quinta-feira, setembro 06, 2007

Herança maldita

Merval Pereira - O Globo - 6/5/2004

Para se ter uma idéia de como a atuação oposicionista radical do PT se reflete hoje no governo, basta lembrar que o PT votou contra o Fundef, que mudou radicalmente o financiamento do ensino fundamental no país; contra a criação da CPMF; contra a Lei de Responsabilidade Fiscal; contra a reforma da Previdência; contra a privatização das telecomunicações, entre muitos outros votos não. E hoje é a favor de todas elas.

Esses exemplos, retirados de uma lista imensa de votações, são de alguns pontos que, chegando o PT ao governo, receberam tratamento completamente diverso da permanente linguagem oposicionista que o PT usava inapelavelmente no Congresso.

O Partido dos Trabalhadores foi contra a criação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), destinada ao Fundo Nacional de Saúde para financiamento de ações e serviços de saúde, solução proposta pelo então ministro Adib Jatene para cobrir um déficit de R$ 6 bilhões.

Hoje, embora o dinheiro freqüentemente não vá exclusivamente para a saúde, a CPMF, além de útil no combate à sonegação fiscal, é tão imprescindível para fechar as contas públicas que o próprio governo petista quis transformá-la em permanente na reforma tributária, e desvinculou-a oficialmente dos gastos com a saúde.

Mas, na ocasião da votação, o PT fechou questão contra, a tal ponto que 22 deputados do nível da atual prefeita de São Paulo, Marta Suplicy; do presidente nacional do partido, José Genoino; do atual prefeito de Aracaju, Marcelo Déda; do falecido prefeito de Santo André e coordenador da campanha presidencial de Lula, Celso Daniel; e da economista Maria da Conceição Tavares, fizeram uma declaração em separado de apoio à criação da CPMF, mas admitindo que, diante do fechamento de questão do partido, não podiam se rebelar.

O atual ministro dos Esportes, Agnelo Queiroz, do PCdoB, que é médico, defendia o projeto da CPMF, que nasceu no Conselho Nacional de Saúde. Os oposicionistas que defendiam a CPMF diziam que apenas os banqueiros e sonegadores eram contra ela.

O falecido deputado federal Sérgio Arouca, do PPS, especialista em saúde pública, não poupou o PT de críticas e chegou a insinuar que o PT estava “jogando politicamente para o futuro”, afirmando: “as pessoas que estão morrendo hoje, estão morrendo hoje, e ninguém fará com que sobrevivam amanhã”.

No segundo turno, o PT buscou obstruir a votação e ironicamente o hoje líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio, denunciou “a aliança respeitável, respeitosa e legítima do Partido dos Trabalhadores com o deputado Paulo Bornhausen(...)”. O deputado é filho do senador Jorge Bornhausen, presidente do PFL e hoje um aliado do senador Virgílio na oposição.

O Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) promoveu uma transformação radical na estrutura de financiamento do ensino fundamental no país e foi implantado em 1 de janeiro de 1998. Provocando o aumento médio da remuneração dos professores de quase 30%, sendo que no Nordeste esse aumento chegou a 60%.

O número de alunos matriculados nas redes públicas do país cresceu. O número de professores do ensino fundamental aumentou em 10%. Tudo isso aconteceu contra o voto do PT. Mas o Fundef deu tão certo que hoje o governo petista está preparando o lançamento do Fundeb, para o ensino básico.

No dia 24 de maio de 1995, a Câmara votou a emenda constitucional que quebrava o monopólio estatal nas telecomunicações. O deputado petista Gilney Viana denunciou que a soberania nacional estava em risco. O atual Ministro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, Jaques Wagner, chegou a discursar afirmando que “se a informação de que aqui há o menor número de telefones por habitantes é verdadeira , seguramente não é por conta da Telebras. É porque aqui existe a maior concentração de renda do mundo, neste país existe o pior salário-mínimo do mundo”.

Para azar de Jaques Wagner, que até recentemente foi ministro do Trabalho, o salário-mínimo do governo ao qual pertence continua sendo “o pior do mundo”. E a expansão dos telefones prova que a culpa era mesmo da estatal Telebras, que o petismo defendia. O deputado Fernando Gabeira, então no Partido Verde, apoiou a privatização e acusou o PT de estar defendendo as corporações estatais.

E hoje o governo petista vê de bom grado a chegada ao país da multinacional mexicana Telmex, que comprou a Embratel. Sem mover uma palha a favor de um consórcio nacional que também disputava a compra.

Em janeiro de 2000, começou a tramitação da Lei de Responsabilidade Fiscal, que faz com que os estados tenham metas fiscais a cumprir, como um superávit primário em média de 3,5% do PIB. A dívida total dos estados, que correspondia a cerca de 3,8 vezes a sua receita corrente, em 1997, quando foi feita uma renegociação compulsória, já tinha caído para 1,9 vez em 2000, abaixo do limite fixado pelo Senado em 2 vezes.

A discussão da Lei de Responsabilidade Fiscal incluiu várias negociações com o PT, como contei na coluna de ontem, até mesmo a renegociação da dívida da cidade de São Paulo, preocupação constante do senador Eduardo Suplicy, que certamente já farejava a possibilidade de sua mulher então, Marta Suplicy, vir a ser prefeita da cidade.

A Lei de Responsabilidade Fiscal é tão fundamental para o equilíbrio das contas públicas, apesar das dificuldades financeiras de estados e municípios, que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci — que como deputado federal votou contra ela — disse recentemente que o ex-ministro Pedro Malan merecia uma estátua por ter renegociado as dívidas dos estados.

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