Dora Kramer para Estadão
Ao contrário do que diz o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o mal do Brasil não é a prosperidade. É um governo que pensa pequeno, age pouco e fala muita bobagem.
Acredita na lenda da paz na economia sobre todas as coisas, apóia-se nos dotes artísticos do showman que ocupa a Presidência da República, aposta na gratidão subserviente dos desvalidos, manipula a falta de discernimento e o complexo de culpa dos intelectuais, patrocina a exploração dos financistas, alimenta a ambição dos fisiológicos e toca o baile enquanto o País se afunda em corrupção, insegurança pública, paralisia da infra-estrutura e ausência de gestão.
A crise do setor aéreo não é o problema central. É, antes, o sintoma mais atordoante da inépcia e da indiferença do presidente Luiz Inácio da Silva para com qualquer coisa que não diga respeito à preservação de seu poder político, conduta que contamina sua equipe e faz com que seus ministros e auxiliares em geral vivam imbuídos do mesmo espírito: nada tem importância, só o sucesso do chefe que lhes garante os empregos e lhes assegura o futuro próximo.
Se o presidente pode dizer impunemente, como o fez em seu último programa de rádio, que um país onde há nove meses o sistema aéreo está em pane vive seu melhor momento desde a proclamação da República, o ministro da Fazenda também pode conclamar os cidadãos a festejar seus infortúnios aeroviários como “o preço do sucesso” e da prosperidade. Pagam com humilhação e prejuízos pessoais, mas devem pagar felizes.
Se o ministro da Justiça, Tarso Genro, quando ainda estava nas funções de articulador político, avisava que o governo não teria “pressa neurótica” em resolver o problema da aviação, nada de novo há na previsão feita às margens do Sena pelo ministro da Defesa, Waldir Pires, de que a crise ainda dura pelo menos mais um ano.
O ministro nem se preocupou em simular preocupação com a demora e aí demonstrou perfeita consonância com a posição da ministra do Turismo, Marta Suplicy, que, antes de ser instada por assessores a corrigir-se, aconselhou faceira os passageiros a relaxarem e aproveitarem o fato de estarem sendo violentados em seus direitos. De ir e vir, como cidadãos, e de garantias sobre serviços comprados, como consumidores.
O antecessor de Marta na pasta do Turismo - aquela responsável por um setor, na visão de Lula, prejudicado pela insistência dos brasileiros de não se comportarem como os povos desenvolvidos, mesmo sendo obrigados a conviver com padrões de submundo - já havia dado sua contribuição ao profícuo embate entre indigentes mentais.
Em março, uma semana antes do apagão total do dia 31, fruto de um acesso de insubordinação avalizado pelo presidente comandante-chefe das Forças Armadas, Walfrido Mares Guia - hoje articulador político - era todo tranqüilidade e desfaçatez. Falava sobre a falta de motivo para o Congresso se envolver no assunto instituindo comissões de inquérito.
“Não temos uma crise no setor aéreo, porque crise é quando você tem uma difícil solução. Nós temos problemas focados, cujas soluções estão em curso”, disse ele, atribuindo os infortúnios à “lei de Murphy” - aos acasos do azar, portanto - e manifestando a mesma convicção do ministro da Fazenda: “As empresas aéreas cresceram, as pessoas estão viajando mais de avião.”
Maravilha. O Brasil, além da jabuticaba, detém mais esta particularidade: a pujança que resulta em escassez. E sob os auspícios entusiasmados de nulidades detentoras de poder público.
Quanto à segurança dos vôos, o presidente da Infraero, José Carlos Pereira, resume o pensamento (?) vivo de nossas loquazes autoridades: “A melhor proteção para um avião não cair é não decolar.”
E quando se resolve tomar uma providência, prendem-se dois controladores de vôo por indisciplina verbal. Mais eficaz seria o confinamento dos oradores que nos falam em nome de um governo cujo atributo mais chamativo é a produção em série de péssimas piadas de salão.
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