Exposição de Bastos levanta dúvidas e não serve de epílogo ao caso Nildo
O depoimento do ministro Márcio Thomaz Bastos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara não forneceu uma resposta definitiva para esclarecer a participação dele e de sua equipe na operação de acobertamento dos responsáveis pela quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa e, portanto, não serviu de epílogo ao caso.
O titular da Justiça limitou-se ao relato juridicamente cuidadoso dos fatos sob a ótica mais conveniente a ele a ao governo. Não esclareceu dúvidas - ao contrário, levantou novas - e deixou a questão em aberto no ponto essencial: por que, diante da flagrante quebra da legalidade com a violação do sigilo de um cidadão, o Estado se mobilizou na defesa antecipada do beneficiário direto do crime, o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, contra quem já havia o peso das evidências?
E ainda que não houvesse, o governo conduziu-se, e assim orientou seus aliados no Congresso, para proteger o ministro da suspeita de mandar violar o sigilo e da acusação anterior de ter mentido nas diversas ocasiões em que falou sobre suas relações com amigos e antigos assessores de sua equipe na prefeitura de Ribeirão Preto.
O ministro Thomaz Bastos ontem nem de longe contribuiu para dissipar as desconfianças a respeito da lisura no comportamento do governo. Como fez no decorrer de todo o episódio, desde a primeira entrevista do caseiro confirmando a presença freqüente de Palocci na casa de lobby da chamada República de Ribeirão Preto, Bastos de novo adaptou sua versão às circunstâncias.
O ministro vem nesse ritmo há mais de um mês: a cada fato novo, põe na mesa uma variante diferente da história.
Começou advogando a inocência inequívoca de Palocci e desacreditando preliminarmente as declarações de Francenildo dos Santos Costa, segundo ele, personagem de um "ataque especulativo" da oposição sobre Palocci.
No dia em que foram divulgadas as informações sobre as contas do caseiro, o ministro da Justiça calou-se sobre a quebra de sigilo para condená-la 72 horas depois de exposta ao público e já diante da condenação geral; buscou manter distância do caso para em seguida ser obrigado a admitir que seus assessores estiveram na casa do ministro da Fazenda tratando do assunto. Na ocasião, negou ter se reunido com Palocci.
Quando a revista Veja confirmou o encontro, Thomaz Bastos voltou atrás, mas disse que esteve com ele apenas para apresentar o advogado Arnaldo Malheiros e participar de uma conversa "teórica" sobre os aspectos legais de uma quebra de sigilo bancário. E assim ficou sem dar conseqüência prática à teoria, até Jorge Mattoso deixar bem claro sua indisposição de assumir a culpa sozinho. Aí, e só então, a saída de Palocci passou a ser considerada a única saída para preservar o presidente Lula.
Ontem, diante da dificuldade de explicar que motivos "republicanos" poderiam levar dois assessores seus a se reunir com Palocci depois de violado o sigilo e divulgados os dados bancários do caseiro, o ministro Thomaz Bastos apresentou uma nova interpretação, até então inexistente, dos acontecimentos.
Argumentou que os auxiliares foram chamados pelo ministro da Fazenda para discutir a possibilidade de a Polícia Federal investigar o caseiro em virtude de "rumores correntes entre jornalistas" de que o jornal O Globo estaria preparando uma reportagem levantando a suspeita de Francenildo dos Santos Costa ter sido pago para testemunhar contra Palocci.
A história não combina com os fatos. Naquela altura não houve "rumores" em relação a reportagens sobre o tema, mas sim a publicação pela revista Época dos dados bancários, levantando explicitamente a hipótese do suborno.
Quando o Globo foi citado por Palocci em seu depoimento à Polícia Federal, já como ex-ministro, o jornal confirmou ter a informação sobre uma movimentação alta na conta de Francenildo dos Santos Costa, mas negou em nota oficial a reportagem, porque não havia consistência de dados suficientes para levá-la adiante.
Mesmo admitindo que as coisas tenham se passado como disse o ministro Márcio Thomaz Bastos, isso leva à seguinte evidência: no lugar de dar prioridade à investigação da quebra do sigilo, o governo se mobilizou para tentar desmoralizar a testemunha, como demonstra a consulta feita à PF pelos dois assessores do Ministério da Justiça, quando bastaria - como fez a direção da Abin quando solicitada a entrar no caso - a negativa de quem conhecia a lei e as implicações da solicitação de Palocci.
Dora Kramer
Um comentário:
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