sábado, março 25, 2006

"Nada sei"

Ver um grupo de amigos do ministro da Fazenda montar uma ''central de negócios'' e festas ''alegres'' é um escândalo que em qualquer país civilizado demoliria o governo na hora, sem prejuízo das sanções penais a que os responsáveis estivessem sujeitos. Ironicamente, menos de 15 anos após o fim da ''República das Alagoas'', quando o PT era ainda uma vestal, defensora implacável dos mores (costumes) e da res publica (coisa pública), surge a ''República de Ribeirão Preto''. A vestal transformou-se numa criatura sem vergonha e sem moral. Convém lembrar que nos tempos romanos as vestais que prevaricavam eram enterradas vivas. Será esse o destino de Palocci & companhia?

O governo do Molusco tornou-se mestre na arte do ''nada sei''. Pratica a verdadeira omertá (a lei do silêncio) da máfia. O problema é que a responsabilidade tem dono quando se trata de poder. Palocci diz que nunca foi à casa e apresenta, para ''prová-lo'', um álibi em ouro maciço: ''nunca dirijo em Brasília''. Mais estapafúrdio é quase impossível.

Mas vamos dar-lhe o benefício da dúvida e admitir que não soubesse da ''central'' montada a poucos minutos de seu ministério. Se nada sabia, é mal informado e não tem competência para ocupar ministério onde informação é tão vital quanto o ar que respiramos. Se o ministro nunca foi à casa, mas sabia de sua existência, o fato é mais grave. E se tivesse ido, poderia ser caracterizado como o chefe da quadrilha e, além disso, participante das alegres celebrações locais que - pelo noticiário - tinham mais a ver com Baco do que com Vesta.

Violação da privacidade!, gritam os acólitos do NeoPT (incluindo os de ''esquerda'') que pararam de criticar a política econômica, representada pelo vice-rei Henrique Meirelles e seu BC independente do Brasil (sem que os brasileiros tenham votado nisso), único poder, funcional e real, da atual república do NeoPT.

Se o ministro celebrava ou não suas dionisíadas não vem ao caso. O que interessa são as atividades econômicas da ''central''. Mas é bom lembrar sempre que o conceito de privacidade para homens públicos não é igual ao existente para o cidadão comum. Se vizinhos e vizinhas adultos se reunirem por conta e consentimento próprio para uma orgia, ninguém tem nada com isso. Mas se houver negócios escusos e mera suspeita de envolvimento de dinheiro público, a coisa muda inteiramente de figura.

Além disso, fica demonstrado que na República do NeoPT existem dois critérios de privacidade. Para Paulo Okamoto, o amigo de Luiz Inácio que generosamente pagava as suas contas, o sigilo bancário é sacrossanto. O STF garante esse ''direito'', como o concedido a Duda Mendonça para repetir ad nauseam ''não vou responder'', num deboche público que mostrou o ponto de avacalhação a que chegou o Brasil.

Desmascarado pelo motorista Francisco das Chagas Costa e pelo caseiro Francenildo Santos, o Nildo, Palocci insiste em mentir (como já mentiu antes). Nildo foi chamado à Polícia Federal para depor na quinta-feira à noite. Entregou os seus documentos, inclusive o cartão bancário. Enquanto depunha, a revista Época (do grupo de O Globo) conseguia uma cópia de seu extrato na Caixa Econômica Federal, mostrando que R$ 38 mil tinham sido depositados em sua conta nos últimos três meses.

A tentativa de desmoralizar a acusação é evidente, mas Francenildo já havia revelado que o depósito fora feito por um empresário piauiense, que seria seu pai. Nildo exigia reconhecimento, o empresário negou, mas mandou-lhe dinheiro. Tanto o empresário como a mãe de Nildo confirmam o fato.

Mas, mesmo que seu depoimento tivesse sido comprado, a pergunta é: quem quebrou o sigilo bancário de Francenildo sem ordem judicial? Foi a PF? De posse do cartão é possível chegar à conta, desde que se tenha equipamento adequado. Foram a PF e a Caixa? Um telefonema permitiria a alguém na Caixa chegar aos dados sem grande dificuldade. Ou foi a CEF? Houve crime escancarado. Se o caseiro estivesse mentindo e tivesse vendido seu depoimento, deveria ser rigorosamente punido, mas através de uma investigação e de acordo com a lei, exatamente com os mesmos direitos dos amigos do Molusco.
Fritz Utzeri