Não há por que se espantar com a recuperação de Lula nas pesquisas de opinião, segundo as quais ele voltou ao índice de aprovação que tinha antes da crise iniciada em meados do ano passado. Muitos atribuem o fato à expansão de programas como o Bolsa Família, que seria garantia de voto nas classes baixas das regiões mais atrasadas, e à divisão da oposição, isto é, do PSDB, que também tem razões estratégicas para não proclamar o candidato agora. Além disso, o presidente tem uma mídia “espontânea” para lá de generosa, o que assegura ampla divulgação de qualquer poste de luz que inaugure, coisa que ele tratou de fazer à exaustão neste início de ano. Mas o motivo maior é simples: é o refluxo da crise do mensalão – crise que a irresponsabilidade geral da nação transformou num episódio quase anedótico e encerrado.
Escrevi em setembro do ano passado: “Não pense que Lula, por se achar acima do bem e do mal, protegido no pedestal de mito, não saiba o que fez e, acima de tudo, não saiba o que quer. (...) Está de olho em 2006. Sua aprovação vem caindo rapidamente, mas ainda é alta: 50% acreditam nele, não o consideram nem corrupto nem incompetente. Os juros começaram a cair, o que pode ajudar o crescimento a ser mais razoável no ano que vem. E ele deve calcular que a crise, com seus muitos focos – a cassação de Jefferson, a propina de Severino, a prisão de Maluf –, tende a arrefecer até a virada de ano.” Com perdão pelo trocadilho, bingo: Lula conseguiu jogar a culpa para o PT, dissociando sua imagem do partido que fundou e comandou durante um quarto de século, e circunscrever o escândalo ao Congresso, que apenas cassou os protagonistas do episódio e mais um punhado de coadjuvantes.
Tudo ficou como se o PT tivesse sido apanhado com a mão na cumbuca do caixa 2, da qual saiu mordido, jamais morto. A modalidade de fascismo que batizei de “todomundofazismo” pergunta “E quem não rouba?” e dá de ombros. E é nesses ombros da eterna complacência brasileira que Lula está sendo conduzido para as próximas eleições com força considerável. O velho e esquecido inconsciente freudiano contribui um monte: como a grande maioria das pessoas fez, faz ou faria o que os petistas fizeram, concede-se um perdão tácito. Este não é o país onde a metade dos trabalhadores não tem registro, onde a pirataria campeia solta, onde se dá mais propina que nota fiscal, onde os intelectuais vêem virtudes na malandragem? Pois então: Lula, o coitadinho que veio “lá de baixo”, é representativo dessa sociedade. A “novilíngua” petista, o jargão burocrático que disfarça tudo, deu certo. (Vimos o idioma novamente em funcionamento nesta semana, quando o ministro Palocci, em quem o mercado e seus porta-vozes vêem credibilidade e austeridade, corrigiu seu depoimento sobre o uso irregular do avião de um empresário alegando “imprecisão terminológica”: ele teria sido “disponibilizado”, não alugado.) Graças à benevolência safada da suposta oposição, à ineficiência da imprensa e da Justiça e aos interesses financeiros em jogo, tudo foi apurado superficialmente e ninguém punido a sério. Nossos dois conhecidos personagens, o Meia-Boca e a Meia-Verdade, deram as cartas.
Pode verificar como poucas pessoas entenderam a essência do escândalo. A maioria não se deu conta de que o PT e seus aliados, sob comando da dupla Lula & Dirceu, fizeram uma armação ilimitada com o dinheiro público, aparelhando a máquina, trocando verbas e propinas por licitações das estatais, praticando a mais antiga usurpação latino-americana. Só que tudo isso está ficando na história como um pecadilho. Se a economia no dia-a-dia não está tão ruim – a inflação está baixa, o salário mínimo subiu, empregos formais estão surgindo – e o PSDB parece o velho e não o novo, por que se decidir agora sobre uma eleição que só ocorre daqui a oito meses? As campanhas, não os princípios, vão escrever o resultado dela. Mais uma vez.
Daniel Piza
Um comentário:
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