Vamos combinar: Lula e o PT não podem ser criticados por questões éticas, porque pairam acima de qualquer suspeita. Toda cobrança é identificada como uma atitude imprópria, que foge aos parâmetros do politicamente correto. Assim foi entendida a cobrança que Geraldo Alckmin fez a Lula sobre a origem do dinheiro que seria utilizado na Operação Cuiabá, montada por dirigentes petistas. O tucano foi considerado “agressivo” por formadores de opinião que fazem precisamente o jogo do “petistamente correto”. Cobrar ética de Lula e do PT, fazer que sejam coerentes com posições passadas, se tornou uma forma de descontrole emocional, signo de agressividade. Desviar recursos públicos com finalidades privadas e partidárias pode. Formar uma “sofisticada organização criminosa” para tomar de assalto o Estado pode. Cobrar essas “atitudes” não pode!
As discussões sobre o debate e suas repercussões já vêm enviesadas, pois se situam na ótica da recepção dos que, vendo o debate e procurando diminuir o desempenho nitidamente superior de Geraldo Alckmin, visaram a cobri-lo com o manto da “agressividade” e do “autoritarismo”. A operação montada pelo PT foi muito bem executada, lançando os seus pit bulls ao ataque, travestidos com o manto da virgindade ultrajada, respaldados por pseudo-intelectuais que já não têm com a verdade nem a mais remota proximidade.
Alckmin, no debate, mostrou um comportamento diferente do que vinha apresentando até então, revelando-se uma pessoa que sabe cobrar e exercer a autoridade. Não houve nenhuma manifestação de cunho autoritário, salvo sob o modo da recepção por um imaginário social que confunde autoridade com autoritarismo. Talvez, segundo esse imaginário, a omissão de Lula em face de suas próprias responsabilidades nos assuntos relativos à corrupção de seu governo seja vista sob a ótica de uma personalidade não-autoritária. A omissão tornou-se sinônimo de tolerância. Tolerância com o quê? Com o direito alheio ou com a corrupção? Até então, a disputa eleitoral vinha sendo pautada pelo candidato petista, agora surge uma nova agenda. E nesta não cessa de martelar a pergunta: qual é mesmo a origem do dinheiro? Será Lula incapaz de perguntar aos seus “companheiros”?
Lula foi manifestamente acuado e procurou, no debate, voltar a tomar a iniciativa. Pretendia, como durante a campanha do primeiro turno, dar as cartas. Isso ficou particularmente visível nas suas repercussões, pois ministros e líderes petistas passaram a ocupar, orquestradamente, os meios de comunicação, seja com mentiras, seja com comportamentos destemperados, seja com atitudes autoritárias.
As mentiras foram, sobretudo, protagonizadas por Marta Suplicy e pelo próprio Lula, segundo os quais Alckmin iria privatizar o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e a Petrobrás. Marilena Chauí saiu no seu encalço falando de um falso projeto de privatização das universidades. A tática, bem conhecida, foi formulada por Goebbels, de triste memória: repetir tantas vezes uma mentira quanto necessário, de modo que ela passe a ser vista como verdade. E, a propósito das privatizações, essa tática tende a ser eficaz, pois o governo anterior jamais fez uma defesa veemente dos processos de privatizações, como se estes fossem um mal menor, em todo o caso um mal. Não se diz que a privatização da Telebrás tornou possível a todos os cidadãos “deste país”, hoje, ter um telefone celular. Antes, era um objeto de luxo, das elites. Tampouco se fala nos ganhos enormes em produtividade, modernização e competitividade dos setores de siderurgia, mineração e aviação. A opinião pública não foi suficientemente informada (e formada) dos benefícios das privatizações.
Os comportamentos destemperados foram protagonizados por Ciro Gomes. Depois de se ter aliado aos homens da cueca no Ceará, ele vem colocar-se como arauto da moralidade, como se puro fosse. O seu comportamento de oligarca de Sobral lhe serve paradoxalmente para criticar as oligarquias brasileiras. Entretanto, tal comportamento pode apresentar bons efeitos eleitorais por ter como alvo os tucanos, tendo ele sido um membro do PSDB, pelo qual chegou a ser ministro. A tarefa que lhe foi designada é propagar: “São todos iguais, fiquem, portanto, com o homem do povo!”
As atitudes autoritárias estão representadas pelo ministro Tarso Genro, que se apressou a considerar “fascistas” as declarações de Alckmin no debate. “Fascista”, por definição, é todo aquele que ousa criticar o PT. “Fascista” é quem não segue o “petistamente correto”. Tal discurso revela que Lula teria acusado recepção do novo estilo adotado por Alckmin. As declarações do ministro devem ser lidas como um sintoma: o de que os tucanos utilizaram uma estratégia que eles não esperavam. Foram “politicamente incorretos”. Surge, mais uma vez, o viés autoritário do PT, que se esconde sob o véu de uma acusação de autoritarismo ao adversário.
As atitudes autoritárias encontram ainda respaldo em posições do MST e do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) visando a radicalizar o processo político. Segundo eles, o segundo turno exibiria a “luta de classes” em ação, reavivando a comunhão ideológica com o PT e o PSOL. Esses “movimentos” temem, acima de tudo, a vitória de Alckmin, pois este fecharia as torneiras do seu financiamento oficial e não teria leniência com as invasões. O alvo, agora, é um eleitorado comum a toda a esquerda autoritária, seja ela representada pelo PT, pelo PSOL, pela CUT, pelo MST, pelo MLST, pelo MPA ou pelas Pastorais da Igreja. Eleitoralmente, trata-se de capturar os votos dos partidários de Heloísa Helena e Cristovam Buarque, principalmente da primeira. Sigam o “petistamente correto”, pois o caminho da salvação lhes estará assegurado!
Denis Lerrer Rosenfield - e-mail: denisrosenfield@terra.com.br
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