quarta-feira, julho 11, 2007

Plebe ignara

Os pescadores entraram como Pilatos no credo na sessão de ontem do Senado, e o problema do financiamento da pesca no Nordeste serviu de pretexto para que o senador Agripino Maia, líder do DEM, colocasse o partido em obstrução para não deixar que a sessão presidida pelo senador sob investigação Renan Calheiros tivesse resultados práticos na aprovação da ordem do dia. A áspera discussão que Renan tivera momentos antes com o líder do PSDB, Arthur Virgílio, mostra bem o grau de destempero com que o presidente sob suspeita pretende enfrentar seus críticos.

O líder do PSDB havia reclamado do fato de o presidente do Senado ter encaminhado ao Conselho de Ética uma série de contestações aos procedimentos adotados pelo novo presidente, senador Leomar Quintanilha, teoricamente um seu aliado. Virgílio, com razão, estranhou que Renan tenha se utilizado mais uma vez do cargo para contestar o Conselho, num procedimento claramente indevido. E insistiu para que se licenciasse do cargo para se defender, sem misturar a instituição com seus problemas pessoais.

O presidente do Senado, mesmo estando sob investigação, não se faz de rogado e atua em todas as instâncias, alegando que está se defendendo. Ontem, ele disse que somente sairia da presidência com a votação do plenário e, num claro desafio, disse que os que quiserem tirá-lo "terão que sujar as mãos". Renan Calheiros conta que muitos senadores não se postarão como Poncio Pilatos, que lavou as mãos e não interferiu na condenação de Cristo, mas a cada dia ele conta com menos apoio no Congresso.

Seus defensores são tão inexpressivos que ontem ele mesmo não teve paciência para ouvir o discurso do senador Almeida Lima, um dos relatores do novo processo. Na tentativa de defender Renan, e de justificar sua parcialidade, Almeida Lima pôs-se a criticar "a grande mídia" que, segundo ele, está alimentando a sede de vingança "da massa ignara", incapaz de, como ele, ter um comportamento altivo e de juiz, diante das acusações a Renan Calheiros. Longe três anos e meio das eleições, Almeida Lima acha que pode desdenhar da "opinião pública" sem sofrer conseqüências.

Tão coerente quanto sua história política - já foi do PSDB, do PDT e hoje está no PMDB governista -, Almeida Lima é o mesmo que anunciou, em plena crise do mensalão, que faria uma denúncia "bombástica" contra o então ministro José Dirceu, e acabou lendo da tribuna notícias requentadas e desimportantes. Quem definiu bem a situação, na ocasião, foi o senador Antonio Carlos Magalhães quando disse, na tribuna do Senado, que o PT deveria erguer uma estátua para o senador Almeida Lima, que acabara de fazer um papel ridículo na mesma tribuna.

Anunciando, com estardalhaço e antecedência, uma bomba acusatória contra o ministro José Dirceu, o senador sergipano mexeu com os nervos do mercado financeiro e foi o assunto entre políticos e empresários de todo o país naquele dia. Depois, fez jus ao apelido de Rolando Lero, que ganhou pela semelhança de seu linguajar enrolador com o do personagem de Rogério Cardoso na "Escolinha do Professor Raimundo", de Chico Anysio, e teve afinal mais do que os 15 minutos de fama.

A situação de Renan Calheiros é tão difícil que é esse seu principal defensor no Senado. E ele, disposto a montar uma farsa para aparentar que sua presidência não corre o risco de ser esvaziada pela crise, já anunciou que presidirá a sessão do Congresso que tem que analisar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), sem cuja aprovação os parlamentares não terão recesso oficial. Os deputados da oposição prometem obstruir a sessão, da mesma forma que estão agindo no Senado, por não reconhecerem mais em Renan a capacidade de representá-los.

Caminha assim o Congresso para uma crise de governabilidade que pode ter conseqüências desastrosas para a já combalida credibilidade da classe política. Ao contrário do que imagina Renan, sua truculência no comando dos trabalhos, na tentativa de impor sua presença a seus pares, vai reduzindo cada vez mais suas chances de manter o mandato.

Os sinais de incômodo são visíveis, e mesmo os que não se dispõem a enfrentá-lo frente a frente, já parecem prontos a cassá-lo em uma votação secreta, que a cada dia que passa torna-se uma armadilha para Renan, em vez de ser uma possibilidade de absolvição.

A decisão do novo presidente do Conselho de Ética, Leomar Quintanilha, de anular o relatório anterior do senador Epitácio Cafeteira, que era favorável a Renan Calheiros, era a única possível, pois o trio de novos relatores precisa começar mesmo da estaca zero, para que as investigações sejam feitas de maneira mais aprofundada e de acordo com trâmites burocráticos que podem ter sido atropelados no auge da crise.

Não era possível, como queria Renan, que o relatório Cafeteira ainda prevalecesse, mesmo porque ele não tinha levado em conta todos os fatos novos que surgiram. Nada indica que Renan terá uma trégua nesse processo, pois as novas acusações da revista "Veja", sobre uma possível venda superfaturada de uma fábrica de bebidas da família Calheiros para a Schincariol, deverão ser objeto de uma nova representação do PSOL.

O senador sob investigação Renan Calheiros parece querer constranger seus pares e ganhar a absolvição no grito. Cada vez mais se transforma no exemplo do que o Senado não pode aceitar, se quiser manter um mínimo de credibilidade diante da opinião pública, que o senador Almeida Lima chama de "plebe ignara".
Merval Pereira

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