No Brasil, a OAB pratica o voto em lista desde a sua instituição. Nela, vota-se em chapas batidas, conforme a maior ou menor identificação do advogado com as propostas de cada uma, ou com os membros que integram cada uma delas. Não há como considerar ser essa prática antidemocrática, ou que suprima qualquer direito fundamental dos eleitores. Mínima dúvida houvesse nesse sentido, por se tratar da classe de defensores institucionais da cidadania, o STF já teria sido convocado para dirimir a polêmica.
Espanha, Portugal, Israel, a África do Sul redemocratizada e quase toda a Escandinávia adotam o sistema de listas. Jamais se ouviu em nenhum desses locais que “a vontade do eleitor” foi desrespeitada ou que minorias se viram mal representadas.
A Alemanha elege deputados por sistema misto, parte distrital e parte proporcional. O voto proporcional lá é por lista fechada. Alguém dirá que o sistema alemão é menos democrático por conta disso?
O novo sistema proposto é perfeito? Claro que não. Mas a tentativa de sua adoção não pode ser combatida mediante objeções pueris, como o fato de que democracia pressuporia, como “cláusula pétrea”, o direito do eleitor de votar em pessoas. Ou que ele instituiria “oligarquias vitalícias”.
Primeiro, essa garantia de representatividade pelo voto individual é ilusória. Pela mecânica de coligações, alguém que vote no candidato A pode em verdade ajudar a eleger o candidato B, a quem não conhece e que pode até ter posições e valores políticos totalmente distintos do candidato votado. Não me lembro de ninguém que tenha protestado contra essa aberração. Aliás, vale indagar: se o voto individual é tão sagrado, como explicar que nosso sistema eleitoral aceite o voto de legenda há decênios, na verdade desde o Código Eleitoral de 1932? Como admitir essa inominável “traição” ao direito de o eleitor “eleger pessoas”? E há mais. Dois meses depois de uma eleição, o que é confirmado pelas pesquisas (as mais importantes são as de Alberto Almeida, da IPSOS), os eleitores já não se lembram em quem votaram. Que “representatividade” é essa?
Curiosamente, ninguém lembrou também que mensaleiros, sanguessugas, gafanhotos e navalheiros existem em boa parte porque nosso sistema é de voto individual. E continuarão a existir enquanto isso não mudar, pois bicheiros, traficantes e empresários corruptores sempre garantirão a recondução de desqualificados que lhes convenham. Já num sistema de lista fechada, qualquer partido pensaria duas vezes antes de incluir na sua lista ladrões públicos ou “figurinhas carimbadas” da corrupção e da falta de decoro. O motivo? Enfiar no seu cesto uma ou mais maçãs podres representaria suicídio político. Eliminado, o mal não seria. Mas já diminuiria bastante. E tornaria as coisas bem mais transparentes.
A lista fechada pode criar feudos partidários? Sim, pode – mas não mais do que já existe hoje. E isso se resolveria de maneira fácil. Basta que a atividade política deixe de ser feita em gabinetes e passe a ser (o que jamais foi entre nós) efetivamente partidária. A lista fechada obrigaria todo o universo partidário nacional a se tornar real. Ou o partido se assume, ganha identidade e adquire seiva interna, no município, no Estado e em plano nacional, ou desaparece. Com a continuidade do voto individual, isso é totalmente irrealizável. Um último lembrete: ninguém tem a pretensão, na reforma política, de ser onisciente ou dono da verdade. A idéia é implantar o novo sistema, testa-lo em 2008, 2010 e 2012, após o que ele será avaliado pelo povo num referendo em 2013. Vale investir nessa aposta.
Ronaldo Caiado é deputado federal (DEM-GO)
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