No momento em que Lula busca um novo período para seu governo, fica a impressão de que o ex-sindicalista, mais do que a integração da classe operária à democracia, dedicou-se a construir um governo de “pelegos”. Tradição do sindicalismo brasileiro, os “pelegos” eram criticados, há algum tempo, porque cumpriam a função de amaciar o cavalo para maior comodidade do cavaleiro.
Líder de um sindicalismo então combativo, Lula usou a palavra contra seus adversários, como antes dele muitos na esquerda. Em filme-documentário recente, chamou de “pelegão” até Lech Walesa, importante líder sindical polonês que se elegeu presidente da Republica e fracassou no governo.
Típico do “pelego” é viver de dinheiro público, fazer demagogia social e cuidar dos próprios interesses pessoais e corporativos, mesmo a despeito da lei. Dentre os muitos exemplos, o mais recente é a devassa do sigilo bancário do caseiro Francenildo, por ordem de um gerente da Caixa Econômica Federal. Como sabemos que o governo vem tomando como prática usual o loteamento político de cargos, é bem provável que esse gerente da CEF seja um “pelego” a serviço de algum outro.
Vale lembrar, a propósito, a confissão pública do Lula que, desrespeitando a lei, mandou se calar um “alto companheiro” que sabia de irregularidades na instituição em que trabalhava. No caso de Francenildo o procedimento foi inverso. Nada de irregular foi encontrado na conta do caseiro. Mas foi igual o desrespeito à lei pelos “pelegos” da CEF. O “pelego” faz o que o cavaleiro manda, em especial quando este é um “companheiro” de alta hierarquia.
A partir do “núcleo duro” do governo, criou-se um estilo que contamina muita gente na administração federal. Atento ao marketing e às pesquisas eleitorais, Lula joga para a arquibancada, promete investigação, punições etc., assim transmitindo a imagem de que não tem nada a ver com isso.
Os ministros, por seu lado, tratam de amaciar as coisas, deslocar o foco, dilatar prazos etc. Foi na preocupação de deslocar o foco que o ministro do Trabalho, um ex-sindicalista, usou palavras de desprezo a propósito do caseiro, segundo ele, manipulado pela oposição. Quanto ao ministro da Justiça, seu papel é o de amaciar, buscar atenuantes. Conhecido criminalista, reconheceu que o assunto “é grave e será apurado”, mas, logo a seguir, disse que isso é prática usual, tratando o crime como se fosse um “vazamento”. Não tem algo de semelhante sua intervenção nas patranhas do “mensalão” do Delúbio e do Marcos Valério? Quanto ao presidente da CEF, que dirige um banco altamente informatizado, ninguém acreditou quando ele disse à imprensa que precisava de “quinze dias” para descobrir quem cometeu o crime contra os direitos de Francenildo. E, agora, o COAF se dedica a investigar a vida financeira do caseiro.
A propósito, que dizer do delegado da Polícia Federal que, ao ser indagado pela imprensa por que ainda não abrira inquérito depois de vários dias do crime, teve o desplante de responder: “Como demorando? Você está no Brasil, pelo amor de Deus!” Como a COAF, a PF se dedica agora a investigar Francenildo, na evidente tentativa de intimidação do governo contra cidadãos, especialmente os mais pobres, que se disponham a acusá-lo.
O cidadão que acompanha a avalancha dos fatos e a degenerescência de conceitos, instituições e personalidades não consegue entender por que a oposição, supostamente tão poderosa, é incapaz de abrir, na forma da lei, o sigilo bancário do ex-sindicalista, hoje empresário, Paulo Okamoto, que pagou contas do Lula não se sabe com dinheiro de quem. Ou do biólogo Fabio Lula da Silva, filho do presidente e hoje também empresário, favorecido por um milionário contrato com a Telemar, empresa da qual participam fundos de pensão, nos quais outros “pelegos” têm considerável influência.
É claro, o cidadão sabe que o STF, atendendo ao PT, impediu a continuação da presença de Francenildo na CPI. E, depois da inacreditável greve dos desembargadores de Minas Gerais, tem também a impressão de que o estilo pelego chegou ao sistema judiciário.
Meio século atrás um dos grandes temores da direita era de que o Brasil viesse a ser uma “república sindicalista”. Chegamos a ela, mas a direita não tem nada a temer. O que temos aí é apenas um governo de “pelegos”. E os “pelegos”, como é da sua natureza e dos seus privilégios, prejudicarão o povo, jamais os grandes interesses que a direita e eles próprios defendem. Se algum dia vier a se interessar pelo Brasil, que dirá Lech Walesa de Lula, se não que também é um “pelegão” e que também fracassou no governo?
FRANCISCO C. WEFFORT foi um dos fundadores do PT.
É decano do Instituto de Estudos de Políticas Econômicas e Sociais e professor visitante de História Comparada do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro
3 comentários:
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