por Maria Jandyra Cunha
A história é uma galeria de quadros onde há poucos autênticos e muitas cópias, ensinou-nos o cientista político francês Aléxis Tocqueville (1805-1859). Entre os quadros originais está o conflito vivido por líderes nazistas presos acusados de crimes de guerra perante o tribunal especial de Nuremberg, um marco do direito internacional.
O julgamento de Nuremberg, iniciado formalmente em 20 de novembro de 1945, foi idéia do ministro do Exterior da União Soviética, Vyacheslav Molotov, três anos antes. Os soviéticos temiam que os seus aliados pudessem entrar em acordo com os alemães depois que a Grã-Bretanha se negou a julgar Rudolf Hess, o segundo na hierarquia do III Reich, que havia voado até a Escócia em 1941. A Declaração de Moscou, assinada em novembro de 1943, determinou que os grandes criminosos seriam julgados por um tribunal internacional.
Quando Joseph Stalin, Winston Churchill e Franklin Roosevelt discutiram o assunto durante a Conferência de Teerã, o secretário do PC soviético sugeriu a liquidação de 50 mil líderes alemães. O Primeiro Ministro britânico achou excessivo tal número, pois defendia uma lista restrita de criminosos de guerra específicos para evitar as complicações oriundas de um processo judiciário longo. O presidente estadunidense foi mais caloroso às idéias de Stalin, embora concordasse que era demasiada a quantidade de 50 mil execuções. Sugeriu com ironia um mil a menos, “apenas” quarenta e nove mil penas capitais. Indignado, Churchill retirou-se do recinto, seguido pelo aliado russo, que afirmou estar brincando.
O fato é que, no final da guerra, os Aliados haviam chegado a um consenso em relação à forma e aos procedimentos a serem seguidos em Nuremberg. Entre esses, o interrogatório dos acusados, sob juramento, feito por seus advogados de defesa e pela acusação. A garantia do acusado se recusar a responder perguntas que lhe incriminassem foi outro impedimento acertado entre os Três Grandes.
O principal argumento da acusação foi o de que existia um plano claro que era compartilhado por todos os acusados e que nele havia a intenção, desde o início da guerra, de se cometerem crimes específicos, entre os quais o assassinato em massa de judeus. A defesa, em contrapartida, tentou mostrar que no III Reich desencadeavam-se, no pano de fundo de um caos administrativo, lutas pelo poder que levavam à ausência de uma liderança real. Em alguns casos, insistiram os advogados na tese de que os acusados não acreditavam na ideologia nazista e sequer haviam lido Mein Kampf, a Bíblia do nacional-socialismo escrita na prisão por Adolf Hitler. O major do Exército dos Estados Unidos Leon Nathaniel Goldensohn, que serviu como psiquiatra na prisão de Nuremberg durante sete meses, falou regularmente com 21 prisioneiros da cúpula nazista que ali já estavam quando ele chegou. Aos 34 anos, Goldesohn acreditava que uma patologia explicaria as ações depravadas dos acusados. Os prisioneiros sabiam que, de acordo com os procedimentos de pesquisa científica da época, o psiquiatra os via como objetos de investigação, sem se preocupar que as relações pesquisador-pesquisado estivessem protegidas pela confidencialidade. O que atualmente seria um deslize ético foi bem aproveitado pelos réus que, com inteligência acima da média (sete dos 21 testados atingiram o QI de 130-139 e dois, a faixa de 140-149), faziam declarações que depois poderiam ser usadas em sua defesa no tribunal. Registrado no livro As entrevistas de Nuremberg (Companhia de Letras, 2005), o trabalho de Goldensohn revela o improvável: uma falta da visão do todo por parte dos acusados.
Curiosamente, é também 21 o número de dirigentes que cinicamente alegam o desconhecimento do Caixa 2 e outros crimes cometidos pelo Partido dos Trabalhadores. Nenhum deles tem a favor de si um atestado de insanidade mental. Como os acusados de Nuremberg, vêem-se quase sempre como cidadãos produtivos, bons chefes de família, pais extremados. Como na Alemanha de Hitler, esses cidadãos ilibados alegam ignorar o que se passava no Reich vermelho à sua volta e, em alguns casos, admitiram estar apenas cumprindo ordens. Mesmo sem ter promovido o grave crime da faxina étnica como os companheiros de Nuremberg, a cúpula do PT deve ser julgada pelo crime de ter enganado o povo. O Estado-Maior petista não passaria ileso pelo banco dos réus de Nuremberg.
Maria Jandyra Cunha é lingüista e pesquisadora da Universidade das Índias Ocidentais.
3 comentários:
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