segunda-feira, fevereiro 20, 2006

O político é um fingidor

O político é um fingidor

Parodiando um clássico poema de Fernando Pessoa, classifico o político brasileiro, em sua maioria, como um fingidor, que finge tão completamente a ponto de fingir que são verdades as mentiras que deveras profere em suas declarações, atuações, depoimentos e campanhas.

Por falar em mentira, Ruy Barbosa escreveu o poema ''Mentira'': ''Mentira de tudo, em tudo e por tudo. Mentira na terra, no ar, no céu. Mentira nos protestos. Mentira nas promessas. Mentira nos progressos. Mentira nos projetos. Mentira nas reformas. Mentira nas convicções. Mentira nas soluções. Mentira nos homens, nos atos e nas coisas. Mentira no rosto, na voz, na postura, no gesto, na palavra, na escrita. Mentira nos partidos, nas coligações e nos blocos. Mentira nas instituições, mentira nas eleições. Mentira nas apurações. Mentira nas mensagens. Mentira nos relatórios. Mentira nos inquéritos. Mentira nos concursos. Mentira nas embaixadas. Mentira nas candidaturas. Mentira nas garantias. Mentira nas responsabilidades. Mentira nos desmentidos. A mentira geral. O monopólio da mentira''.

Para complementar o raciocínio sobre o tema, fiz uma pequena adaptação para a política do poema ''Poeta Fingidor'', de Zena Maciel: ''Não acredito nos políticos! São como os falsos profetas. Adoçam a vida com o mel e beijam o sorriso com o escárnio do fel. Jogam palavras ao vento. Viajam pelo país como arautos do bem-estar social para mascarar sua própria iniqüidade! Amam o amor com a efemeridade da flor! Um anjo sedutor! Adornam a política com letras doces de magia que encantam a alma do crédulo eleitor. Usam a promessa para vender ilusão e semear vantagens pessoais. Bebem na boca do falso altruísmo. Pintam um país tão próspero como um jardim de sonhos com um futuro promissor! Escrevem leis e tomam decisões. Fingem que são suas as dores do povo, mas são simples traidores. Seus redutos são um grande harém. Amam a todos. No fundo não amam ninguém e fazem do poder o que bem lhes convêm. Não importa se estão a ferir outrem!''.

Tudo isso mostra a intemporalidade do pensamento sobre a ligação entre a mentira, o fingimento e a política. Nem precisei criar um texto novo, apenas trouxe do passado sentimentos que se encaixam perfeitamente aos nossos dias. O retrato atual de nosso país mostra que fingimos ser uma potência emergente e que estamos longe do desenvolvimento. A nossa realidade está escondida em favelas esfomeadas e desempregadas, aposentados judiados, escolas sem professores e merendas, hospitais sem médicos, leitos e medicamentos, esgotos e lixões a céu aberto, transporte público degradado, infra-estrutura sucateada e obsoleta, direitos humanos esquecidos, meio ambiente abandonado, justiça social sonegada, segurança pública falaciosa e em políticos oportunistas e governantes dominados pela amnésia do poder.

Certa vez, um jogador de futebol, inconformado com os atrasos de salários em seu clube e questionado sobre suas pífias atuações em campo, disse o seguinte: eles fingem que me pagam e eu finjo que jogo. Seria esta a estratégia dos políticos e governantes? Eles fingem que legislam e governam e nós fingimos que acreditamos, mas continuamos a pagar os tributos, sem fingimento. Portanto, devemos ficar atentos para não continuarmos fingindo que votamos, senão seremos os verdadeiros fingidores, objetos de manipulação por parte daqueles que costumam usar o expediente da mentira para enganar eternamente o povo.

Marcus Quintella (marcusquintella@uol.com.br) é professor do IME e da FGV.
Jornal do Brasil28/11/2005