terça-feira, setembro 11, 2007

Rio-Brasília e os tiros no poder

Os traficantes do Rio colocaram de joelhos ministros, secretário de Estado e jornalistas. Atiraram no trem, feriram a sociedade. A polícia revidou. Quem vive no Rio exige a derrota incondicional dos bandidos, clama por segurança. E paz. Uma utopia? Talvez...

Os senadores, em Brasília, se fecham amanhã. Em sessão secreta, com voto secreto, decidem se o presidente da Casa deve, ou não, perder o mandato por quebra de decoro parlamentar. Em segredo, deliberam o destino do colega envolvido até o pescoço na suspeita de diversos crimes. Miram em Renan Calheiros. A sociedade os julgará pela pontaria, ou pelo erro de mira. Quem vive no Brasil que ainda preza a ética exige a punição. Uma utopia? Talvez...

Céticos, os cariocas descobriram na ironia uma arma ocasional para enfrentar a violência. Diante das cenas do ataque ao trem do poder por, imagina-se, criminosos do Jacarezinho, concluíram que, antes da licitação e do início das obras, o Rio assistiu ao primeiro passeio do trem-bala (que, um dia, voltará a unir paulistas e fluminenses pelos trilhos).

Céticos, os brasileiros acompanham o desembarque dos políticos na capital federal. Não há piada que resista aos cambalachos protagonizados pelo comandante do Legislativo. Na derradeira cena antes da sentença proferida por seus pares, amanhã, telefonou para cada um dos 80 comandados no fim de semana prolongado pela data da Independência do país (esta a ironia da História). Pediu atenção para um calhamaço que denominou "memorial". E, é claro, suplicou pela absolvição.

Renan agoniza, independentemente do resultado final da votação. Prolonga o martírio pessoal e político porque acredita na manutenção do poder pela força, para afirmar o mínimo. Se pudesse, adotaria artilharia mais pesada para obrigar os iguais a decretarem sua inocência. Não, não usaria o arsenal do tráfico para tanto. Mas, quem sabe, um outro, que promove estragos e feridas na alma.

Seus pecados são inúmeros. O mais grave, na definição de um companheiro de partido, Jarbas Vasconcelos, histórico fundador do PMDB - legenda que Renan incorporou apenas para assegurar um lugar de destaque na política provinciana de seu Estado natal - foi manter-se na presidência do Senado. "Usou a cadeira de presidente e a estrutura do Poder como estratégia de defesa", lamentou Jarbas em entrevista ao Estado de S. Paulo. "É uma falta imperdoável".

Renan impôs ao Senado e à sociedade um calvário que se prolonga há 100 dias. A ninguém cabe, hoje, o papel de adivinho dos humores do Senado. Uma certeza, contudo, descortina-se do emaranhado dos mistérios que ficarão protegidos pelas portas cerradas do plenário azul. Se absolvido, Renan não terá encerrado seu martírio na fogueira pública. Outros três processos o aguardam no Conselho de Ética. Continuará a queimar na praça. E a torrar a credibilidade da Casa que deveria preservar e respeitar.

Os traficantes do Rio violentaram o Estado ao atirar sobre as autoridades no trem. Renan Calheiros violenta o Senado e o Legislativo com seu doentio apego ao posto. Nesta quarta-feira, ao registrar o sim ou o não à cassação do mandato do político acusado de pagar contas pessoais com recursos de um lobista de empreiteira, os senadores estarão contando aos brasileiros como reagiram ao atentado político. Revelarão se foram vítimas. Ou comparsas.

Ana Maria Tahan para Jornal do Brasil

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