Amazônia. Também a União Européia embarcou num boicote à soja brasileira porque é plantada na Amazônia.

Para o pesquisador de assuntos militares Expedito Bastos, da Universidade Federal de Juiz de Fora, o que poderia vir agravar a situação na região seria “um apoio externo que envolva uma superpotência ou uma grande potência com interesses nas reservas de água, petróleo e minerais existentes na região e que estão se tornando escassos ou mais difíceis em outras áreas, podendo refletir em toda a América do Sul, e levar a conflitos localizados envolvendo o Brasil e seus vizinhos”.

O professor Francisco Carlos Teixeira, de história contemporânea da UFRJ, acha que os diversos cenários internacionais mostram “a necessidade de haver uma política de equipamento do Exército”. O Programa de Reaparelhamento e Adequação do Exército Brasileiro prevê a necessidade de cinco sistemas operacionais e duas inovações básicas, segundo ele. Os sistemas operacionais, que têm que “ser absolutamente atualizados e reequipados”, são os seguintes:

1) Sistema de comando e controle, que organiza todas as unidades espalhadas pelo território nacional. É um investimento ligado a meios modernos de comunicação;

2) um sistema de inteligência;

3) sistema de manobra, através do qual você pode deslocar uma tropa, uma brigada, um regimento devido a uma emergência terrorista — seqüestro de atletas americanos no Pan, ou um grupo de guerrilheiros das Farcs que entre por Roraima;

4) sistema de apoio de fogo para enfrentar um embate direto;

5) uma artilharia de terra, um sistema de mísseis capaz de impedir que uma força-tarefa estrangeira se aproxime do território brasileiro.

Dentro desse plano, é fundamental a implantação de uma segunda Brigada de Infantaria da Selva, e a implantação das brigadas de empregos estratégicos — só existe uma, em Goiânia. O professor Domício Proença Jr, da Coppe, acha que “o Brasil tem discursado sobre a prioridade para a Amazônia, e o Exército Brasileiro, em particular, tem deslocado unidades para a região. Uma estimativa geral é de que o Exército Brasileiro tem três ou quatro, em breve quatro ou cinco, de suas 28 brigadas na região”.

Para o pesquisador Expedito Bastos, da Universidade Federal de Juiz de Fora, seria preciso fortalecer a Política Nacional da Indústria de Defesa, “visando à diminuição progressiva da dependência externa em produtos estratégicos de defesa, desenvolvendo-os e produzindo-os internamente”. Muitos itens poderiam ser produzidos em parceria com alguns países da região e “atenderiam muito bem à necessidade de todos, integrando e barateando os custos para produção”.

Expedito Bastos lamenta que sejamos vistos como potência regional pelos nossos vizinhos, mas não exerçamos essa condição. “Não investimos em áreas que poderiam fazer a diferença entre sermos respeitados e até temidos, não como fator para expansionismo, mas como fator dissuasório, para que no futuro evitemos aventuras desnecessárias sobre as riquezas que por aqui existem, como petróleo, água doce, minerais”.

Já o professor Nelson Franco Jobim, consultor de política internacional, considera que “a possibilidade de intervenção americana na Colômbia e na Amazônia não passa de delírio”. Segundo ele, “a obsessão antiamericana chega a ser doentia. Se vem aí um mundo multipolar, como parece inevitável, porque na era da globalização nenhum país isolado tem poder para impor sua hegemonia, os EUA serão apenas um dos atores, o principal, mas em declínio relativo, com o qual o Brasil pode eventualmente se articular para enfrentar a expansão da China. Por que os EUA são considerados eternos vilões? A China será uma superpotência benigna? Não existe isso”.

O secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, preocupado com a situação da Amazônia brasileira, acha que uma questão essencial no Brasil de hoje é a reconciliação entre certos segmentos da sociedade civil e as Forças Armadas: “A proteção militar eficiente para garantir a inviolabilidade das fronteiras e a segurança das populações brasileiras que nessas regiões habitam, assim como a enérgica recusa brasileira a que se utilizem na Colômbia métodos de combate às drogas e de erradicação de plantações que possam vir a afetar o ecossistema da Amazônia brasileira, devem ser prioridades do governo e da sociedade brasileiros”, afirma ele em seu livro recém-lançado.
Merval Pereira - O Globo

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