quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Confrontador-geral da República

Jobim dita regras como magistrado, mas não segue as normas de maneira adequada

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, já passou do ponto há tempos. Portanto, neste momento não se trata mais de constatar os exageros do ministro no campo da soberba, da indiferença ao contraditório e da suposição de que seus atos e palavras sejam a expressão da verdade universal, e por que não dizer, divinal.

Isso ficou estabelecido lá atrás, quando admitiu com a maior naturalidade ter incluído, como relator, itens da Constituição sem submetê-los ao crivo dos constituintes. De lá para cá, Nelson Jobim só vem consolidando a impressão de que algo em sua alma lhe confere a convicção da superioridade moral, intelectual, política, jurídica e até pessoal em relação aos, só em tese, semelhantes.

Cria casos, polêmicas, compra brigas, faz inimigos (sempre entre os residentes do lado de fora do poder), avoca para si a tarefa de guardião dos direitos e garantias individuais, leciona democracia ao País, mas ele mesmo não faz o mais comezinho dever de casa no tocante à observância das normas mínimas de conduta adequadas à estatura de seu posto.

Em público não desmente e em particular alimenta as versões segundo as quais pretende em breve voltar à carreira política, candidatando-se à Presidência da República ou, quem sabe, à Vice-Presidência como companheiro de chapa de Luiz Inácio da Silva.

Não se sabe se deixa o assunto em suspenso para demonstrar seu menosprezo ao disse-me-disse da crônica política ou porque lhe interessa manter a dúvida no ar. Seja qual for o motivo, ao não definir com clareza seus projetos, Nelson Jobim atrai para si toda sorte de desconfianças.

Sendo a mais corriqueira delas a de que tem tomado decisões contrárias às investigações das denúncias de corrupção no Congresso no intuito de favorecer o governo e com ele manter relações políticas boas o suficiente para garantir sustentação aos seus planos para quando deixar o Supremo, daqui a dois, no máximo três meses.

Ontem, o ministro mais uma vez reagiu com virulência às críticas à sua decisão de proibir a quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico de Paulo Okamoto na CPI dos Bingos. Disse não admitir "patrulha". Falando em nome do Supremo, afirmou que o tribunal não se curva a pressões e, mais uma vez, discorreu sobre a legalidade democrática e seus preceitos.

Esqueceu-se, porém, de que tem sido uma fonte de constrangimentos para o Poder Judiciário em geral e o Supremo Tribunal em particular.

Não por causa do teor de suas sentenças - embora muitas possam realmente ser discutíveis -, mas pelo fato de continuar no exercício da magistratura sem a preocupação básica do pressuposto da isenção, dele retirado a partir do fato de que nem desmente pretensões políticas nem se declara impedido de julgar ações envolvendo possíveis aliados e/ou adversários. Para quem observa com tanto vigor a lei e avalia com rigor o comportamento alheio, o mínimo esperado seria uma conduta na conformidade desses mesmos critérios.

Mas o ministro Jobim prefere ignorar a realidade e se conduzir de acordo com seus interesses. Como não assume oficialmente projetos políticos, apega-se ao formalismo da suposta inexistência deles, e segue valendo-se das prerrogativas de presidente da instância máxima de decisão no País.

Enquanto se mantiver assim, acreditando-se acima do bem, do mal e da avaliação geral, o presidente do Supremo Tribunal Federal continuará sendo questionado. E cada vez mais, sem que possa exigir que lhe reconheçam autoridade para reclamar, pois foi dele a iniciativa. Foi dele a escolha de abrir a guarda e deixar que, no lugar da toga, lhe seja vestido o manto da suspeição.
DORA KRAMER para Estadão

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