CESAR MAIA
Como em todos os inícios de ano, tenho sido procurado por presidentes e diretores internacionais de corporações financeiras para falar sobre a conjuntura brasileira. Curiosamente, neste ano, os três que me procuraram fizeram a mesma pergunta: O que seria o governo Lula num segundo mandato? Nessa pergunta está implícita a dúvida sobre as intenções últimas do governo Lula, sua verdadeira natureza. Os empresários e a mídia sobrevalorizam o fator econômico e, com isso, não conseguem perceber adequadamente os fatores causais, que são os fatores políticos. Mas o mercado capta esses fatores, numa rede de interações imperceptíveis a olho nu, e os "precifica" num "risco Lula", que explica a taxa de juros, por exemplo.
No boxe, como nas mágicas de salão, o sucesso depende da capacidade de desviar a atenção para um movimento, enquanto se realiza o outro que se quer. A estabilidade da moeda é exemplo. Faz-se o óbvio e se vende como bom comportamento. Enquanto o distinto público se distrai, assiste-se no Brasil a uma impressionante escalada autoritária:
intervenção nas agências reguladoras;
as tentativas de criação dos conselhos de jornalismo e de audiovisual no controle das TVs e do cinema;
concentração e centralização fiscais;
o controle das universidades;
a construção de uma rede interna ao governo de militantes de confiança do Palácio do Planalto;
a tentativa de interferência na independência do Ministério Público;
a busca por politizar o STF;
a quase intervenção na Câmara dos Deputados, salva pela reação dos parlamentares, seguida da sua desmoralização como fator do baixo clero;
a intervenção nos partidos, desmontando como nunca a proporcionalidade saída das urnas de 2002;
a asfixia financeira dos Estados e municípios, produzindo uma dependência direta de Brasília;
a desestabilização no campo, tornando inseguro o direito de propriedade;
a antecipação dos dados do IBGE;
o uso abusivo das medidas provisórias, como os decretos-lei da ditadura;
etc.
O ato de governar se tornou secundário, hoje, no Brasil. Há um claro déficit de governança. Tanto faz. O jogo do poder é que governa. No setor externo, procura sinalizar que sua natureza não mudou. É verdade. Um sinal que a cada dia é mais percebido.
O Brasil não assinou a resolução do Conselho de Segurança da ONU criticando a presença de tropas sírias no Líbano.
O "chavismo" é cada vez mais exaltado.
Não é difícil uma escalada autoritária dentro da lei.
Se os conselhos que eu citei tivessem sido aprovados, a imprensa já estaria sob controle.
E as agências caminham nessa direção.
Chávez deu o exemplo de como dar golpes dentro da lei.
O quadro fiscal do país assusta. No último dia de janeiro, por determinação da Lei de Responsabilidade Fiscal, são publicados no "Diário Oficial" dos Estados e municípios os dados relativos ao ano anterior -no caso, de 2004. O quadro mais importante é aquele que compara os restos a pagar -processados e não processados- com as disponibilidades financeiras existentes. Quando essa relação é negativa, diz-se que há insuficiência financeira. Pois bem,
a insuficiência financeira dos Estados do Rio Grande do Sul e Minas Gerais supera os R$ 3 bilhões.
A do Paraná supera os R$ 2 bilhões.
A do Estado do Rio de Janeiro e a a da Prefeitura de São Paulo chegam perto dos R$ 2 bilhões.
E não se pode dizer que os governadores têm sido irresponsáveis.
O que há por trás da gestão fiscal federal pode ser percebido pela expansão do gasto, vis-à-vis uma ampliação inusitada da carga tributária desde a transição, em dezembro de 2002. Pergunta-se por que. Para quê? Talvez o quadro pós-eleitoral da Prefeitura de São Paulo -inimaginável antes- possa explicar. Os governadores de São Paulo e Minas, num claro registro de preocupação com o regime federado, falam abertamente na necessidade de um novo pacto federativo. Outro elemento característico dos regimes autoritários é a orgia do gasto com propaganda. Nunca se viu tamanho desgoverno com os recursos públicos. Estima-se, incluindo as promoções, que esse valor tenha superado os R$ 2 bilhões em 2004.
Há alguns dias foi apresentado o projeto da nova Lei Sindical. Uma leitura cuidadosa -escoimando os pontos positivos que obedecem à lógica do boxeador e do mágico- mostra que se caminha para uma inevitável centralização sindical em torno da CUT e uma problemática: mobilidade restrita do mercado de trabalho, via interveniência dessa central sindical, num modelo ainda discreto de controle do fator trabalho, que, a prazo, pode ser parecido com o de Cuba.
A escalada autoritária mostra um quadro de insegurança jurídica, elemento decisivo para a atração ou não de capitais externos. A matéria publicada e conhecida de muitos, a respeito das relações do PT e seu governo com as Farc colombianas, só aponta os riscos que a democracia corre no Brasil. O MST é exemplo.
Esse processo lembra um poema de Brecht sobre a escalada nazista na Alemanha: enquanto estava longe, tanto fazia. Um dia chegou na sua casa. Cada dia, no Brasil, está mais próximo de todos. É só olhar com atenção. E deixar de lado as bobagens improvisadas do presidente Lula.
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Cesar Epitácio Maia, 59, economista, é prefeito, pelo PFL, do Rio de Janeiro.
@ - cesarmaia@uol.com.br
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