segunda-feira, fevereiro 27, 2006

A origem lunar do Carnaval

O Carnaval parece ter tido origem em antigas comemorações pagãs, em geral de grande alegria e liberalidade

Desde as mais recuadas eras, os diferentes povos estabeleceram algumas festas de grande alegria.
Assim, encontram-se entre os egípcios as festas de Ísis (deusa antropomórfica da magia e da ressurreição) e do touro Ápis (deus da fecundidade e do renascimento, representado por um touro branco com um disco solar entre os chifres); as dionisíacas (danças e festas em homenagem ao deus Dionísio -festa em honra de Baco, deus do vinho, entre os romanos), entre os gregos; as lupercais (festas a Luperco ou Pã, deus protetor dos pastores e dos rebanhos, comemoradas em 15 de fevereiro, na Roma Antiga) e as saturnais (festas a Saturno, deus da agricultura, celebradas entre os dias 17 e 19 de dezembro, quando se comemorava a semeadura da safra), entre os romanos.
Todas envolviam festins, danças e disfarces. Embora seja muito difícil caracterizar a origem verdadeira do Carnaval, parece que os nossos atuais festejos estão intimamente associados às duas últimas festas romanas.
Logo após o início do Ano Novo, os romanos, nas calendas de janeiro, comemoravam as saturnais, festas instituídas por Janus em memória do deus Saturno, que, pela lenda, teria transmitido a arte da agricultura aos italianos.
Durante as saturnais, as distinções sociais não eram levadas em consideração. Os escravos ocupavam os lugares dos patrões, que os serviam à mesa. Nesse período, não funcionavam tribunais e escolas. Os julgamentos eram suspensos, e os condenados não podiam ser executados. Interrompiam-se todas as hostilidades. Os escravos percorriam as ruas cantando e se divertindo na maior desordem. As casas eram lavadas e purificadas. As pessoas de um certo nível social preferiam se retirar para o campo durante as saturnais, o que permitia ao povo celebrar com maior alegria esse período de liberdade.
Numa seqüência lógica aos excessos libertários, os romanos procediam à sua purificação pelas comemorações das lupercais, festas celebradas em 15 de fevereiro em homenagem ao deus Pã, matador da loba que aleitara os irmãos Rômulo e Remo, fundadores de Roma, segundo a lenda.
Nesses festejos, celebrava-se o princípio da fecundidade. Nas comemorações das lupercais, untados em sangue de cabra e lavados com leite, os lupercos, nus, com uma pele de bode sobre os ombros, saíam pelas ruas batendo nos pedestres com uma correia de couro. As mulheres grávidas saíam às ruas e se ofereciam às correadas, na esperança de escapar às dores do parto. Por outro lado, as mulheres com desejo de possuir um filho também procuravam ser atingidas pelos golpes das correias dos lupercos, na esperança de engravidar.
Como todos esses festejos, que consistiam essencialmente em mascaradas, disfarces e danças, já estivessem de tal modo implantados nos costumes quando do aparecimento do cristianismo, a igreja só teve uma saída: adotou-os e, ao mesmo tempo, procurou santificá-los.
De fato, o Carnaval parece ter tido origem nessas antiguíssimas comemorações pagãs, em geral de grande alegria e liberalidade, que eram celebradas durante a passagem do ano e com o objetivo de anunciar a próxima chegada da primavera. Com efeito, o atual Carnaval era o tempo de regozijo que ia desde a Epifania (6 de janeiro) até a Quarta-Feira de Cinzas. Com o tempo, essa festa acabou limitada aos últimos dias que antecediam o início da Quaresma, período de 40 dias a partir da Quarta-Feira de Cinzas até o domingo de Páscoa, durante os quais os católicos e ortodoxos fazem sua penitência.
O período carnavalesco variou e ainda varia segundo as tradições de cada país. Assim, parece que ele se iniciava primitivamente, na Idade Média, em 25 de dezembro, incluindo a festa de Natal, o dia do Ano Novo e a Epifania. Mais tarde, passou a ser comemorado desde o Dia de Reis até um dia antes das Cinzas. Em alguns lugares da Espanha, sua comemoração inclui também a Quarta-Feira de Cinzas. Em alguns países, só se comemora na terça-feira, ao passo que, no Brasil, é festejado no sábado, domingo, segunda e terça-feira.
Nos primeiros decênios do século 20, o jornalista Francisco Guimarães -o conhecido Vagalume-, percebendo que o Sábado de Aleluia se distanciava muito do período carnavalesco, introduziu no Rio de Janeiro a mi-carême (meia Quaresma), importada da França. Essa festa parisiense foi comemorada no Rio, nos anos de 1920 até 1922, anualmente. O vocábulo mi-carême foi abrasileirado para micareta ou micarema, cuja comemoração é muito comum nas cidades do Nordeste.
A vida humana está associada a fenômenos astronômicos e a ciclos naturais, como o ano e o dia que permitiram a elaboração dos calendários civis e religiosos, em que grandes festas universais (como Páscoa, Natal etc.) constituem lembranças astronômicas de grande importância histórica e econômica para a época em que foram instituídas.
Muitas dessas tradições de origem pagã foram absorvidas pelas religiões atuais do mundo ocidental. A maioria dos foliões do nosso Carnaval não sabe que estará inconscientemente fazendo apelo a uma reminiscência astronômica de origem lunar.
De fato, na Antigüidade, a importância dos astros era enorme na vida econômica e social. Como não possuíssem um calendário preciso que lhes permitisse prever com segurança a ocorrência do início das estações e, portanto, a época da semeadura e colheita, eram os povos primitivos, em especial os camponeses, obrigados a observar o céu.

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Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, 70, astrônomo, doutor pela Universidade de Paris, é criador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins (RJ). É autor de mais de 70 livros, dentre os quais "Anuário de Astronomia 2006".

domingo, fevereiro 26, 2006

O Que É a Democracia?

Democracia vem da palavra grega “demos” que significa povo. Nas democracias, é o povo quem detém o poder soberano sobre o poder legislativo e o executivo.

Embora existam pequenas diferenças nas várias democracias, certos princípios e práticas distinguem o governo democrático de outras formas de governo.

Democracia é o governo no qual o poder e a responsabilidade cívica são exercidos por todos os cidadãos, diretamente ou através dos seus representantes livremente eleitos.

Democracia é um conjunto de princípios e práticas que protegem a liberdade humana; é a institucionalização da liberdade.

A democracia baseia-se nos princípios do governo da maioria associados aos direitos individuais e das minorias. Todas as democracias, embora respeitem a vontade da maioria, protegem escrupulosamente os direitos fundamentais dos indivíduos e das minorias.

As democracias protegem de governos centrais muito poderosos e fazem a descentralização do governo a nível regional e local, entendendo que o governo local deve ser tão acessível e receptivo às pessoas quanto possível.

As democracias protegem de governos centrais muito poderosos e fazem a descentralização do governo a nível regional e local, entendendo que o governo local deve ser tão acessível e receptivo às pessoas quanto possível.

As democracias entendem que uma das suas principais funções é proteger direitos humanos fundamentais como a liberdade de expressão e de religião; o direito a proteção legal igual; e a oportunidade de organizar e participar plenamente na vida política, econômica e cultural da sociedade.

As democracias conduzem regularmente eleições livres e justas, abertas a todos os cidadãos. As eleições numa democracia não podem ser fachadas atrás das quais se escondem ditadores ou um partido único, mas verdadeiras competições pelo apoio do povo.

A democracia sujeita os governos ao Estado de Direito e assegura que todos os cidadãos recebam a mesma proteção legal e que os seus direitos sejam protegidos pelo sistema judiciário.

As democracias são diversificadas, refletindo a vida política, social e cultural de cada país. As democracias baseiam-se em princípios fundamentais e não em práticas uniformes.
Os cidadãos numa democracia não têm apenas direitos, têm o dever de participar no sistema político que, por seu lado, protege os seus direitos e as suas liberdades.

As sociedades democráticas estão empenhadas nos valores da tolerância, da cooperação e do compromisso. As democracias reconhecem que chegar a um consenso requer compromisso e que isto nem sempre é realizável.
Gerhard Erich Boehme

O filho do presidente

"Da bolada toda, Lulinha deve ficar com uns 2 milhões de reais no bolso. Enriqueceu. Aos 31 anos, está perto de acumular seu primeiro milhão de dólares"

No Carnaval do poder, a cena é a seguinte: Fábio Luís da Silva, o filho do presidente Lula, desfila empoleirado no ponto mais alto de um carro alegórico de suspeitas e a arquibancada é convidada a olhar para o outro lado.

Fábio Luís da Silva, o filho do presidente Lula, enriqueceu no governo de seu pai. Sua empresa de games já recebeu uma bolada de 10 milhões de reais da Telemar, a maior telefônica do país, e receberá mais 5 milhões neste ano. Dá um total de 15 milhões, desembolsados em operações um tanto tortuosas. Da bolada toda, Lulinha deve ficar com uns 2 milhões de reais no bolso. Enriqueceu. Aos 31 anos, está perto de acumular seu primeiro milhão de dólares. Um sucesso. O nervo exposto é que o filho do presidente enriqueceu recebendo dinheiro à farta de uma concessionária de serviço público e que, além disso, ainda tem dinheiro público em sua composição. Motivo de suspeita e crise em qualquer quadrante do universo civilizado. Aqui quer se tapar o sol com a peneira em nome de não irritar o presidente.

Pode acontecer nas melhores famílias, mas, assim que soube que seu filho recebera os primeiros 5 milhões de reais da Telemar, o presidente Lula poderia ter pedido ao filho que tomasse a cândida providência de desfazer o feito. É duro censurar um filho. É mais duro ainda fazê-lo em público, pelo eco da humilhação. Mas Lula fez o oposto. "Filho de presidente está proibido de fazer negócios?", indagou na enésima demonstração de sua capacidade de tornar superficial o que é complexo. Se o filho do presidente quisesse fazer qualquer negócio lícito, da venda de jujuba na esquina à exploração científica do cosmo, poderia associar-se com quem quisesse, dentro ou fora do Brasil. Só não poderia fazer o que fez, esbaldando-se no cofre de uma concessionária de serviço público e que, nessa condição, tem óbvios e enormes interesses junto ao governo.

Lula não viu a uva. Ou fez que não viu. Ou viu e diz que não viu. O fato é que, além de patrocinar o indefensável, o presidente ainda fez questão de avisar aos deputados e senadores, especialmente os envolvidos nas CPIs, que encararia como uma torpeza intolerável se a guerra política degenerasse em ataques à sua família. De lá para cá, ficou mais ou menos decretado que qualquer movimento envolvendo membros da família presidencial significa torpeza e degeneração. Ficou mais ou menos entendido que filho do presidente não pode ser investigado. Está mais ou menos implícito que as suspeitas em torno de seu enriquecimento não podem ser esclarecidas. Na Inglaterra, a Scotland Yard estuda convocar o príncipe William para prestar explicações sobre suas constantes visitas a um pub suspeito de ser um ponto-de-venda de drogas. Em Israel, Omri Sharon, filho do primeiro-ministro Ariel Sharon, acaba de ser condenado a nove meses de prisão por uso de caixa dois na campanha eleitoral do pai. No único privilégio que recebeu, Omri Sharon foi autorizado a começar a cumprir a pena em agosto próximo, pois seu pai está inconsciente num hospital depois de sofrer um derrame no início do ano.

No Brasil do filhotismo, as coisas são diferentes. Mas o que fazer agora diante da notícia (veja reportagem) de que, enquanto o filho enriquecia com a Telemar, o pai trabalhava para mudar uma lei que atrapalhava os planos da mesma Telemar?

Com a palavra, os policiais, os promotores, os parlamentares.
André Petry

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Bono zero!

Como ativista político, Bono Vox é um grande cantor pop. E vem confirmar, nesta passagem pelo Brasil, o dilema cada vez mais desconfortável que ronda o show business: as causas sociais precisam das grandes estrelas, ou são as grandes estrelas que precisam das causas sociais?

Recentemente, o inglês Bob Geldof se superou. O ator-músico que se imortalizou no cinema vivendo o protagonista da ópera “Pink Floyd – The Wall” e depois virou militante profissional contra tudo de ruim que esse mundo tem, deu sua cartada de mestre. Conseguiu colocar a nata do pop no altar da solidariedade com um simples trocadilho. Seu famoso movimento Live Aid foi ressuscitado como Live 8 (rima rica) para fazer contraponto à reunião do G-8, o grupo dos países mais ricos. A mensagem era mais ou menos essa: eles estão falando lá dentro em defesa dos ricos, nós estamos cantando aqui fora em defesa dos pobres. Nunca foi tão fácil ser bonzinho.

Evidentemente, os pobres de verdade não escutam nem um acorde desse concerto emocionante. Dessa vez, nem arrecadação de dinheiro com venda de ingressos houve. Ficou tudo no terreno do simbólico, da sutileza. A mensagem vai se espalhar, os homens de boa vontade vão se comover, o apoio chegará aos institutos e ONGs de Geldof e seus amigos e toda essa bondade desaguará nas paupérrimas aldeias africanas. E os popstars internacionais, alguns sem agenda, outros sem disco, outros apenas decadentes, voltam para casa após o sacrifício de aparecer para o mundo inteiro em mais um show épico em defesa dos oprimidos.

Quem melhor assumiu a cara-de-pau desse tipo de iniciativa foi John Lennon, em 1969. Marketeiro, mas anarquista demais para manter a coerência, acabou praticamente admitindo que procurara um pretexto para o grande gesto rebelde de devolver a condecoração de Membro do Império Britânico. Na justificativa apresentada à Coroa e divulgada para a imprensa, o beatle informava que estava devolvendo a medalha por causa do papel nocivo de seu país nos conflitos em Biafra, na Nigéria e porque sua música nova, “Cold Turkey”, despencava violentamente nas paradas de sucesso.

Bono Vox chegou ao Brasil exaltando o papel do presidente Lula no combate à fome no país e no mundo. Em seguida, anunciou que doaria sua guitarra ao programa Fome Zero. Bono deve estar mesmo há muito tempo sem ler jornal. O que aconteceu com a cruzada mítica do governo popular do Brasil contra a pobreza já cansou de sair no “New York Times”, no “Guardian” e na “Economist”. Talvez o astro devesse ter sido levado diretamente ao município baiano de Teixeira de Freitas, aquele onde o Bolsa Família contemplava dono de botequim e filha de fazendeiro.

Até Lula já desistiu de ser esse símbolo que Bono quer que ele seja. O ex-operário já parou há muito tempo com essa brincadeira de encarnar o Padre Cícero. Pôs os pés no chão, livrou-se dos auxiliares que queriam transformar o governo em ante-sala do partido, identificou os setores da administração que estavam funcionando por baixo da mitomania, fixou-se nos resultados produzidos por eles e está a um passo da reeleição. Há quanto tempo não se ouve Lula falar de “Fome Zero”?

A bondade de Bono Vox é quase uma gafe. Ninguém em Davos, nem no Fórum Social chavista, ou em qualquer lugar do mundo fala mais em Lula como o salvador dos pobres. Descobriram que ele tinha muita vontade e pouco plano. Aí não vale. Nem contar os pobres o governo Lula mostrou saber. O ministro Ananias – outro sumido de cena – chegou a afirmar que não importava checar a freqüência escolar dos beneficiários do Bolsa Escola, que o importante era mandar o dinheiro logo para os necessitados. É a bondade em estado bruto. Sem falar no tempo que o professor Graziano levou para descobrir em que conta deveria depositar o cheque de Gisele Bundchen para o Fome Zero. Nesse ramo, uma dondoca da sociedade seria bem mais eficiente que os PhDs do PT.

Um popstar internacional em busca de uma causa é sempre algo um pouco constrangedor. Se está sem imaginação, é preferível ir no feijão com arroz: veste uma camisa da seleção brasileira, grita “Mengo” ou “Timão”, manda um beijo pro Jamelão da Mangueira e segue em frente. Ir beijar a mão de Lula no palácio, a esta altura dos acontecimentos, não fica muito bem para um justiceiro planetário. Terão falado sobre mensalão enquanto aguardavam os quitutes de Dona Marisa? “Bloody Sunday” é isso aí. Enquanto isso, o líder dos Stones ia conversar com os professores da escola do filho brasileiro. Enfim uma causa verdadeira. Mick dez, Bono zero.

Guilherme Fiuza

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Esquerdismo é teatro, nada mais.

Puro teatro, nada mais
Olavo de Carvalho

Quarta-feira, dia 15, a Folha de S. Paulo publicou uma entrevista minha, apresentando-me como o “decano”, entre merecidíssimas aspas, de uma nova corrente política de direita que estaria surgindo no país, e convocando, naturalmente, meia dúzia de tagarelas de esquerda para sondar as causas de tão alarmante fenômeno.

O fato mesmo de que ele tenha de ser explicado mostra o quanto parece anormal e surpreendente no Brasil de hoje.

Sou testemunha direta e pessoal da estranheza, mista de terror pânico, que a simples hipótese de alguma resistência, mesmo isolada, mínima e solitária, suscitava entre os esquerdistas uns anos atrás. Lembro-me perfeitamente bem da brutalidade mental psicótica com que reagiram ao meu ingresso em cena, reunindo-se instantaneamente em esquadrões de emergência para repelir o intruso. Os métodos usados revelavam a gravidade apocalíptica que enxergavam no episódio: xingar histericamente o recém-chegado, fingindo ao mesmo tempo superior desprezo olímpico; criminalizá-lo, atribuindo-lhe toda sorte de ligações sombrias com pessoas e entidades que ele ignorava por completo; acusá-lo alternadamente de ser um agente bem pago de potentados internacionais e um pé-rapado a quem ninguém jamais pagaria coisa alguma; suprimir toda menção aos seus livros e aulas de filosofia, para dar a impressão de que se tratava de um mero polemista de mídia; espalhar toda sorte de invencionices contra ele nas salas de aula, longe da possibilidade de uma resposta; por fim, mobilizar estudantes fanatizados para que o agredissem e matassem, e ao mesmo tempo chamá-lo de “raivoso”, como se numa competição de hidrofobia eu fosse páreo para terroristas e assassinos.

Tais foram os procedimentos de critica literária usados para o meu livro O Imbecil Coletivo .

Tudo isso revela até que ponto o esquerdismo era e é ainda o estado normal e obrigatório em toda a mídia, em todo o movimento editorial, devendo qualquer exceção ser denunciada como ameaça à ordem pública ou sintoma de desarranjo mental. À imagem e semelhança do que as placas nos botequins nos advertem quanto à condição de corintiano, o ser humano nasce, cresce, vive e morre esquerdista. Quando ele se recusa a fazer isso e já não se pode dar um sumiço no desgraçado, então é preciso chamar uma junta médica para diagnosticá-lo.

Dada a situação premente, alguns dos diagnósticos assumem a forma de uma busca de culpados pelo advento de semelhante descalabro.

Culpados não são difíceis de encontrar. O ambiente doméstico da esquerda tem hoje uma superpopulação de sacos de pancada. Se não fosse o “tombo ético” (sic) da administração petista, conjetura o jornal, parece que Olavo de Carvalho e quejandos jamais emergiriam das trevas do anonimato onde jaziam soterrados por um decreto da justiça cósmica.

Da minha parte, jamais vi “tombo ético” algum. Originado da promiscuidade entre o movimento sindical e a pseudo-intelectualidade uspiana, o PT é filho de um vigarista com uma prostituta. Nasceu ladrão e só evoluiu nos métodos. Exemplo da conduta de seu pai é a confissão da CUT, já em 1993, de que tinha oitocentos jornalistas na sua folha de pagamentos – uma compra de consciências por atacado que só encontra paralelo, talvez, no orçamento da KGB. Quanto à mamãe, tem vivido da impostura intelectual e do corporativismo mafioso da esquerda pelo menos desde os anos 50.

As denúncias de corrupção grossa no PT já datam de 1990. O único resultado que produziram foi a expulsão do denunciante. Atribuir a roubalheira atual a um “tombo” é um truque de linguagem usado pelos gerenciadores de danos para limpar o passado na imagem de um presente que já não se pode salvar. Sabem que no momento perderam toda credibilidade, mas querem guardar para o futuro os dividendos de uma lenda de santidade laboriosamente construída com a ajuda dos oitocentos empregadinhos da CUT.

O expediente serve também para cada um tirar o corpo fora da responsabilidade pela criação do monstro vexaminoso que é o PT no poder. Não havia nessa droga de partido um só militante ou simpatizante medianamente alfabetizado que, em 2002, ignorasse as denúncias de Paulo de Tarso Venceslau ou do irmão do prefeito Celso Daniel, nem os esforços da cúpula partidária para abafar ambos esses escândalos, esforços que, no segundo desses casos, vieram a ocorrer -- por coincidência, por pura coincidência, é claro – junto com o assassinato de seis testemunhas do processo. Se todos se recusaram a ver aí qualquer sinal de bandidagem no partido; se não só continuaram a confiar nele mas redobraram a aposta na sua idoneidade, ao ponto de fazer da eleição de Lula um acontecimento comparável ao Segundo Advento, por que foi? Só pode ter sido por uma destas duas razões: ou apegaram-se tão fanaticamente ao mito da santidade petista que mesmo fatos visíveis com os olhos da cara não podiam abalar sua fé; ou, ao contrário, sentiam perfeitamente o mau cheiro mas preferiram tampar o nariz para não perder a oportunidade de ter amigos e correligionários no poder, por mais fedidos que fossem. Na primeira hipótese, mostraram-se obstinados na credulidade até o limite da estupidez criminosa. Na segunda, provaram ser tão maldosos e vigaristas quanto qualquer José Dirceu. Em ambos os casos, desqualificaram-se completamente para qualquer ofício intelectual que se preze.

Duvido que, no fundo, muito no fundo, cada um deles não saiba disso perfeitamente bem e, ao contemplar-se solitário no espelho, não se veja com orelhas de burro ou feições de criminoso.

Como atenuar semelhante desconforto? Apelando, é claro, ao mesmo recurso de sempre: fingimento, pose, histrionismo. O intelectual ativista do Terceiro Mundo é, por tradição, um ator, um palhaço, um tipo caricato que, no esforço de ocultar seu próprio ridículo, se torna patético. É alguém que se alimenta da mentira e do auto-engano em doses que, para o cidadão comum, seriam letais.

Para camuflar ao mesmo tempo sua própria desmoralização e, de modo geral, a debacle irreversível do pensamento de esquerda no mundo, os diagnosticadores do neodireitismo empinam o narizinho, levantam professoralmente o dedo indicador, e, ante um público que presumem ignorar tudo, imitam seus próprios trejeitos de superioridade acadêmica de outras épocas, tentando mostrar que ainda são os donos do pedaço, os juízes supremos de toda aspiração intelectual possível, imbuídos da autoridade de barrar na porta os pretendentes novatos.

É claro que essa superioridade, mesmo em tempos passados, já era pura propaganda enganosa. O boicote geral a um Gustavo Corção ou a um Gilberto Freyre, o silêncio obsceno em torno da obra de um João Camilo de Oliveira Torres, já provavam que não havia ninguém na esquerda com cacife para discutir com qualquer dos três.

Mas, não podendo arrogar-se ostensivamente uma qualidade que já sabem duvidosa, limitam-se a dá-la como pressuposto implícito, na esperança de que seja aceita por distração. E, fazendo-se de juízes justos que só medem o similar pelo similar, tratam de ostentar desprezo à “nova direita” por meio de comparação com a “velha”, proclamando que já não há na praça nenhum Mário Henrique Simonsen, nenhum Roberto Campos, nenhum José Guilherme Merquior.

O grotesco da performance não tem limites. Desde logo, se esses três são até hoje os modelos de intelectuais conservadores mais citados pela esquerda, é graças apenas à afinidade que têm com ela, os dois primeiros por serem economistas e argumentarem numa clave bastante acessível ao cérebro esquerdista médio, o terceiro por ter raízes no esquerdismo acadêmico e jamais tê-las cortado para valer, ao ponto de só ter trocado o seu marxismo cultural de juventude por um ateísmo burguês de molde iluminista bem típico, inteiramente compreensível à mentalidade de seus adversários. O esquerdismo é uma cultura tribal, um círculo etnológico fechado que, no universo em torno, só reconhece o que lhe é semelhante. Mesmo o antagonismo já tem de vir catalogado, senão é tido por inexistente. Ninguém da tribo se aventurou jamais, por exemplo, a uma discussão com Miguel Reale, espírito incalculavelmente superior aos três citados, porque isso obrigaria a leituras que escapavam, de longe, à esfera de percepções habituais da esquerda na época. Muito menos havia na taba quem pudesse entender, mesmo por alto, a obra de um Vicente Ferreira da Silva, de um Vilém Flusser, de um João Camilo, de um Paulo Mercadante. Nem menciono Mário Ferreira dos Santos, tão grande que escapa não apenas à visão, mas à imaginação esquerdista. Não que o desconhecessem. Conheciam-no perfeitamente, e passaram por tantas humilhações na presença dele que por fim o excluíram do seu horizonte de consciência, como se faz com um trauma que não se consegue superar. Amputados os andares superiores, a cultura conservadora recortada à escala do QI esquerdista compõe-se de dois economistas e um crítico literário – muito bons os três, cada um no seu domínio, mas nenhum necessário, em termos absolutos, à formação de um pensamento conservador intelectualmente relevante.

Ao escolher essa régua para medir a “nova direita”, os saberetas consultados pela Folha mediram-se tão somente a si mesmos.

No mais, o fenômeno conservador que assinalam, abstraída a minha obra pessoal da qual não se aventuram a dizer um “a”, pois não são bobos de dar a cara a tapa, se limita até agora à crítica jornalística, o que torna ainda mais extemporâneo o julgamento que fazem. Esse neoconservadorismo, ainda no berço, não tem sequer expressão política, quanto mais uma produção bibliográfica que pudesse ser confrontada com as de Merquior, Simonsen e Campos, acumuladas ao longo de décadas de trabalho. As próprias condições adversas em que surgiu, incomparáveis com o conforto e a segurança de que desfrutaram esses três, tornam o paralelo esboçado na Folha apenas um exercício de cinismo e impropriedade, bem ao feitio de quem, não tendo a menor idéia de onde está, quer dar a impressão de que está por cima.

Mas não imaginem que empreendimentos diagnósticos dessa natureza sejam exclusividade brasileira. Nos EUA pululam hoje em dia estudos sobre a “direita religiosa”, procurando caracterizá-la como um fenômeno inédito, estranhíssimo e necessitado de explicação científica, como se os primeiros Founding Fathers já não fossem conservadores religiosos, como se a América não tivesse sido sempre o país mais cristão e pró-capitalista do universo, como se tivesse sido desde a origem uma nação de socialistas ateus que, de repente, com susto enorme, vissem descer do Mayflower o primeiro pregador protestante.

Esquerdismo é teatro, nada mais.

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

O político é um fingidor

O político é um fingidor

Parodiando um clássico poema de Fernando Pessoa, classifico o político brasileiro, em sua maioria, como um fingidor, que finge tão completamente a ponto de fingir que são verdades as mentiras que deveras profere em suas declarações, atuações, depoimentos e campanhas.

Por falar em mentira, Ruy Barbosa escreveu o poema ''Mentira'': ''Mentira de tudo, em tudo e por tudo. Mentira na terra, no ar, no céu. Mentira nos protestos. Mentira nas promessas. Mentira nos progressos. Mentira nos projetos. Mentira nas reformas. Mentira nas convicções. Mentira nas soluções. Mentira nos homens, nos atos e nas coisas. Mentira no rosto, na voz, na postura, no gesto, na palavra, na escrita. Mentira nos partidos, nas coligações e nos blocos. Mentira nas instituições, mentira nas eleições. Mentira nas apurações. Mentira nas mensagens. Mentira nos relatórios. Mentira nos inquéritos. Mentira nos concursos. Mentira nas embaixadas. Mentira nas candidaturas. Mentira nas garantias. Mentira nas responsabilidades. Mentira nos desmentidos. A mentira geral. O monopólio da mentira''.

Para complementar o raciocínio sobre o tema, fiz uma pequena adaptação para a política do poema ''Poeta Fingidor'', de Zena Maciel: ''Não acredito nos políticos! São como os falsos profetas. Adoçam a vida com o mel e beijam o sorriso com o escárnio do fel. Jogam palavras ao vento. Viajam pelo país como arautos do bem-estar social para mascarar sua própria iniqüidade! Amam o amor com a efemeridade da flor! Um anjo sedutor! Adornam a política com letras doces de magia que encantam a alma do crédulo eleitor. Usam a promessa para vender ilusão e semear vantagens pessoais. Bebem na boca do falso altruísmo. Pintam um país tão próspero como um jardim de sonhos com um futuro promissor! Escrevem leis e tomam decisões. Fingem que são suas as dores do povo, mas são simples traidores. Seus redutos são um grande harém. Amam a todos. No fundo não amam ninguém e fazem do poder o que bem lhes convêm. Não importa se estão a ferir outrem!''.

Tudo isso mostra a intemporalidade do pensamento sobre a ligação entre a mentira, o fingimento e a política. Nem precisei criar um texto novo, apenas trouxe do passado sentimentos que se encaixam perfeitamente aos nossos dias. O retrato atual de nosso país mostra que fingimos ser uma potência emergente e que estamos longe do desenvolvimento. A nossa realidade está escondida em favelas esfomeadas e desempregadas, aposentados judiados, escolas sem professores e merendas, hospitais sem médicos, leitos e medicamentos, esgotos e lixões a céu aberto, transporte público degradado, infra-estrutura sucateada e obsoleta, direitos humanos esquecidos, meio ambiente abandonado, justiça social sonegada, segurança pública falaciosa e em políticos oportunistas e governantes dominados pela amnésia do poder.

Certa vez, um jogador de futebol, inconformado com os atrasos de salários em seu clube e questionado sobre suas pífias atuações em campo, disse o seguinte: eles fingem que me pagam e eu finjo que jogo. Seria esta a estratégia dos políticos e governantes? Eles fingem que legislam e governam e nós fingimos que acreditamos, mas continuamos a pagar os tributos, sem fingimento. Portanto, devemos ficar atentos para não continuarmos fingindo que votamos, senão seremos os verdadeiros fingidores, objetos de manipulação por parte daqueles que costumam usar o expediente da mentira para enganar eternamente o povo.

Marcus Quintella (marcusquintella@uol.com.br) é professor do IME e da FGV.
Jornal do Brasil28/11/2005

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Carta JAIR BOLSONARO!

Brasília-DF, 15 de fevereiro de 2006.

Senhor Ministro Conselheiro,

Rogo transmitir a Sua Excelência o Senhor SUSILO BAMBANG YUDHOYONO, MD Presidente da Indonésia, minhas congratulações pela manutenção da pena de morte ao traficante MARCELO ARCHER.


Milhões de brasileiros assistiram pela TV o apelo do traficante internacional de drogas implorar pela própria vida depois de ser condenado à morte por um Tribunal da Indonésia.

"- Não matei, não roubei, não posso pagar com a vida por um erro" dizia o traficante.

Faltou, entretanto, dizer o que todos sabem no Brasil: aqui dezenas de inocentes são mortos diariamente por traficantes, como ele, que fecham vias públicas e abrem fogo a esmo contra os cidadãos. Muitas famílias assistem seus filhos se perderem nas drogas, transformando-se em ladrões, seqüestradores e assaltantes para sustentar o próprio vício.

Embora lamente e respeite a dor que sua família esteja passando entendo que apiedar-se por um traficante, que tanto mal causa à sociedade, é ser conivente com o crime.

Em passado recente, a cúpula do PT fez romaria no Carandiru visando à libertação dos seqüestradores de Abílio Diniz. O fato de hoje, estes mesmos petistas, pedirem para que Archer não seja condenado não causa surpresa. O DNA do PT é defender bandidos.

Por estes motivos é que congratulo-me com o Governo da Indonésia por não aceitar o apelo feito pelo Presidente Lula. Caso no Brasil este mesmo crime fosse punido com pena de morte muitas vidas de inocentes seriam poupadas.

Finalizo apresentando desculpa pelo vergonhoso pedido de clemência do nosso Governo que nada faz para combater o crime organizado no Brasil.

JAIR BOLSONARO
Deputado Federal - PP/RJ

Ministro Conselheiro e Encarregado de Negócios de a.i.

Teyseran Foun Cornelis

Embaixada da Republica da Indonésia

SES Av. Das Nações Quadra 805 Lote 20 CEP.70479-900

Brasilia-DF

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Direita, volver!

Vista como "raivosa" por representantes da esquerda, a nova direita cresce com a crise do PT e age como se chegasse a sua vez

De repente passou a ser bacana o sujeito, numa festa ou numa mesa de bar, rodopiar a taça de vinho e desfilar frases do tipo "essa canalha bolchevique do PT não sabe nem falar português", seguidas de elogios à atuação de George W. Bush no Iraque ou de incursões "teóricas" das quais a principal lição a ser retirada é que só é pobre quem quer.
Cada vez mais à vontade no país que se seguiu à estabilização monetária e, principalmente, ao tombo ético da administração petista, uma nova direita esbalda-se no Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva.
Foi-se o tempo em que a direita parecia se concentrar sobretudo na economia -cujo "bunker" é a PUC do Rio, hegemônica na área desde o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Com rosto mais "cultural", na imprensa, articulistas como Diogo Mainardi, da revista "Veja", Reinaldo Azevedo, da revista-site "Primeira Leitura", e Nelson Ascher, desta Folha, encarnam a renovação da tendência. São as versões atualizadas de intelectuais como o "decano" Olavo de Carvalho [leia entrevista na página seguinte] ou de polemistas como José Guilherme Merquior (1941-1991) e Paulo Francis (1930-1997).
Antes "oprimida" pela hegemonia cultural de esquerda -vigente no país desde pelo menos a década de 60-, a nova direita foi crescendo em desembaraço e afetação à medida que a esquerda, golpeada por crises, enfiava o rabo entre as pernas e se via representada por figuras duvidosas, como as do PT, anacrônicas, como Fidel Castro, ou patéticas, como o presidente da Venezuela, Hugo Chávez (é preciso reconhecer que o material é estimulante).
Para o pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) Marcos Nobre, identificado com a esquerda, o fenômeno "está apenas começando". Ele acredita que os novos arautos da direita se unem numa atitude "raivosa" e também num discurso sedutor. Mas é nas suas linhas mais sofisticadas, diz ele, representadas por nomes como o do economista Eduardo Giannetti, que mora o "perigo" maior.
Já para Reinaldo Azevedo, o perigo são os esquerdistas, que se mostram dispostos a sacrificar a legalidade, mesmo a democrática, em nome de um entendimento peculiar do que seja justiça social. "Eu fico com a legalidade. Nesses termos, eu seria da direita democrática". E acrescenta, provocando: "Se quiserem, no entanto, que eu defenda juros reais de 13% ao ano, podem tirar o cavalo da chuva. Essa direita é o Lula".
O poeta e tradutor Nelson Ascher, colunista da Folha, diz repelir rótulos ideológicos, mas considera que não é um equívoco ser chamado de "direita", se forem seguidas "as regras que aqueles que se denominam "de esquerda" usam para classificar opiniões diferentes". Para ele, "se a religião já foi apelidada de "o ópio do povo", o esquerdismo é o jeans da intelectualidade".
Marcos Nobre considera que o tom adotado por essa vertente revela uma espécie de identificação com o agressor. "Acho que eles apanharam tanto da esquerda, que dizem: "Agora é a nossa vez"." Ele vê nesse traço o reflexo de uma crença "revolucionária" da nova direita, que trataria de impor ao Brasil, pela primeira vez na história (segundo seu julgamento), um choque de capitalismo.
"A lógica é que eles se consideram a vanguarda de uma coisa nova no Brasil, que é o capitalismo. Por isso são tão raivosos", diz. Mas ele considera que há "um lado extremamente positivo, que é a consolidação da democracia. É uma direita que legitimamente pode mostrar sua cara."
A opinião é compartilhada em parte por João Cezar de Castro Rocha, professor de literatura comparada na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). "Trata-se de fenômeno positivo para o ambiente democrático. Afinal, durante décadas, houve uma hegemonia quase incontestada do pensamento de esquerda. Assim, bastava empregar o tom "adequado" para ser considerado um intelectual "engajado", portanto, na posição "correta'", diz.
Mas ele vê problemas com os argumentos dos novos direitistas. "Hoje o que vemos predominar são comentários raivosos e ressentidos, como se os casos de corrupção do PT legitimassem a pilhagem do Estado brasileiro realizada por décadas pelos partidos políticos conservadores. E o nível intelectual? Não há nenhuma comparação possível com o alto calibre de [Mario Henrique] Simonsen, Roberto Campos e [José Guilherme] Merquior."
Luiz Felipe de Alencastro, professor de história do Brasil da Universidade de Paris-Sorbonne, também de esquerda, concorda com Castro Rocha e Nobre ao considerar que o governo Lula foi responsável pelo fortalecimento desse discurso.
"Razões para criticar não faltam", diz Nobre. "A atuação raivosa vem de antes. Mas no governo Lula é sopa no mel. Mistura tudo, até preconceito de classe."
Castro Rocha é mais duro com os petistas. "Em medida maior do que talvez desejássemos, a força do discurso da direita é uma conseqüência direta da crise política, que é especialmente uma crise simbólica. Ora, se um partido como o PT pôde fazer o que fez, então como impor uma barreira ética à voragem histórica da direita brasileira?"
E Giannetti, o "perigoso"? De cara, o economista, professor do Ibmec São Paulo, rejeita toda classificação desse tipo. "Isso é um cacoete intelectual brasileiro -achar que vai desqualificar o pensador atribuindo a ele um rótulo. A minha disposição é discutir problemas e idéias. Não acho que dê para resumir a complexidade de um pensador reduzindo tudo a um rótulo."
Ele, no entanto, critica a esquerda. "No Brasil, todas as pessoas que eu conhecia se imaginavam de esquerda, revolucionárias, ultraprogressistas, e no entanto a realidade é essa que está aí. Acho que essa história de as pessoas se imaginarem de esquerda no Brasil é que é um tremendo auto-engano. É muito gostoso ficar posando de esquerdista e achando que está com as idéias mais avançadas da sua época. Muitos intelectuais brasileiros nutriram durante muito tempo essa fantasia."
"A esquerda no Brasil se confundiu muito com o populismo. Com a idéia de que existe um atalho indolor para o crescimento econômico."
A difusão de um novo discurso contrário à esquerda vai produzir mudanças no meio cultural? Reinaldo Azevedo gostaria, mas acredita que não. "Diretores de teatro e de cinema continuarão a pregar a revolução com o patrocínio da Petrobras, que nos arranca o couro com o seu monopólio, mas patrocina proselitismo ideológico para as classes médias mais ou menos intelectualizadas. No país em que se tem uma esquerda dessas, quem tem um olho logo vira direitista", diz.
FSP

Regime militar ainda é um estigma

A direita ameaça sair do armário, mas o problema é: com que roupa? Ainda é forte no país a percepção de que a farda militar de outros tempos lhe cai bem.
Mesmo seus mais notórios representantes traduzem essa dificuldade com a hesitação em assumir o rótulo. Embora a esquerda tenha forte tradição autoritária, décadas de regime militar no Brasil terminaram por criar uma relação quase automática entre direita e ditadura.
Não à toa, o filósofo Denis Lerrer Rosenfield [leia entrevista na página ao lado] repele a caracterização, para depois se dizer da "direita moderna". "As pessoas ficam identificando a direita com regime militar. Aí não dá, né?"
Um dos traços que unificam essa nova corrente, no entanto, é justamente a defesa das liberdades e dos direitos individuais. "Se ser de direita significa defender as liberdades, então sou de direita", diz Rosenfield. "E por liberdades quero dizer as liberdades políticas, de opinião, de expressão, econômica e direitos civis."
O colunista da "Veja" Diogo Mainardi acha difícil ser enquadrado na classificação de nova direita. Ele se diz apenas um antilulista. "Amolo o governo, só isso." O jornalista Reinaldo Azevedo, da revista-site "Primeira Leitura", embora aceite o rótulo "direita democrática", não quer ser confundido com uma direita genérica. O mesmo se aplica ao colunista da Folha Nelson Ascher.

"O povo brasileiro é maciçamente de direita"
Para o filósofo Olavo de Carvalho, é hora de criar uma alternativa partidária realmente conservadora no país

Talvez a obra mais conhecida do filósofo Olavo de Carvalho, 58, seja a edição do site Mídia sem Máscara (www.midiasemmascara.org), há anos na rede para denunciar o que chama de "viés esquerdista da grande mídia brasileira".
Carvalho hoje escreve no "Diário do Comércio", órgão da Associação Comercial de São Paulo. Escreve à distância. Desde maio de 2005, mora em Richmond, a duas horas de Washington. É na capital americana que, duas vezes por semana, garimpa material para o livro "A Mente Revolucionária", em que pretende dissecar o pensamento moderno de esquerda. "Um grupo de empresários do Paraná me deu uma verbinha para eu terminar o livro", explicou.

Folha - O que aconteceu com a esquerda no Brasil?

Olavo de Carvalho - Para começar, eles criaram esse mito de que são santos, de que têm o monopólio da bondade humana. De repente, o Brasil inteiro vê que não é nada disso. É uma decepção tremenda, mas era óbvio que isso ia acontecer. Você não pode colocar um sujeito que é inteiramente analfabeto na Presidência, burro desse jeito, sem critério. Ele não sabe a diferença entre certo e errado, entre bem e mal, então é claro que ia ser essa sem-vergonhice.

Folha - A alternativa, então é...
Carvalho - O PSDB é que não é. O PSDB é um partido da Internacional Socialista que está comprometido com o globalismo de esquerda, com todos esses valores politicamente corretos. É a direita da esquerda. No Brasil, infelizmente, a política ficou reduzida a isso: uma luta entre a esquerda da esquerda e a direita da esquerda. Quem é conservador mesmo não se deixa enganar por PSDB.

Folha - Não há ninguém no PSDB que sirva?
Carvalho - Veja o Geraldo Alckmin. Ele aprovou uma lei que multa o rabino que ouse expulsar de sua sinagoga uma drag queen. Mesmo que ela tenha entrado lá só para provocar. Quem faz uma lei dessas não é conservador. É politicamente correto.

Folha - Como o senhor interpreta a versão petista de que é vítima de uma conspiração da direita?
Carvalho - O surgimento de um pensamento de direita, qualquer sinalzinho, já deixa esse pessoal aterrorizado: eles já se vêem todos na cadeia. Fica um negócio paranóico. Mas a verdade é que o pensamento conservador no Brasil ainda é uma raridade. Existiu em Joaquim Nabuco, em João Camilo de Oliveira Torres, em Minas Gerais, em Gilberto Freyre, em Pernambuco. Mas é pouca coisa. A tradição cultural do Brasil é toda de esquerda. Não há um movimento intelectual conservador. Eu acho que sou o primeiro cara que está tentando fazer isso.

Folha - Do jeito que o senhor está falando, parece que o Brasil é um paraíso da esquerda...
Carvalho - É até engraçado, porque o pessoal de esquerda vive dizendo que a burguesia cria seu aparato cultural e ideológico. Só que a esquerda convenceu a burguesia a financiar o aparato ideológico esquerdista. Durante a ditadura já era assim. As universidade eram todas de esquerda, as instituições culturais idem.

Folha - Será que a fraqueza do pensamento conservador não reflete a dificuldade de convencer alguém de que é bom conservar as coisas do jeito que são no Brasil?
Carvalho - O resultado do referendo sobre as armas, o apoio de parcela expressiva da população à pena de morte e outras indicações mostram que o povo brasileiro é maciçamente de direita no que se refere a cultura, moral, costumes. Mas, como só existem partidos de esquerda, acaba-se votando na esquerda. É hora de criar uma opção partidária de direita. Um verdadeiro partido conservador não tem de defender apenas o livre mercado, mas tem de defender um estilo de vida.

Folha - Qual seria o programa de um verdadeiro partido de direita no Brasil?
Carvalho - 1. Anticomunismo. Não queremos comunismo na América Latina. Tchau, tchau e bênção. Adeus, Fidel Castro; adeus, Hugo Chávez, não queremos nada disso; 2. Livre empresa e respeito à propriedade; 3. Moral judaico-cristã; 4. Educação clássica. As pessoas têm de ter os valores fundamentais da civilização; 5. A verdadeira liberdade de discussão. 50% a 50%. Equilíbrio entre as correntes.

Folha - Como é repudiar o comunismo, Cháves e Fidel, e ser favorável a um equilíbrio entre as corrente de direita e esquerda?
Carvalho - Uma coisa é ser de esquerda, e outra coisa, bem diferente, é essa tradição marxista, comunista. Isso tem de acabar. Porque se trata de ideologia genocida, criminosa.
FSP

domingo, fevereiro 12, 2006

A irresponsabilidade geral da nação

Não há por que se espantar com a recuperação de Lula nas pesquisas de opinião, segundo as quais ele voltou ao índice de aprovação que tinha antes da crise iniciada em meados do ano passado. Muitos atribuem o fato à expansão de programas como o Bolsa Família, que seria garantia de voto nas classes baixas das regiões mais atrasadas, e à divisão da oposição, isto é, do PSDB, que também tem razões estratégicas para não proclamar o candidato agora. Além disso, o presidente tem uma mídia “espontânea” para lá de generosa, o que assegura ampla divulgação de qualquer poste de luz que inaugure, coisa que ele tratou de fazer à exaustão neste início de ano. Mas o motivo maior é simples: é o refluxo da crise do mensalão – crise que a irresponsabilidade geral da nação transformou num episódio quase anedótico e encerrado.

Escrevi em setembro do ano passado: “Não pense que Lula, por se achar acima do bem e do mal, protegido no pedestal de mito, não saiba o que fez e, acima de tudo, não saiba o que quer. (...) Está de olho em 2006. Sua aprovação vem caindo rapidamente, mas ainda é alta: 50% acreditam nele, não o consideram nem corrupto nem incompetente. Os juros começaram a cair, o que pode ajudar o crescimento a ser mais razoável no ano que vem. E ele deve calcular que a crise, com seus muitos focos – a cassação de Jefferson, a propina de Severino, a prisão de Maluf –, tende a arrefecer até a virada de ano.” Com perdão pelo trocadilho, bingo: Lula conseguiu jogar a culpa para o PT, dissociando sua imagem do partido que fundou e comandou durante um quarto de século, e circunscrever o escândalo ao Congresso, que apenas cassou os protagonistas do episódio e mais um punhado de coadjuvantes.

Tudo ficou como se o PT tivesse sido apanhado com a mão na cumbuca do caixa 2, da qual saiu mordido, jamais morto. A modalidade de fascismo que batizei de “todomundofazismo” pergunta “E quem não rouba?” e dá de ombros. E é nesses ombros da eterna complacência brasileira que Lula está sendo conduzido para as próximas eleições com força considerável. O velho e esquecido inconsciente freudiano contribui um monte: como a grande maioria das pessoas fez, faz ou faria o que os petistas fizeram, concede-se um perdão tácito. Este não é o país onde a metade dos trabalhadores não tem registro, onde a pirataria campeia solta, onde se dá mais propina que nota fiscal, onde os intelectuais vêem virtudes na malandragem? Pois então: Lula, o coitadinho que veio “lá de baixo”, é representativo dessa sociedade. A “novilíngua” petista, o jargão burocrático que disfarça tudo, deu certo. (Vimos o idioma novamente em funcionamento nesta semana, quando o ministro Palocci, em quem o mercado e seus porta-vozes vêem credibilidade e austeridade, corrigiu seu depoimento sobre o uso irregular do avião de um empresário alegando “imprecisão terminológica”: ele teria sido “disponibilizado”, não alugado.) Graças à benevolência safada da suposta oposição, à ineficiência da imprensa e da Justiça e aos interesses financeiros em jogo, tudo foi apurado superficialmente e ninguém punido a sério. Nossos dois conhecidos personagens, o Meia-Boca e a Meia-Verdade, deram as cartas.

Pode verificar como poucas pessoas entenderam a essência do escândalo. A maioria não se deu conta de que o PT e seus aliados, sob comando da dupla Lula & Dirceu, fizeram uma armação ilimitada com o dinheiro público, aparelhando a máquina, trocando verbas e propinas por licitações das estatais, praticando a mais antiga usurpação latino-americana. Só que tudo isso está ficando na história como um pecadilho. Se a economia no dia-a-dia não está tão ruim – a inflação está baixa, o salário mínimo subiu, empregos formais estão surgindo – e o PSDB parece o velho e não o novo, por que se decidir agora sobre uma eleição que só ocorre daqui a oito meses? As campanhas, não os princípios, vão escrever o resultado dela. Mais uma vez.
Daniel Piza

Risco cai, mas para quem?

O risco-país está no nível mais baixo desde que se inventou esse indicador. Boa notícia, mas convém pô-la na devida perspectiva.
O risco-país não mede o risco que viver no país representa para seus habitantes, mas o risco que os credores da dívida pública correm de não receber seu rico dinheirinho. Ou seja, os credores estão felizes da vida.
Fácil de explicar porque. Tomemos, por exemplo, a palavra de Carlos Lessa, que foi presidente do BNDES no início do governo Lula, em artigo para esta Folha no último dia do ano passado:
"O governo federal paga R$ 146 bilhões de juros da dívida pública, a qual não pára de crescer e já se aproxima de R$ 1 trilhão. Segundo estimativa do professor Marcio Pochmann, 70% desses juros destinam-se a apenas 20 mil famílias. São R$ 110 bilhões para os muito ricos, em contraste com R$ 7 bilhões para os muito pobres. O governo pratica a mais brutal concentração de renda e riqueza do planeta. Aqui reside a grande maldição, que, com o tempo, só tem feito crescer".
O Marcio Pochmann citado trabalha no Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), da Unicamp, foi secretário da gestão Marta Suplicy em São Paulo, e gosta de lembrar que os recursos destinados ao Bolsa Família não ultrapassaram a barreira de 0,3% do PIB de 2004, enquanto que as tais 20 mil famílias, credoras de títulos públicos, receberam algo próximo de 7% do PIB em juros.
"É um programa de transferência de renda para os ricos", conforme disse ao número mais recente de "Desafios do Desenvolvimento", a excelente revista mensal do Ipea.
Nem os descerebrados da teoria da conspiração teriam a cara-de-pau de incluir Lessa e Pochman entre os conspiradores.
Fica claro, portanto, para quem o risco diminuiu: para 20 mil famílias. É bom que tenha sido assim, mas não estaria na hora de pensar nos outros 100 e tantos milhões?
Clovis Rossi

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Lula e a bebida

Para um presidente que queria expulsar o Larry Rohter do Brasil por ter publicado no NYTimes que ele era um bebum, ate que as coisas mudaram sem que a CPI do alcoolismo tivesse que ser instalada.
Leio, intrigado, que “Lula está abstemio ha 40 dias”. Ou seja, o homem era um bebum SIM!!!! Seguindo essa logica, quando sera que ele virá a publico e aceitará o fato de que o mensalao acontecia debaixo de seu nariz e que seu programa Fome Zero nao era nada, senao uma enganacao populista e ..... tantos outros erros graves, crases, agudos, acentos, circunflexiados pela hipocrisia de um Partido partido pela maior corrupcao ja vista na historia do Brasil!?!

Sera que ele tem coragem pra tanto?

Vamos ver: Um estadista REAL (e nao um populista-demagogo) seria capaz de dar esse passo, ou seja, passar o passado a limpo: olhar a camera no olho, e falar pro povo brasileiro e parar com essa retorica oca louca da boca pra fora, coisa que so o coloca na margem da margem (mas infelizmente nao na gloria da “Marginalia”) e sempre na beira de um constante e sequencial colapso.

Interessantes progressos na area da cultura
Vamos ver o que Gil fara! Se o teatro como um todo tera beneficios, eu serei o primeiro a aplaudi-lo de pe! Mas, assim como Lula, porque eh que as coisas no Brasil tem que virar uma verdadeira guerra, com mentiras, mentidos e desmentidos, egos e ovos e merda jogada no ventilador ate que alguem finalmente abra os ouvidos e TOME UMA ATIDUDE???
A unica novidade hoje, real (e nem sabemos se eh verdade) eh que Lula nao bebe faz quarenta dias! Wow!!!!
Gerald Thomas



Gerald Thomas

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Considerações sobre um provérbio chinês - III

''Se queres cem anos de prosperidade, cultiva gente''.

Na terceira parte do provérbio, como já fizemos na segunda, vamos ver que em lugar de cultivar seres humanos, o Brasil não valoriza o conhecimento nem a cultura e isso começa pelo próprio presidente da República que não perde oportunidade de exaltar o fato de jamais ter estudado ou aberto um livro, uma idolatria da ignorância que ultrapassa a racionalidade e o senso comum.

Ainda recentemente em meio a um comício eleitoreiro, o Molusco voltou a fazer o elogio da ignorância, afirmando que não fazia concurso para mata-mosquitos porque se o fizesse os ''letrados'' estariam em vantagem. Sendo assim, viva a ignorância e fica estabelecido que para ser mata-mosquitos (e por extensão presidente da República) é melhor ser iletrado.

Aí está o cerne da questão e a terceira parte do provérbio chinês. China e Índia são países com imensos problemas sociais e populações além do bilhão, juntos eles abrigam mais de um terço da Humanidade. No entanto, esses dois países vêm se modernizando num ritmo vertiginoso, principalmente a China. Nos últimos 20 anos ,250 milhões de chineses ingressaram na classe média, mesmo caminho seguido por 150 milhões de indianos. Essa gigantesca ascensão social só foi possível por ter como base algo que o Brasil não leva muito a sério: a educação.

Em 1978 a China saía quase destruída da chamada Revolução Cultural de Mao Tsé-tung quando, após a morte de Mao, em 1979, os pragmáticos de Deng Xiaoping assumiram o poder e resolveram mover profundamente os fundamentos econômicos e educacionais do sistema. Naquela época, apenas 1,4% dos chineses estava na universidade. Hoje, 20% dos estudantes chegam à universidade. são mais de 20 milhões matriculados em mais de mil universidades. (Os Estados Unidos têm 16 milhões).

A China forma atualmente 450 mil engenheiros, dez vezes mais do que os EUA. Cerca de 200 mil freqüentam cursos de mestrado e doutorado na Europa e nos EUA. Formam-se anualmente 50 mil pos-graduados com o titulo de mestrado e 8 mil doutores. Enquanto o nosso Itamaraty dispensa o inglês para ingresso na carreira diplomática, a China tornou obrigatórias quatro horas semanais de inglês a partir do terceiro ano do ensino primário.

A China está fadada a ser a primeira economia mundial até a metade do século 21. Voltando a 1974, o Brasil era a oitava economia do mundo e a China sequer aparecia na lista. Este ano, a China já é a quarta economia mundial, inferior apenas à dos EUA, Japão e Alemanha E nós brigamos pelo 12º ou 13º lugar. Para dar uma idéia da pretensão chinesa, eles resolveram que nos próximos 20 anos criarão 10 universidades com o padrão de excelência de Harvard e ninguém duvide de que isso seja mesmo possível.

Para consegui-lo, os chineses quebram tabus que horrorizariam o nosso meio acadêmico. Recentemente, autorizaram a universidade inglesa de Nottingham a estabelecer um campus na cidade de Ningbo. As aulas são dadas em inglês e os estudantes pagam US$ 6,2 mil por ano, dez vezes mais do que em outras universidades chinesas. Boa parte dos professores veio da Inglaterra.

Grande parte dos quadros de professores das universidades chinesas foi formada nas melhores instituições do mundo e hoje lecionam lá cerca de 850 mil professores, contra 1,1 milhão nos EUA. Os cientistas chineses, um número considerável dos quais se formaram nos melhores centros de pesquisa, como o Massachussets Institute of Technology, nos EUA e na Europa, estão sendo chamados de volta ao país e encontrando laboratórios bem equipados, com excelentes condições de trabalho, equipes de apoio bem preparadas e atualizadas. O resultado é que cada vez aumenta mais a participação dos produtos chineses em setores de ponta da economia, de alto valor agregado. Isso é pensar grande.

O que temos de parecido no Brasil? Quando começaremos, enfim a ''plantar gente''? E não abandonar a maioria nas ruas e campos de nosso país? Quando? É ótimo ter as mais belas modelos do mundo e os mais talentosos astros do futebol, mas o futuro que um país como o nosso merece por seu potencial só virá através do conhecimento. Melhor é ter físicos, engenheiros, bioquímicos, médicos, professores e até operários que estudem e se qualifiquem. Presidentes de República, então... nem se fala.

Fritz Utzeri escreve às quartas no JB

Por que Lula ainda está forte

Somente uma pessoa bastante ingênua e inteiramente jejuna em política brasileira tem o direito de se surpreender com as últimas pesquisas de opinião pública que detectam o fim da queda vertiginosa da popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E até a recuperação (embora tímida) rumo a índices obtidos antes da divulgação do escândalo de corrupção envolvendo figurões do governo e do partido no poder. Afinal, esse periódico compulsar do ânimo popular reflete apenas o que a lógica plana dos fatos noticiados nos últimos dias autoriza a qualquer bom entendedor para quem meia palavra baste.

Em primeiro lugar, a reconstrução do templo petista, que tem motivado comemorações efusivas intramuros nos corredores palacianos (festejos, aliás, no mínimo precoces), deve-se ao êxito da aplicação pelo presidente da República e seus áulicos da velha tática criada por Joseph Goebbels, ministro nazista de propaganda, e aplicada à exaustão pelo velho ex-inimigo (e ex-aliado) do PT Paulo Maluf. A tática é a seguinte: se a verdade incomoda, minta. Mas minta sempre com convicção, sem pestanejar, sem piscar, sem se deixar tolher por nenhum tipo de escrúpulo! Creia na própria farsa e os outros lhe darão crédito. Para isso, Lula e os seus nem precisaram ser muito coerentes. Eles adotaram uma trilha errática, que foi e veio entre pedidos de desculpas e acusações de golpismo. Mas em nenhum momento foram pilhados com um passo que fosse em falso. O presidente foi traído, foi apunhalado pelas costas, ignorou o óbvio e pôs em público a carapuça do néscio, mas nunca se deu ao luxo de identificar um dos traidores nem chegou a fornecer a marca do punhal com que o teriam esfaqueado à sorrelfa.

É claro que isso não bastou. As circunstâncias também têm ajudado nesse projeto da reconstrução. Para que essa tática tivesse sucesso, era preciso de certa forma "combinar com os russos", como teria questionado Mané Garrincha ao técnico Vicente Feola no vestiário antes da partida contra os soviéticos na Copa do Mundo de 1958, na Suécia. Pois acreditem se quiserem: a oposição fez exatamente o que Lula poderia esperar que ela faria. No dia em que o mar de lama atingiu o lago do Planalto, com o depoimento do publicitário baiano Duda Mendonça à CPI dos Correios, o presidente da OAB, Roberto Busato, teve a proposta de impeachment do presidente tolhida pelo insistente (e até drámático) apelo de dois senadores: Arthur Virgílio (PSDB-AM) e Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA). A tática explícita seria levar o chefe do governo a "sangrar até a eleição", daqui a nove meses, mas talvez esta má idéia não tenha sido a única inspiração. Tucanos e pefelistas queriam ganhar a guerra sem baixas e não admitiam (nem admitem até hoje) ceder os mandatos de seus próprios usuários do valerioduto - o ex-presidente nacional do PSDB, senador Eduardo Azeredo (MG), e o deputado federal Roberto Brant (PFL-MG). Este é um engano semelhante ao de Bush, ao acreditar que bastava derrubar Saddam Hussein e voltar para casa assoviando Glória, glória, aleluia. Ninguém jamais ganhou guerra alguma sem perder vidas e os intelectuais tucanos e pragmáticos liberais não poderiam ter faltado a essa aula elementar nos cursos de história que freqüentaram.

A arrogância tucana se manifesta na loquacidade sem razão do ex-presidente Fernando Henrique, que não disputará o pleito, mas parece disposto a competir com seu sucessor em matéria de horas de palanque. Foi-lhe atribuída a frase fatal, segundo a qual "Alckmin é melhor candidato, mas Serra será melhor presidente". Como o provável autor da patacoada não se candidatará a nada e candidatos são suas vítimas, é provável que ela entre para a história como a pérola máxima do fogo amigo. Ainda que esta tenha sido apenas uma barriga da imprensa, convém observar que os efeitos da incontinência verbal do professor sejam tão danosos a ambos quanto tal palpite infeliz.

A diferença entre Lula e seus adversários continua sendo o espírito pragmático do presidente na leitura correta (com o perdão da impropriedade da metáfora aplicada em alguém tão pouco afeito às letras) que ele faz da autêntica natureza da alma do homem brasileiro. Lula bajula o povo nos palanques, mas sabe que a grande maioria de nossos patrícios tem uma noção de ética prática mais próxima da dele próprio e de companheiros de viagem como José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino que de Aristóteles, Espinosa ou Kant. Se a classe média anda muito indignada com a descoberta de que o PT não diferia em nada dos adversários tradicionais na luta política, o lúmpen proletariado em cujo seio o presidente reconquista sua popularidade parece se convencer de que esses adversários são iguaizinhos ao PT. Pode parecer uma amarga ironia da História, mas é fato que o partido de Lula, após ter vencido a última eleição apostando na diferença, tentará ganhar a próxima provando que os outros já praticaram as malfeitorias das quais agora o acusam.

Enquanto Duda Mendonça não for convocado a depor sobre os novos dados que virão dos EUA para a CPI dos Correios e os oposicionistas do Congresso não se aplicarem na investigação da lista tida como falsa da contribuição de Furnas aos cofres das campanhas de seus próceres, será difícil negar esse truísmo. Resta, é claro, a questão de saber se o povo que Lula afaga e os tucanos e pefelistas não reconhecem se deixará engabelar por essa conversa da impossibilidade de separar o joio do trigo da farinha do mesmo saco do qual se nutrem nossos homens públicos. Mas, para ganhar uma guerra como vai ser a eleição de outubro, cada coisa terá de ser tratada a seu tempo. Até as urnas muita água ainda vai rolar debaixo da ponte. Não é impossível que apareçam novas maracutaias do PT, mas terá a oposição esgotado seu acervo de lambanças?


José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde.

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Confrontador-geral da República

Jobim dita regras como magistrado, mas não segue as normas de maneira adequada

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, já passou do ponto há tempos. Portanto, neste momento não se trata mais de constatar os exageros do ministro no campo da soberba, da indiferença ao contraditório e da suposição de que seus atos e palavras sejam a expressão da verdade universal, e por que não dizer, divinal.

Isso ficou estabelecido lá atrás, quando admitiu com a maior naturalidade ter incluído, como relator, itens da Constituição sem submetê-los ao crivo dos constituintes. De lá para cá, Nelson Jobim só vem consolidando a impressão de que algo em sua alma lhe confere a convicção da superioridade moral, intelectual, política, jurídica e até pessoal em relação aos, só em tese, semelhantes.

Cria casos, polêmicas, compra brigas, faz inimigos (sempre entre os residentes do lado de fora do poder), avoca para si a tarefa de guardião dos direitos e garantias individuais, leciona democracia ao País, mas ele mesmo não faz o mais comezinho dever de casa no tocante à observância das normas mínimas de conduta adequadas à estatura de seu posto.

Em público não desmente e em particular alimenta as versões segundo as quais pretende em breve voltar à carreira política, candidatando-se à Presidência da República ou, quem sabe, à Vice-Presidência como companheiro de chapa de Luiz Inácio da Silva.

Não se sabe se deixa o assunto em suspenso para demonstrar seu menosprezo ao disse-me-disse da crônica política ou porque lhe interessa manter a dúvida no ar. Seja qual for o motivo, ao não definir com clareza seus projetos, Nelson Jobim atrai para si toda sorte de desconfianças.

Sendo a mais corriqueira delas a de que tem tomado decisões contrárias às investigações das denúncias de corrupção no Congresso no intuito de favorecer o governo e com ele manter relações políticas boas o suficiente para garantir sustentação aos seus planos para quando deixar o Supremo, daqui a dois, no máximo três meses.

Ontem, o ministro mais uma vez reagiu com virulência às críticas à sua decisão de proibir a quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico de Paulo Okamoto na CPI dos Bingos. Disse não admitir "patrulha". Falando em nome do Supremo, afirmou que o tribunal não se curva a pressões e, mais uma vez, discorreu sobre a legalidade democrática e seus preceitos.

Esqueceu-se, porém, de que tem sido uma fonte de constrangimentos para o Poder Judiciário em geral e o Supremo Tribunal em particular.

Não por causa do teor de suas sentenças - embora muitas possam realmente ser discutíveis -, mas pelo fato de continuar no exercício da magistratura sem a preocupação básica do pressuposto da isenção, dele retirado a partir do fato de que nem desmente pretensões políticas nem se declara impedido de julgar ações envolvendo possíveis aliados e/ou adversários. Para quem observa com tanto vigor a lei e avalia com rigor o comportamento alheio, o mínimo esperado seria uma conduta na conformidade desses mesmos critérios.

Mas o ministro Jobim prefere ignorar a realidade e se conduzir de acordo com seus interesses. Como não assume oficialmente projetos políticos, apega-se ao formalismo da suposta inexistência deles, e segue valendo-se das prerrogativas de presidente da instância máxima de decisão no País.

Enquanto se mantiver assim, acreditando-se acima do bem, do mal e da avaliação geral, o presidente do Supremo Tribunal Federal continuará sendo questionado. E cada vez mais, sem que possa exigir que lhe reconheçam autoridade para reclamar, pois foi dele a iniciativa. Foi dele a escolha de abrir a guarda e deixar que, no lugar da toga, lhe seja vestido o manto da suspeição.
DORA KRAMER para Estadão

Telhados de vidro

Palestra de Fernando Henrique Cardoso para os líderes do PSDB deu-lhes a dica esperta de adotar a corrupção governamental como grande tema da campanha eleitoral. O juiz Cloves Barbosa de Siqueira foi presto e firme: no mesmo dia condenou a penas de sete a 11 anos, por desvio de crédito e outras gravidades, a diretoria do Banco do Brasil no governo Fernando Henrique.
O caso é mais do que anedótico. Quando as vinganças do acaso me meteram no jornalismo, logo me vi atrapalhado com a cobertura parcial de um novo escândalo na carteira de comércio exterior do Banco do Brasil. Suei muitas horas seguindo depoimentos, e muito mais padeci para entender e fazer notícia daquela confusão de cabala financeira e truques da ladroagem. Veio desse escândalo o meu primeiro pasmo com a impunidade. Nada aconteceu de grave aos responsáveis. Como nada aconteceria aos responsáveis por tantos escândalos semelhantes desde então. A lição preparatória para o jornalismo brasileiro estava lá: falcatrua com dinheiro grosso não tem punição.
A sentença do juiz substituto Cloves Siqueira fez mais do que acertar um telhado de vidro. Apesar de sujeita a recurso dos condenados, abriu um rombo histórico em uma fortaleza de impunidade. De quebra, deu complemento à longa presença que tiveram no noticiário, por motivos, digamos, polêmicos, Paulo César Ximenes e Ricardo Sérgio de Oliveira. Este, portador da distinção de ter sido o interlocutor de Fernando Henrique Cardoso no telefonema (gravado) para manipulação da venda da Vale do Rio Doce.
Um dos mais resistentes telhados de vidro do Congresso foi enfim quebrado pelo Conselho de Ética da Câmara. Há muito tempo o deputado Pedro Corrêa se salvava, por habilidades que não se limitavam ao âmbito da Câmara, de suspeitas pesadas, como a de dever parte do seu grande enriquecimento ao contrabando de cigarros.
A perda do mandato, caso o plenário da Câmara confirme a conclusão do Conselho de Ética, terá para Pedro Corrêa efeito provavelmente pior que para os demais cassados ou cassáveis, dada a conseqüente perda da imunidade parlamentar. Ainda há investigações que podem envolvê-lo.
O telhado de Paulo Okamotto, autodeclarado protetor financeiro de Lula, ficou protegido e, por isso, desconhecido, por decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal contra curiosidades da CPI dos Correios. Mas o caso, além de não encerrado, lançou sobre o telhado do ministro Nelson Jobim uma nova carga de pedras, como uma confirmação clara: se houve algum integrante do STF mais desapreciado do que Nelson Jobim, foi há muito tempo e disso não consta registro.
E, assim destelhado, Jobim ainda se pretenderia, ou se pretende, candidato à Presidência, talvez a vice. Mas, se confirmada tal disposição, cabe recurso ao eleitorado.
Janio de Freitas na FSP

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Apesar de vocês!

As virtudes principais da criatura humana são três: fé, esperança e caridade. Segundo o apóstolo Paulo, a caridade é a maior delas , pois vai conosco até mesmo quando termina essa nossa efêmera passagem por aqui. Essas três virtudes são os pilares de nosso comportamento, o oxigênio de nossa alma. Sem elas não enfrentamos as ladeiras e curvas desta estrada difícil. Sem caridade, a vida é vazia. Sem fé e sem esperança, ela é muito triste.

Toco neste assunto porque tenho percebido que muita gente anda sem fé e sem esperança no futuro, diante destes melancólicos e vergonhosos acontecimentos políticos, que tanto nos constrangem. Vamos reagir. Vamos buscar reforçar a nossa fé e a nossa esperança, apesar de tudo isso. Elas estão abaladas e correm o risco de murchar.

Não vamos, porém, aderir a um otimismo fácil, desses que aparecem nos livros de auto-ajuda. Não. Vamos tentar ver o lado bom de toda esta embrulhada. Vamos pensar com objetividade, clareza e, acima de tudo, espírito de verdade. Em toda esta malcheirosa novela de caixa 2, mensalões, concorrências ilícitas, preços superfaturados e outras mutretas, ninguém fez nada sob tortura nem sob ameaça de pau-de-arara. Os personagens agiram por livre e espontânea vontade. A pergunta é: por que estes vilões agiram assim?

Existem vários motivos e, por isso mesmo, vários vilões. O primeiro vilão é, sem dúvida, a terrível fraqueza da criatura humana. Sempre que ela dispõe de poder, cede à cobiça e à prepotência. A História da humanidade aí está como prova. São séculos e séculos de violência e pilhagens no falso exercício do poder.

São Francisco de Assis dizia que, se no interior de um santo há sempre um bandido que foi vencido, no interior do bandido existe um santo que foi agrilhoado. Por isso é sempre bom estar alerta. Mesmo uma alma que se supõe preparada, com a chegada ao poder, pode ser corrompida. Se a alma não está, o poder vai corrompê-la certamente.

Os acontecimentos que explodiram o mundo político brasileiro no ano passado, cujos estilhaços ainda não conseguimos limpar, revelam de forma clara que muitos integrantes do PT não tinham a alma preparada para o exercício do poder. Ao contrário, chegaram lá envenenados por ódios e ressentimentos.

O segundo vilão foi a visão errada do próprio PT como partido. Nascido do agrupamento confuso de várias correntes, engessado numa ideologia vaga, sem idéias e sem ideais, era, e ainda é, a reunião de grupos rivais que disputam acirradamente o comando da massa obediente de seus filiados. Sem programa claro de governo, lastreados apenas pela obsessão de chegar ao poder. Era esse seu único objetivo. Esperaram, trabalharam e lá chegaram afinal, graças principalmente às falhas e fraquezas dos adversários. Aí começou o drama: como governar?

Eles não estavam preparados para isso, a começar pelo próprio presidente eleito. Ninguém contesta que ele seja uma criatura humana bem dotada por Deus. Mas, por outro lado, com que orgulho e arrogância ele se achou dispensado de multiplicar esses dons gratuitos que o Criador lhe concedeu...

O terceiro vilão foi uma herança que se pode chamar de maldita - e nada tem que ver com aquela que seus líderes mencionam sempre em seus discursos de auto-elogio. Esta outra herança é a que eles próprios plantaram ao longo de duas décadas, atuando sempre com intolerância e falta de espírito público. Foi assim que o PT impediu, com êxito, qualquer aperfeiçoamento democrático no nosso sistema eleitoral. Combateu o Plano do Real. Não apoiou a mudança das leis de modernização dos portos. Lutou contra qualquer destravamento das relações trabalhistas. Defende com unhas e dentes a volta de todas as possíveis estatais. Fez o que pôde para impedir a Lei da Responsabilidade Fiscal.

Nunca pensaram no bem do País. Nunca se interessaram por uma democracia de verdade. Nunca apoiaram nenhum avanço que significasse o êxito dos que estavam no poder. A atitude fanática dos filiados petistas leva seus líderes a considerarem muito útil a manutenção do atual sistema partidário e eleitoral, com todos os seus defeitos. Por isso impediram sempre qualquer mudança. Mantiveram firme o voto proporcional. Não deixaram andar a cláusula de barreira. Desconversaram sobre os financiamentos de campanha. E, principalmente, não permitiram ajustes no caso da fidelidade partidária. Aquele "arrastão" de mais de 50 deputados federais, logo no início da legislatura, é a prova disso.

Tinha de dar no que deu! Para quem acompanha a política de perto, este episódio petista não causa a menor surpresa. Eles apenas repetiram em escala federal o que já haviam feito nas primeiras chegadas ao poder, tanto em prefeituras como em governos de Estados. Agora explodiu em escala nacional. A herança de métodos e processos foi bem aproveitada: formação de bandos, grupos fechados, aparelhamento partidário da coisa pública e, principalmente, incompetência e incapacidade de gerenciamento. Fizeram isso em universidades, fundações, institutos, hospitais, centros de pesquisa, enfim, em todos os setores onde os recursos públicos pudessem correr mais frouxos.

Agora, veio tudo à tona. O País está de queixo caído. Para muita gente de coração limpo, que acreditava piamente na compostura deles, a decepção está sendo dolorosa. Até para quem não acreditava, a dose das ousadias ultrapassou limites.

Como nos devemos sentir diante de tudo isso? Escandalizados, decepcionados, estupefatos, enojados, cansados, desconfiados? Sim. Mas sem perder a fé e a esperança. Ao contrário, pelo menos agora a realidade está sendo vista.

"É possível enganar algumas pessoas todo o tempo, é possível enganar todas as pessoas por algum tempo, mas é impossível enganar todas as pessoas todo o tempo", já dizia Lincoln, com sua imensa experiência. Portanto, vamos ter fé. Não vamos perder a esperança. Vamos todos cantar, de novo: "Apesar de vocês, amanhã há de ser outro dia!"

Sandra Cavalcanti, professora, jornalista, ex-deputada federal constituinte, foi secretária de Serviços Sociais do governo Lacerda, fundadora e presidente do BNH