Editorial do Estadão
Se em qualquer área o desperdício de dinheiro público é condenável, na área da Educação ele se torna revoltante, tamanhas são as carências da sociedade nesse campo e tal é o grau do comprometimento das futuras gerações quando os recursos destinados ao ensino e à pesquisa científica são malbaratados.
Na mesma época em que veio à tona, no bojo das investigações sobre os abusos no uso dos cartões corporativos, o inacreditável esbanjamento de recursos causado pelo então reitor da Universidade de Brasília (UnB), Timothy Mulholand - que gastou R$ 470 mil na decoração de apartamento funcional, quase mil reais na compra de uma lixeira e os antológicos R$ 848,00 para a aquisição de um simples saca-rolhas -, também surgiram as denúncias envolvendo o reitor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Ulysses Fagundes Neto.
O reitor da Unifesp usou recursos da universidade, por meio de cartão corporativo, para fazer compras de mais de R$ 12 mil em lojas de eletrônicos nos Estados Unidos, em lojas de cerâmicas na Espanha, em malas Samsonite em Hong Kong, etc. E, além das compras, Fagundes Neto usou o cartão corporativo para pagar hospedagens em hotéis de luxo - há conta dele até em um palacete do século 17 perto de Coimbra (Portugal) -, despesas em restaurantes com shows de dança flamenca, etc.
Posteriormente o Tribunal de Contas da União (TCU) agravou as denúncias contra o reitor da Unifesp: no relatório sobre os gastos de suas viagens entre 2006 e 2007, consta que, além de ter usado indevidamente recursos do Estado, o reitor cometeu desvio de finalidade, burlou o regime de dedicação exclusiva - ao manter consultório particular próximo da universidade - e fez viagens não autorizadas ou com prazo superior ao necessário. Em razão disso os fiscais do TCU propõem a devolução ao erário, pelo reitor, do montante de R$ 229.550,06. Passado um bom tempo desde as primeiras denúncias, Fagundes Neto resolveu, finalmente, renunciar, escrevendo na carta-renúncia: "Infelizmente, o envolvimento do meu nome no noticiário recente sobre gastos realizados em viagens de trabalho exige de mim tempo e disposição para minha argumentação e defesa."
Quando estourou o "escândalo do saca-rolhas" a Congregação da Universidade de Brasília deu todo o apoio ao reitor Mulholand, tentando evitar seu afastamento, que acabou acontecendo. Mas na Unifesp o corporativismo se manifestou de maneira mais saudável: também renunciaram o vice-reitor, Sérgio Tufik, os pró-reitores de graduação, Luiz Eugenio de Araújo Moraes Mello, Helena Nader (de pesquisa e pós-graduação), Walter Albertoni (de extensão universitária), Sergio Draibe (de administração) e o chefe de gabinete, Reinaldo Salomão.
Há um ponto importante a considerar: não pode deixar de ser perceptível, aos colegas de direção de uma universidade, os esbanjamentos e desperdícios de dinheiros públicos que porventura pratiquem os que exercem o comando maior da instituição na função de reitor. Será que ninguém da UnB tinha reparado, antes das denúncias públicas, na "preciosidade" do saca-rolhas ou das lixeiras da casa do magnífico reitor? Seriam tão distraídos assim? Ainda bem que os colegas do reitor demissionário da Unifesp foram mais atentos.
Registre-se, por outro lado, que tanto na UnB quanto na Unifesp houve uma salutar mobilização de estudantes em favor do controle e do critério de gastos dos dirigentes de universidades públicas. Sem dúvida alguma essas manifestações, inteiramente afinadas com o melhor interesse público, depõem a favor de uma "classe estudantil" freqüentemente acusada (não sem razão) de submissão a ideologias rançosas, quando não à pura alienação.
Uma coisa é certa: esses episódios servem para induzir, de agora em diante, ao máximo rigor na escolha de reitores universitários. É necessário que antes de suas nomeações, pelos governantes, venham a ser rigorosamente investigados - sobretudo para que se avalie a vocação para a ostentação e o grau de futilidade, características que nada têm que ver com o apreço à Educação e à Ciência.
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