segunda-feira, janeiro 09, 2006

Entrevista com Jorge Bornhausen

Jorge Bornhausen afirma que Lula não se reelege em 2006

"A sorte foi ter um presidente incompetente com o mundo crescendo. Se o cenário fosse de recessão, estaríamos em convulsão social"


Em quarenta anos de vida pública, o senador Jorge Bornhausen quase nunca esteve na oposição. Mas não deixou de tomar decisões que levaram a grandes reviravoltas. Há 21 anos, rompeu com o governo militar para fundar o PFL. Em 1992, tornou-se ministro para tentar salvar o combalido governo Collor. No ano seguinte, dissolveu o PFL paulista, que era usado como
legenda de aluguel no principal estado do país.

Quando Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao Planalto, Bornhausen levou o partido para a oposição e ameaçou com expulsão aqueles que queriam aderir ao governo. A fase mais fulgurante de sua carreira começou em 2005, quando se descobriu a bandalha petista do mensalão.
O escândalo amplificou o peso de Bornhausen dentro e fora de seu partido. Ainda assim, o "Alemão", apelido que ganhou por causa da ascendência germânica e do comportamento draconiano, não quer mais disputar eleições.

Aos 68 anos, diz que só volta atrás se for para disputar a sucessão de Lula. Bornhausen recebeu VEJA para um almoço em seu apartamento em Florianópolis. Na entrada, serviu seu prato predileto: espetada de lula. O molusco, bem entendido.

Veja – O PT passou oito anos infernizando o governo tucano-pefelista. Desde 2003, o PFL tem atazanado a vida do PT. O PFL é o PT do PT?
Bornhausen – O PFL fundou a oposição ao Lula. O povo escolheu um presidente da República do PT, um partido que é o oposto ideológico e programático do PFL. Dessa forma, também escolheu o caminho da oposição para nossa legenda. Isso ficou claro para nós na eleição de Lula. Por isso, a executiva do PFL decidiu quatro dias depois do segundo turno adotar uma oposição responsável e fiscalizadora ao governo petista. Nessa época, as pesquisas de opinião indicavam que 84% da
população tinha a expectativa de que o governo daria certo, contra apenas 2% que não acreditavam nele. Eu fiquei entre os 2%.

Veja – Por que tanta certeza?
Bornhausen – Eu achava que faltava ao candidato vencedor experiência administrativa e preocupação em ter conhecimentos mais amplos. Não estou falando de diploma, mas de estudo, de estar inteirado de soluções adotadas por outros países. Eu não acreditava que pudesse dar certo um presidente da República, eleito com essa esperança toda, sem experiência administrativa nem conhecimento para enfrentar o triângulo do atraso que existe no Brasil – a injustiça social, o Estado máximo e o cidadão mínimo. Nossa sorte foi ter um presidente incompetente com o mundo crescendo. Se o cenário fosse de recessão, estaríamos em convulsão social.

Veja – O PFL sempre teve fama de adesista e fisiológico. No governo Lula, pela primeira vez, foi
empurrado para longe do poder. A oposição fez bem ao partido?
Bornhausen – O PFL só foi governo quando ganhou eleições. Nunca fomos governo de carona, como adesistas. Essa história de fisiológico e ser governista desde Pedro Álvares Cabral é preconceito.

Veja – Mas não é desprovida de fundamento.
Bornhausen – Reconheço que tem pitadas verdadeiras no caso do fisiologismo. Muita gente entrou no partido quando fazíamos parte do governo, na tentativa de ocupar espaços. Na oposição, o partido tornou-se respeitado pela sociedade. Esse estágio mudou nossa imagem.

Veja – Há um ano, a direção do PFL chegou a pensar em mudar o nome do partido para se livrar do que o senhor classifica como preconceito. A imagem estava tão desgastada assim?
Bornhausen – Tivemos essa discussão duas vezes, mas o assunto está liquidado. A primeira foi em 1993. Havia um sentimento de que o partido caminhava para a dissolução, apesar de ter governadores importantes. Eu fui contra, porque é a atuação de seus líderes – e não
a legenda – que leva o partido a ficar fora de sintonia com a sociedade. Tínhamos de ver onde estavam nossos erros, fazer um mea-culpa e corrigi-los. Chegamos a atos extremos. Concluímos que, em São Paulo, o PFL era um câncer político. Estava desmoralizado porque só funcionava para vender espaço de rádio e televisão. A única saída foi dissolver o diretório estadual e todos os que estavam estabelecidos nos municípios. A idéia de mudar o nome voltou recentemente, quando começamos a nos afirmar como um partido liberal-social. Mas o comportamento do
PFL como oposição melhorou nossa imagem e apagou completamente essa idéia.

Veja – Todos os partidos deveriam passar uma temporada na oposição?
Bornhausen – Creio que sim. Para o PFL, fez muito bem.
Admito que, no início, foi difícil. O governo Lula partiu para a cooptação e perdemos cerca de 25
deputados para partidos da base aliada do governo. Em boa parte dos casos, foi por efeito da lipoaspiração do mensalão. Só dois deputados deixaram o PFL para entrar no PSDB, que também está na oposição. No fim, ganhamos em qualidade.

Veja – Por que os tucanos fazem uma oposição mais tímida que o PFL?
Bornhausen – O PSDB é um partido social-democrata. O PT se diz um partido socialista, em transição para a social-democracia. Há algumas semelhanças programáticas entre eles. Esse não é o caso do PFL. Além disso, o PSDB, por ter sido governo, sabe que as metralhadoras também se voltam para trás.

Veja – O senhor acredita que o PSDB temia que o PT fizesse uma devassa nos oito anos de administração Fernando Henrique Cardoso?
Bornhausen – Não estou dizendo que foi por medo, mas por cautela, a fim de não atiçar a tendência natural de quem assume fazer uma devassa no governo anterior.
Não creio que se encontrasse nada de mais grave, mas devassas incomodam.

Veja – O PFL é o partido da direita brasileira?
Bornhausen – O PFL é um partido de centro. Por opção, pertencemos à Internacional Democrata de Centro, que defende um liberalismo social. Não pertencemos à Internacional Liberal, que é puramente liberal. Somos de centro porque, de um lado, estamos distantes do
imobilismo conservador. E, do outro, longe do populismo demagógico.

Veja – Por que ninguém assume ser de direita no Brasil?
Bornhausen – A direita não cabe dentro do figurino brasileiro. Temos de considerar nossas condições sociais. Não podemos querer uma economia de mercado pura, sem um Estado regulador. Temos de fazer com que o Estado seja um instrumento a serviço do cidadão,
especialmente o menos favorecido. Sem isso, os pobres não terão oportunidades justas nem seus direitos básicos preservados. Não é a questão de Estado máximo e Estado mínimo, mas do Estado necessário.

Veja – O senhor tem medo de ser classificado como de direita?
Bornhausen – Não se trata de medo, é que não há como existir direita em um país que não é desenvolvido.

Veja – Reformulando: o PFL é o partido mais à direita no espectro político brasileiro?
Bornhausen – Não. Há partidos que se colocam muito mais à direita, como o PP e o PTB. Ambos com intensa convivência com Lula e seu governo. Não somos de direita, mas direitos.

Veja – O que o senhor quis dizer quando se declarou "encantado" com a possibilidade de tornar-se "livre dessa raça pelos próximos trinta anos", ao referir-se aos petistas?
Bornhausen – O termo "raça" não teve nenhuma relação com etnia. Eu me referia aos corruptos ou corruptores que estavam no governo. Mas intelectuais e sindicalistas ideologicamente empedernidos quiseram transformar isso em um ato de racismo e estenderam seu significado como se fosse uma palavra contra a esquerda. O PDT e o PPS são de esquerda e de oposição.
Os criadores do P-SOL foram expulsos do PT. Nada têm a ver com os corruptos. Para tentar me desmoralizar, houve quem produzisse cartazes em que eu aparecia como Hitler. Aquilo, sim, foi um ato de racismo nazi-fascista. A polícia de Brasília identificou os autores dos cartazes. Um líder sindical, Avel de Alencar, e seu irmão, Alvemar, encomendaram esses cartazes ao senhor Marcos Wilson, que era assessor da liderança do PT na Câmara em Brasília.

Veja – O senhor memorizou os nomes e o cargo de cada um dos envolvidos?
Bornhausen – Tenho quarenta anos de vida pública. Respondo e aciono judicialmente todos que me acusam. Vou processá-los por calúnia, injúria e difamação assim que a polícia terminar o inquérito. Eles certamente também serão enquadrados no crime de racismo. Esse Avel, aliás, não é um joão-ninguém. Era freguês de audiências do ministro do Trabalho, Luiz Marinho.

Veja – O PFL se coligará com o PSDB na eleição presidencial?
Bornhausen – Há um ano, optamos pela candidatura própria. Na ocasião, verificamos que havia uma possibilidade de a candidatura Lula, mesmo com um governo medíocre, ser vitoriosa no primeiro turno em razão da inércia da oposição. Procuramos, então, o prefeito do Rio, Cesar Maia, que havia vencido a eleição municipal, e o convidamos para ser pré-candidato. Ele aceitou, com a condição de poder dar uma posição definitiva até março deste ano. Aceitamos a condição.

Veja – Mas o prefeito Cesar Maia já declarou apoio à candidatura do prefeito de São Paulo, José Serra.
Bornhausen – O que Cesar disse foi que Serra e ele têm as mesmas características administrativas. Por isso, se Serra for candidato, ele não será. Essa declaração foi interpretada como apoio e desistência, mas não era isso. Até porque ninguém sabe se Serra será o candidato do PSDB.

Veja – A disputa pela candidatura no PSDB está polarizada entre Serra e o governador paulista,
Geraldo Alckmin. Qual deles tem mais chance na disputa contra Lula?
Bornhausen – Sou do PFL. Deixo os problemas dos tucanos para eles resolverem. A dificuldade que eles têm não é por falta de qualidade de candidatos. Isso é uma grande vantagem.

Veja – Em 2002, o senhor atribuiu ao então candidato Serra a responsabilidade pelas denúncias que destruíram a candidatura de Roseana Sarney à Presidência. O senhor ainda acha que ele foi
responsável pelo episódio?
Bornhausen – Um dia, o Serra pediu para me visitar no Senado. A conversa começou justamente por aí. Ele disse que queria esclarecer sua posição. Respondi que não era preciso, porque não se faz política olhando para o retrovisor. Disse-lhe também que precisávamos fazer política de maneira conjunta, entre dois partidos que são oposição. Dali para a frente, estabelecemos um nível de entendimento cordial, amigo. Serra compreendeu o papel do PFL e a necessidade de
estabelecermos essa parceria. Não tenho divergências com ele.

Veja – Até agora, a senadora Roseana tem apoiado o governo Lula. Há risco de ela vir a apoiar também o candidato do PT na eleição?
Bornhausen – Não. Eu tenho certeza absoluta de que ela vai acompanhar a decisão do nosso partido.

Veja – Mesmo que o PFL se coligue com o PSDB, e que o candidato seja o prefeito José Serra?
Bornhausen – Eu acho que sim, mas vamos conferir.

Veja – Por que a oposição evita investigar o presidente Lula e o ministro da Fazenda, Antonio
Palocci?
Bornhausen – Não sou daqueles que acham que Palocci deva ser poupado e não estou falando dos episódios que ocorreram quando ele foi prefeito de Ribeirão Preto.
Esses já estão sendo investigados pelos promotores paulistas. O problema é que algumas das principais denúncias de corrupção deste governo atingem órgãos subordinados a ele, como o IRB, a Casa da Moeda, a Caixa Econômica e o Banco do Brasil. Além disso, ele fez um gerenciamento medíocre da economia brasileira. Não o defendo nem como gerente da economia nem no que diz respeito à questão ética. No PSDB, há uma visão diferente. Acham que é melhor com Palocci do que com outro. Não penso assim. A política econômica do governo não mudará se o ministro da Fazenda for outro, porque ela é comandada pelo Banco Central.

Veja – E quanto ao presidente?
Bornhausen – Lula adotou a política do "eu não sabia", na qual ninguém acredita. Participei de muitos governos. No governo Collor, fui o equivalente ao Ministro da Casa Civil. Sei que o presidente da República é sempre um homem bem informado. Essa esperteza não levará Lula a lugar nenhum, a não ser à reprovação popular.

Veja – Quais serão as principais tarefas do próximo presidente?
Bornhausen – Haverá uma grande mudança na política a partir de 2007. Apenas seis ou sete legendas sobreviverão depois que for aplicada a cláusula de desempenho eleitoral, que exige que os partidos tenham, pelo menos, 5% das cadeiras na Câmara Federal e no mínimo 2% em nove estados. É uma mudança grande o suficiente para permitir que façamos a reforma política nos primeiros seis meses de governo do próximo presidente. E só posso dizer uma coisa: esse presidente não será o Lula, porque ele não ganhará a eleição.

Veja – O senhor acha que tem condições de garantir isso?
Bornhausen – Pode escrever.

Veja – O senhor está considerando a hipótese de Lula não concorrer à reeleição?
Bornhausen – Digamos que esse cenário só tem 20% de chance de se realizar. Mas, se Lula não concorrer, teremos uma reprise da eleição de 1989, quando todos os partidos lançaram candidatura própria. Nesse caso, o PSDB deverá estar no segundo turno de qualquer forma. Todos os outros disputarão a segunda vaga. É um quadro preocupante porque abre espaço para um aventureiro.

:: Felipe Patury e Marcelo Carneiro - Veja

Um comentário:

Anônimo disse...

Olha, esta entrevista com o Senador Jorge Bornhausen, que já li em Veja, está excelente. Bornhausen, que é aqui da minha terra, Santa Catarina, é um político experiente. Votei nele e não me arrependo pois veio a tornar-se o principal oposicionista ao governo Lula. E tem outras qualidades: é um sujeito coerente. Nunca vi Jorge prometendo o céu ou agindo de forma populista em suas campanhas. Em resumo: Bornhausen é mil vezes mais confiável do que esses populistas travestidos de esquerda, que promoveram o maior escândalo de corrupção da história da República. Se for candidato, voto em Jorge Bornhausen novamente. Pelo menos é um homem educado que respeita e ouve as pessoas. Já tive oportunidade de falar com ele inúmeras vezes e até mesmo entrevistá-lo quando estava em redação de jornal diário.
Grande abraço do
Aluízio Amorim
http://oquepensaaluizio.zip.net

P.S.: Convido vc e os seus leitores para visitarem o meu blog. Será uma satisfação recebê-los e publicar seus comentários.