domingo, março 12, 2006

O LABIRINTO DOS GENERAIS

A imprensa de hoje informa que a ação policial-militar em curso nos morros do Rio de Janeiro, executada pelo Exército, teve situação de tiroteio que durou duas horas. Pergunto-me quem haverá de ter poder de fogo para segurar uma força - sabidamente treinada, numerosa, bem armada e conduzida por uma elite de oficiais de carreira, muito bem formada - sem sofrer sérias baixas, por tanto tempo, em terreno conhecido e vizinho à sede do I Exército. Ninguém, pelo que eu saiba. O fato é que os comandantes da operação estão com as armas travadas, fingem uma ação mais dura, fazem de conta que o vistoso uniforme verde-oliva é o bastante para impingir medo aos delinqüentes. Sobem o morro fazendo um desfile militar, viraram combatentes de fancaria. É um lamentável episódio, o que vemos. Nosso Exército sofreu a humilhação de trocar tiros por duas horas sem conseguir impor-se, sem destruir o inimigo, como seria da ordem natural das coisas.

Dois generais suicidam-se em curto espaço de tempo, gente na ativa e no comando de importantes tropas. Dois! Deixam de ser meros dramas pessoais para refletir a angústia de uma elite forjada na melhor tradição militar brasileira, que chega ao seu apogeu desamparada, desprotegida e humilhada pelos antigos inimigos, ora governantes. Os oficiais superiores matam-se, penso eu, por vergonha de ver o nosso glorioso Exército (as Forças Armadas no conjunto, na verdade) chegar a um limite que poderá ser uma encruzilhada. Humilhar-se e submeter-se a uma escória governante que lhe tem o maior desprezo e o trata como inimigo das lutas passadas – a guerrilha que ninguém esquece, as traições de Lamarca e da Intentona de 35 – e das futuras, pois essa gente quer mesmo chegar lá abrasada pelo cheiro de pólvora. E as Forças Armadas, queiram ou não, serão o último obstáculo para essa violência que eles pensam ser revolucionária. Está aí a indignidade perpetrada pelo MST contra a lei, no momento, sob o beneplácito da mídia e a conivência criminosas dos governantes, a invadir terras, empresas, laboratórios e, na esteira, destruindo tudo que podem, a começar pela ordem legal.

Ser general em meio a esse caos, sem nada poder fazer, é ser general castrado. Um eunuco com armas na mão, descarregadas. Os dignos matam-se. Os mais dignos haveriam que tomar providências.

Essa operação no Rio de Janeiro reflete uma ambivalência existencial. O Exército não pode deixar-se achincalhar no limite de ver suas armas serem tomadas à luz do dia, nas barbas dos comandantes, sem a menor cerimônia e sem nenhum MEDO por parte dos meliantes. É a prova definitiva do caos que substituiu a ordem da lei, da qual as Forças Armadas são as guardiãs constitucionais, em última instância. Por outro lado, os comandantes estão impedidos de dar a grande ordem, a de se eliminar, por uma maneira ou por outra, os inimigos da sociedade. Sobem os morros de peito aberto e de armas nos coldres, com ordem para não fazer vítimas, vale dizer, não usar tiros letais. É corajoso e estúpido. É deprimente. É renunciar ao único poder que uma força armada não pode renunciar, ao seu poder de fogo diante de um inimigo que não hesita em atirar. Não se pode começar uma batalha para perdê-la deliberadamente. É fazer de nossos soldados alvos ambulantes dos delinqüentes.

O episódio do general Albuquerque, desrespeitado pela empresa aérea que lhe tirou o direito de voar a Brasília, mostra o tamanho do ridículo a que foram expostos os nossos líderes militares. O comandante maior da Força Terrestre teve que se valer de expedientes para poder embarcar, quando deveria ter à sua disposição uma aeronave privativa. Falsos ministros, de inutilidade comprovada, como esses da Pesca, do Meio-ambiente, da Reforma Agrária e congêneres, têm jatinhos da Força Aérea à disposição para deslocamentos cujos objetivos são levá-los para reuniões inúteis e desimportantes. O comandante maior da Força Terrestre tem que se deslocar em aviões de carreira e sujeitar-se a esse tipo de humilhação. É aterrador ver nossos generais passarem por essa situação grotesca. De fato, se não tiverem coragem para matar-se deveriam pensar em um meio de resolver a situação. Parece não haver terceiro termo nessa equação dantesca.

Caxias deve estar revirando-se no túmulo. Os que carregam no sangue a sua estirpe terão que descruzar os braços. A História não registrou nem seu suicídio e nem a sua desonra.

Nivaldo Cordeiro
www.nivaldocordeiro.org

Nenhum comentário: