domingo, fevereiro 12, 2006

Risco cai, mas para quem?

O risco-país está no nível mais baixo desde que se inventou esse indicador. Boa notícia, mas convém pô-la na devida perspectiva.
O risco-país não mede o risco que viver no país representa para seus habitantes, mas o risco que os credores da dívida pública correm de não receber seu rico dinheirinho. Ou seja, os credores estão felizes da vida.
Fácil de explicar porque. Tomemos, por exemplo, a palavra de Carlos Lessa, que foi presidente do BNDES no início do governo Lula, em artigo para esta Folha no último dia do ano passado:
"O governo federal paga R$ 146 bilhões de juros da dívida pública, a qual não pára de crescer e já se aproxima de R$ 1 trilhão. Segundo estimativa do professor Marcio Pochmann, 70% desses juros destinam-se a apenas 20 mil famílias. São R$ 110 bilhões para os muito ricos, em contraste com R$ 7 bilhões para os muito pobres. O governo pratica a mais brutal concentração de renda e riqueza do planeta. Aqui reside a grande maldição, que, com o tempo, só tem feito crescer".
O Marcio Pochmann citado trabalha no Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), da Unicamp, foi secretário da gestão Marta Suplicy em São Paulo, e gosta de lembrar que os recursos destinados ao Bolsa Família não ultrapassaram a barreira de 0,3% do PIB de 2004, enquanto que as tais 20 mil famílias, credoras de títulos públicos, receberam algo próximo de 7% do PIB em juros.
"É um programa de transferência de renda para os ricos", conforme disse ao número mais recente de "Desafios do Desenvolvimento", a excelente revista mensal do Ipea.
Nem os descerebrados da teoria da conspiração teriam a cara-de-pau de incluir Lessa e Pochman entre os conspiradores.
Fica claro, portanto, para quem o risco diminuiu: para 20 mil famílias. É bom que tenha sido assim, mas não estaria na hora de pensar nos outros 100 e tantos milhões?
Clovis Rossi