A assustadora operação bélica do crime organizado em São Paulo, ao mostrar a semi-falência do Estado brasileiro, me estimulou a insistir na proposta de se buscar um pacto de salvação nacional, antes que seja tarde demais. Impõe-se inaugurar aqui a era da grande política, a se sobrepor à política menor. No mundo de hoje nenhum país pode ser salvo por um herói solitário. Mas a salvação pode vir pela ação coletiva de uma elite dirigente dotada de lucidez e senso de perspectiva histórica, capaz de se livrar do imediatismo e de enxergar no longo prazo.
Entendo que o Brasil está numa encruzilhada. Se fizer a escolha certa vai dar o salto de qualidade que o libertará do subdesenvolvimento. Se fizer a opção errada, irá resvalar para o limbo no qual vegetam as nações inviáveis. E o pior é que o prazo para decidir encurta-se dramaticamente. Para lembrar a advertência de Celso Furtado, "o tempo histórico se acelera, e a contagem desse tempo se faz contra nós". Creio que o próximo quadriênio será decisivo. Nesse período, ou chegamos a um consenso capaz de deslanchar um desenvolvimento duradouro, ou nos perderemos, engolfados na guerra política, na desordem urbana e na estagnação econômica, que podem implicar a nossa marginalização no cenário mundial.
E se não houver esse entendimento maior, vejo com preocupação o próximo quadriênio, seja qual for o resultado da eleição presidencial. Se Lula for reeleito, sua base de sustentação parlamentar será ainda mais frágil, devido ao encolhimento do PT, mantendo-o, portanto, como refém do fisiologismo do Congresso. Por seu turno, a oposição, talvez ampliada e ainda mais aguerrida, manterá o governo sob fogo cerrado, o que inviabilizará a aprovação das reformas indispensáveis ao país. Se o eleito for Geraldo Alckmin, provavelmente terá uma base parlamentar mais consistente. Em compensação, o PT e outros partidos de esquerda, fortes nos movimentos sociais organizados, conflagrarão as ruas e o campo, numa agitação permanente, capaz de afetar seriamente a governabilidade.
Como desmontar essa perigosa armadilha? Só vejo um meio, que, aliás, já aventei aqui mesmo, neste jornal, meses atrás, que me rendeu muitos elogios e cumprimentos, mas nenhuma ação efetiva para a sua implementação ou sequer para o início de conversações preliminares. Refiro-me à proposta de uma "concertación" à chilena, em torno de um projeto de nação, entendido como tal a fixação de macro-objetivos de longo prazo e a definição dos meios necessários para atingi-los. Já existe relativo consenso, hoje, a respeito de duas questões básicas, o Estado democrático de Direito e a estabilidade macroeconômica. Será fácil tornar consensuais os macro-objetivos do projeto de nação, resumidos na busca da eqüidade social, com a eliminação da miséria e a redução das desigualdades. Mais difícil será o consenso em torno dos meios, que exigirão reformas de leis polêmicas e políticas públicas contínuas, umas e outras a necessitar de consistente base parlamentar e amplo apoio popular, quase impossíveis de conseguir no próximo quadriênio. A menos que se faça agora a "concertación" entre os quatro maiores partidos, PMDB, PT, PSDB, e PFL. À semelhança do Chile com a diferença de que não seria uma aliança formal, mas um pacto de adesão ao projeto nacional.
Um complicador será, já agora, o horizonte de 2010, com a sucessão do próximo presidente a pesar no cálculo de todos. Por isso, ouso sugerir que se tente incluir no consenso a implantação do parlamentarismo a partir de 2011. Com isso, a atmosfera se desanuviaria e o futuro presidente começaria a construir o projeto nacional num céu de brigadeiro, com oposição civilizada, a cargo de adversários, mas não de inimigos.
Talvez eu esteja sendo pretensioso, ingênuo e até quixotesco ao insistir na proposta. Mas a faço assim mesmo, ao menos para ver se no universo político brasileiro ainda restam homens públicos com traços de estadista, capazes de um gesto de grandeza em favor do país.
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JEFFERSON PÉRES, 74, advogado e senador
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