No dia 26 de junho publicamos, neste espaço, o artigo O arrombamento das instituições, expondo nossos temores de que muita gente, no PT e no governo, alimenta o temerário plano de se aproveitar das muitas frustrações da população brasileira, com a política em geral e com a administração em particular, para propor soluções salvacionistas - ao estilo Chávez, da Venezuela - e, assim, nos encaminhar para um regime que os eternize no poder, com total beneplácito do presidente, que vive dizendo que quatro anos é pouco para fazer tudo o que tem em mente em matéria de grandiosos serviços em prol da Nação.
Muitos leitores nos enviaram e-mails se dizendo também atentos aos sinais dessa armação e preocupados com ela.
Certamente, esses mesmos leitores, e muitos mais, perceberam, na semana passada, o macabro balão de ensaio arranjado por S. Exa. para testar a viabilidade das suas pretensões. Falo do episódio em que estranho grupo de prestativos advogados se abalou para ir ao encontro do presidente em seu gabinete, em plena tarde de quarta-feira (notem bem!), com algumas idéias sobre como arrochar os trabalhos das CPIs - a pretexto de torná-las mais eficientes - e para instituir uma Assembléia Nacional Constituinte, com a atribuição exclusiva de implantar uma reforma política por meio de mudanças na Constituição vigente. Não é de estranhar que as sugestões dos very concerned councels acolhessem, obedientemente, as críticas que Lula já fez, em diversas ocasiões, às CPIs e à Constituição - o que lhe permitirá dizer que não são dele as idéias e propostas, e sim de ilustres causídicos.
Ah, sim, a coisa toda tem de contar com a aprovação da OAB e obedecer ao “clamor público”. Este é fácil de se aferir, basta convocar um plebiscito com a pergunta: “Você acha que o Brasil precisa de uma reforma política?” - e a adesão será de quase 100%. A “aprovação” da OAB também não é difícil, pois, como já dissemos no artigo anterior, é sempre possível encontrar juristas ilustres ansiosos para formar “no escrete dos garimpeiros de doutrinas legitimadoras de interrupções da democracia”.
Na verdade, o clamor público contra a pérfida armação já teve início na semana passada mesmo, por parte dos brasileiros e brasileiras mais perceptivos das coisas da política, a começar da nossa colunista especializada Dora Kramer, que acompanha muito competentemente, e sem perder de vista, os ademanes nada sutis da matilha de candidatos a gauleiters do futuro regime com o qual não cessam de sonhar. Regime que imaginam ser de “despotismo esclarecido” e benevolente, à semelhança daquele que implantaram dentro do próprio PT e que consistiu - como todos os petistas de boa-fé acabaram percebendo - numa ditadura férrea da cúpula sobre quem dela discordasse e num tratamento benevolente aos fiéis companheiros que “errassem”, ou seja, que fossem pilhados batendo carteiras. Mas só a estes, porque aos petistas que se escandalizaram com a bateção de carteiras, puseram a boca no trombone, tentaram corrigir as malfeitorias e até, ingenuamente, alertaram a cúpula partidária o tratamento dispensado foi muito outro: desde a expulsão sumária até o “justiçamento”, como obviamente ocorreu com pelo menos dois prefeitos.
Preocupamo-nos, todavia, com o fato de que o clamor público contrário à soez jogada tenha ficado restrito quase que apenas a alguns comentaristas da imprensa escrita, cujo alcance é, sem dúvida, menor que o das TVs e emissoras de rádio. Estas se incumbiram do velho papel de correias de transmissão dos balões-de-ensaio do Planalto: puseram-se a montar programas de debates das “idéias dos juristas”, dando seus microfones e câmeras para que outros juristas discutissem os prós e os contras das sugestões e seus aspectos técnicos e legais. Como se fosse esse o chamado cerne da questão. Mas não tomavam posição no assunto, nem apontavam, com sua própria voz, o grande risco institucional aí embutido.
Certamente, o estado-maior do governo que conduz o plano de reinstitucionalização do País já providenciou pesquisas para saber como repercutiram na opinião pública em geral, nas elites e no povão, as sugestões de amordaçar as CPIs e de reformar a Constituição (“para acabar com a corrupção”!!). Com base nos resultados dessa pesquisa, novos passos serão dados na mesma irredutível direção.
O presidente Lula, que se dirá alheio ao que está por trás dessa manobra, uma vez que nunca sabe nada sobre o que seus companheiros e partidários tramam, já apoiou (sic!) a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte exclusiva para a reforma política - claro!, porque só esta interessa aos seus propósitos, por enquanto. E explicou que os atuais deputados e senadores, em meio ainda à turbulência das CPIs e da campanha eleitoral, “não teriam isenção” necessária para esse trabalho e, além disso, legislariam em causa própria. Ficamos até tentados a imaginar com qual grau de isenção S. Exa. assina medidas provisórias e se nunca legisla em causa própria quando as baixa. Certamente, não, pois sempre age com altruísmo, em prol da Nação!
Mas as observações do nosso guia genial não repercutiram bem entre os inquinados, isto é, deputados e senadores. O presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo, denodado combatente e aliado de Lula, apressou-se a dizer, com outras palavras, naturalmente, “deixa isso pra nós, ó amado Mestre!” As palavras que realmente usou foram as seguintes: “Embora a expectativa da reforma política seja um clamor nacional (já avalizando a iniciativa*) e o presidente Lula partilhe dessa preocupação, para essa finalidade não precisamos de Assembléia Constituinte (ou seja, deixa comigo*).”
Já o líder do PT na Câmara, deputado Henrique Fontana (RS), acha que, se o próprio Congresso puder aprovar a reforma política, melhor. Mas, se não for possível, uma Constituinte específica deveria ser convocada. O que deixa a porta aberta para a tal convocação, uma vez que dificilmente a reforma seria aprovada nesta legislatura, a despeito do otimismo do presidente da Comissão da Reforma Política na Câmara e líder do PSB, o deputado Alexandre Cardoso (RJ), que já teria as assinaturas de todos os líderes para que ela seja votada em regime de urgência, em novembro.
Dada a admiração inegável de Lula por Fidel Castro e por Hugo Chávez, faço minhas, para finalizar, as palavras do deputado José Carlos Aleluia: “É evidente que essa Constituinte deve ser evitada para que não caminhemos para o presidente vitalício.”
Tomara que já tenha sido evitada. O que não matará novas tentativas.
(*) Comentários meus.
Marco Antonio Rocha é jornalista
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