quarta-feira, junho 21, 2006

A distância entre Lula e Jiabao

Javier Solana, ministro das Relações Exteriores da União Européia, deixou escapar uma reveladora confidência. Num seminário realizado recentemente na Espanha, Solana contou que o presidente Lula da Silva lhe narrou sua frustrante experiência com as autoridades chinesas. Lula havia ido a Pequim com a expectativa de criar uma espécie de eixo político-econômico, que incluiria a China, a Índia, a África do Sul e o Brasil, mas não encontrou a menor receptividade entre os chineses, a peça-chave desse pólo emergente do Terceiro Mundo que tentava fomentar.

Essa historieta pode ajudar a entender a diferença fundamental entre a visão internacional do primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, geólogo e um “aparatchik” veterano, e a de Lula da Silva. O mandatário asiático é um estadista pragmático, mais interessado em continuar com a incrível façanha econômica de seu país do que em se entregar a rivalidades políticas planetárias típicas da guerra fria, ao passo que o presidente latino-americano, apesar de sua relativa e talvez crescente moderação, continua preso a falsos esquemas políticos de antanho que projetavam um mundo hostil em que se enfrentavam o Oriente e o Ocidente, o Norte e o Sul, países pobres e ricos, um panorama beligerante que, supostamente, exigia que se protegessem sob a abóbada de algum bloco salvador.

Jiabao, tal como seus antecessores, há 15 ou 20 anos já tinha aprendido uma lição que Lula da Silva, como tantos outros políticos latino-americanos de esquerda, não conseguiu entender de todo: é uma grande estupidez pensar que as nações capitalistas do mundo fecham as portas do desenvolvimento aos países mais atrasados. Essa foi uma flagrante mentira propalada pelo marxismo e irresponsavelmente repetida por diversas vozes dessa vasta família de gente amodorrada pela ideologia e pelas diretrizes que os dirigentes da China continental baniram de suas análises.

Como os dirigentes chineses mudaram a sua percepção da economia e das relações internacionais? Muito simples: observando o destino de outros chineses mais afortunados. Em 1976, quando morreu Mao Tsé-tung, os chineses mais bem informados, especialmente os que estavam na cúpula dirigente do Partido Comunista, já se haviam dado conta de uma dolorosa realidade que os afastava dos dogmas defendidos pelo Grande Timoneiro: Hong Kong, Taiwan e Cingapura estavam no caminho da riqueza, da prosperidade e do desenvolvimento popular. Os chineses que acreditavam na propriedade privada e no mercado, os que haviam abraçado a globalização, triunfavam. Em contrapartida, os que continuavam aferrados às superstições do coletivismo e agitavam o Livro Vermelho nas manifestações de massa viviam na miséria e na escassez.

Por isso, Wen Jiabao ignorou desdenhosamente a convocação de Lula. Para que enfrentar os Estados Unidos e outras potências econômicas se, graças às boas relações comerciais, industriais e financeiras com o grande mundo capitalista, a China conseguiu que 300 milhões de pessoas ingressassem na classe média e consumissem como ela? À China - que possui mais de US$ 800 bilhões de reservas, é o segundo maior credor dos Estados Unidos e o primeiro exportador para esse país - o que convém não é o conflito com Washington, muito menos a sua ruína, mas o sucesso crescente da nação americana e da União Européia, para poder manter as taxas anuais de crescimento de 10% a 12%, com o objetivo de poder resgatar da miséria os bilhões de chineses que ainda aguardam na sarjeta uma oportunidade de viver dignamente.

Carlos Alberto Montaner, jornalista e escritor cubano, é co-autor do livro Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano

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