O Carnaval parece ter tido origem em antigas comemorações pagãs, em geral de grande alegria e liberalidade
Desde as mais recuadas eras, os diferentes povos estabeleceram algumas festas de grande alegria.
Assim, encontram-se entre os egípcios as festas de Ísis (deusa antropomórfica da magia e da ressurreição) e do touro Ápis (deus da fecundidade e do renascimento, representado por um touro branco com um disco solar entre os chifres); as dionisíacas (danças e festas em homenagem ao deus Dionísio -festa em honra de Baco, deus do vinho, entre os romanos), entre os gregos; as lupercais (festas a Luperco ou Pã, deus protetor dos pastores e dos rebanhos, comemoradas em 15 de fevereiro, na Roma Antiga) e as saturnais (festas a Saturno, deus da agricultura, celebradas entre os dias 17 e 19 de dezembro, quando se comemorava a semeadura da safra), entre os romanos.
Todas envolviam festins, danças e disfarces. Embora seja muito difícil caracterizar a origem verdadeira do Carnaval, parece que os nossos atuais festejos estão intimamente associados às duas últimas festas romanas.
Logo após o início do Ano Novo, os romanos, nas calendas de janeiro, comemoravam as saturnais, festas instituídas por Janus em memória do deus Saturno, que, pela lenda, teria transmitido a arte da agricultura aos italianos.
Durante as saturnais, as distinções sociais não eram levadas em consideração. Os escravos ocupavam os lugares dos patrões, que os serviam à mesa. Nesse período, não funcionavam tribunais e escolas. Os julgamentos eram suspensos, e os condenados não podiam ser executados. Interrompiam-se todas as hostilidades. Os escravos percorriam as ruas cantando e se divertindo na maior desordem. As casas eram lavadas e purificadas. As pessoas de um certo nível social preferiam se retirar para o campo durante as saturnais, o que permitia ao povo celebrar com maior alegria esse período de liberdade.
Numa seqüência lógica aos excessos libertários, os romanos procediam à sua purificação pelas comemorações das lupercais, festas celebradas em 15 de fevereiro em homenagem ao deus Pã, matador da loba que aleitara os irmãos Rômulo e Remo, fundadores de Roma, segundo a lenda.
Nesses festejos, celebrava-se o princípio da fecundidade. Nas comemorações das lupercais, untados em sangue de cabra e lavados com leite, os lupercos, nus, com uma pele de bode sobre os ombros, saíam pelas ruas batendo nos pedestres com uma correia de couro. As mulheres grávidas saíam às ruas e se ofereciam às correadas, na esperança de escapar às dores do parto. Por outro lado, as mulheres com desejo de possuir um filho também procuravam ser atingidas pelos golpes das correias dos lupercos, na esperança de engravidar.
Como todos esses festejos, que consistiam essencialmente em mascaradas, disfarces e danças, já estivessem de tal modo implantados nos costumes quando do aparecimento do cristianismo, a igreja só teve uma saída: adotou-os e, ao mesmo tempo, procurou santificá-los.
De fato, o Carnaval parece ter tido origem nessas antiguíssimas comemorações pagãs, em geral de grande alegria e liberalidade, que eram celebradas durante a passagem do ano e com o objetivo de anunciar a próxima chegada da primavera. Com efeito, o atual Carnaval era o tempo de regozijo que ia desde a Epifania (6 de janeiro) até a Quarta-Feira de Cinzas. Com o tempo, essa festa acabou limitada aos últimos dias que antecediam o início da Quaresma, período de 40 dias a partir da Quarta-Feira de Cinzas até o domingo de Páscoa, durante os quais os católicos e ortodoxos fazem sua penitência.
O período carnavalesco variou e ainda varia segundo as tradições de cada país. Assim, parece que ele se iniciava primitivamente, na Idade Média, em 25 de dezembro, incluindo a festa de Natal, o dia do Ano Novo e a Epifania. Mais tarde, passou a ser comemorado desde o Dia de Reis até um dia antes das Cinzas. Em alguns lugares da Espanha, sua comemoração inclui também a Quarta-Feira de Cinzas. Em alguns países, só se comemora na terça-feira, ao passo que, no Brasil, é festejado no sábado, domingo, segunda e terça-feira.
Nos primeiros decênios do século 20, o jornalista Francisco Guimarães -o conhecido Vagalume-, percebendo que o Sábado de Aleluia se distanciava muito do período carnavalesco, introduziu no Rio de Janeiro a mi-carême (meia Quaresma), importada da França. Essa festa parisiense foi comemorada no Rio, nos anos de 1920 até 1922, anualmente. O vocábulo mi-carême foi abrasileirado para micareta ou micarema, cuja comemoração é muito comum nas cidades do Nordeste.
A vida humana está associada a fenômenos astronômicos e a ciclos naturais, como o ano e o dia que permitiram a elaboração dos calendários civis e religiosos, em que grandes festas universais (como Páscoa, Natal etc.) constituem lembranças astronômicas de grande importância histórica e econômica para a época em que foram instituídas.
Muitas dessas tradições de origem pagã foram absorvidas pelas religiões atuais do mundo ocidental. A maioria dos foliões do nosso Carnaval não sabe que estará inconscientemente fazendo apelo a uma reminiscência astronômica de origem lunar.
De fato, na Antigüidade, a importância dos astros era enorme na vida econômica e social. Como não possuíssem um calendário preciso que lhes permitisse prever com segurança a ocorrência do início das estações e, portanto, a época da semeadura e colheita, eram os povos primitivos, em especial os camponeses, obrigados a observar o céu.
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Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, 70, astrônomo, doutor pela Universidade de Paris, é criador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins (RJ). É autor de mais de 70 livros, dentre os quais "Anuário de Astronomia 2006".
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