quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Considerações sobre um provérbio chinês - III

''Se queres cem anos de prosperidade, cultiva gente''.

Na terceira parte do provérbio, como já fizemos na segunda, vamos ver que em lugar de cultivar seres humanos, o Brasil não valoriza o conhecimento nem a cultura e isso começa pelo próprio presidente da República que não perde oportunidade de exaltar o fato de jamais ter estudado ou aberto um livro, uma idolatria da ignorância que ultrapassa a racionalidade e o senso comum.

Ainda recentemente em meio a um comício eleitoreiro, o Molusco voltou a fazer o elogio da ignorância, afirmando que não fazia concurso para mata-mosquitos porque se o fizesse os ''letrados'' estariam em vantagem. Sendo assim, viva a ignorância e fica estabelecido que para ser mata-mosquitos (e por extensão presidente da República) é melhor ser iletrado.

Aí está o cerne da questão e a terceira parte do provérbio chinês. China e Índia são países com imensos problemas sociais e populações além do bilhão, juntos eles abrigam mais de um terço da Humanidade. No entanto, esses dois países vêm se modernizando num ritmo vertiginoso, principalmente a China. Nos últimos 20 anos ,250 milhões de chineses ingressaram na classe média, mesmo caminho seguido por 150 milhões de indianos. Essa gigantesca ascensão social só foi possível por ter como base algo que o Brasil não leva muito a sério: a educação.

Em 1978 a China saía quase destruída da chamada Revolução Cultural de Mao Tsé-tung quando, após a morte de Mao, em 1979, os pragmáticos de Deng Xiaoping assumiram o poder e resolveram mover profundamente os fundamentos econômicos e educacionais do sistema. Naquela época, apenas 1,4% dos chineses estava na universidade. Hoje, 20% dos estudantes chegam à universidade. são mais de 20 milhões matriculados em mais de mil universidades. (Os Estados Unidos têm 16 milhões).

A China forma atualmente 450 mil engenheiros, dez vezes mais do que os EUA. Cerca de 200 mil freqüentam cursos de mestrado e doutorado na Europa e nos EUA. Formam-se anualmente 50 mil pos-graduados com o titulo de mestrado e 8 mil doutores. Enquanto o nosso Itamaraty dispensa o inglês para ingresso na carreira diplomática, a China tornou obrigatórias quatro horas semanais de inglês a partir do terceiro ano do ensino primário.

A China está fadada a ser a primeira economia mundial até a metade do século 21. Voltando a 1974, o Brasil era a oitava economia do mundo e a China sequer aparecia na lista. Este ano, a China já é a quarta economia mundial, inferior apenas à dos EUA, Japão e Alemanha E nós brigamos pelo 12º ou 13º lugar. Para dar uma idéia da pretensão chinesa, eles resolveram que nos próximos 20 anos criarão 10 universidades com o padrão de excelência de Harvard e ninguém duvide de que isso seja mesmo possível.

Para consegui-lo, os chineses quebram tabus que horrorizariam o nosso meio acadêmico. Recentemente, autorizaram a universidade inglesa de Nottingham a estabelecer um campus na cidade de Ningbo. As aulas são dadas em inglês e os estudantes pagam US$ 6,2 mil por ano, dez vezes mais do que em outras universidades chinesas. Boa parte dos professores veio da Inglaterra.

Grande parte dos quadros de professores das universidades chinesas foi formada nas melhores instituições do mundo e hoje lecionam lá cerca de 850 mil professores, contra 1,1 milhão nos EUA. Os cientistas chineses, um número considerável dos quais se formaram nos melhores centros de pesquisa, como o Massachussets Institute of Technology, nos EUA e na Europa, estão sendo chamados de volta ao país e encontrando laboratórios bem equipados, com excelentes condições de trabalho, equipes de apoio bem preparadas e atualizadas. O resultado é que cada vez aumenta mais a participação dos produtos chineses em setores de ponta da economia, de alto valor agregado. Isso é pensar grande.

O que temos de parecido no Brasil? Quando começaremos, enfim a ''plantar gente''? E não abandonar a maioria nas ruas e campos de nosso país? Quando? É ótimo ter as mais belas modelos do mundo e os mais talentosos astros do futebol, mas o futuro que um país como o nosso merece por seu potencial só virá através do conhecimento. Melhor é ter físicos, engenheiros, bioquímicos, médicos, professores e até operários que estudem e se qualifiquem. Presidentes de República, então... nem se fala.

Fritz Utzeri escreve às quartas no JB