terça-feira, novembro 20, 2007

Assim começam as ditaduras

Logo após o ministro Mangabeira Unger assumir a Secretaria de Ações de Longo Prazo e trazer para sua subordinação o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), previ neste espaço editorial o risco de aparelhamento ideológico da instituição. Não era exercício de quiromancia, pois a independência científica do Ipea sempre incomodou o governo petista. A exoneração de quatro dos seus mais capacitados pesquisadores confirmou a suposição e pode ser interpretada como o passo inicial para enquadrar uma instituição que foi criada no governo militar para pensar o desenvolvimento do Brasil e nem durante o regime de exceção sofreu tamanha violência.

O presidente do Ipea, Marcio Pochmann, declarou estar indignado com as “interpretações” lançadas pela mídia nacional de que as demissões teriam um caráter de purgação ideológica. Perfeitamente, é um direito dele, mas a forma e a motivação como se verificou o desligamento dos estudiosos tem a marca da perseguição política. Pochmann afirmou ao jornal O Globo que pretende reestruturar o Ipea, explicação vaga que só reforça a “interpretação” de aparelhamento petista de uma das poucas instituições que funcionam bem no Brasil.

Ao contrário do pensamento corrente entre os grandes economistas brasileiros de que o Estado nacional é paquidérmico e perdulário, Pochmann o considera raquítico. O presidente do Ipea é um economista parado no tempo e pleno de devaneios fora de moda. Acredita, por exemplo, que falta ao Brasil “passado revolucionário”, imagina que o País é “prisioneiro das elites” e tem como certo, olhem a estultice, que o “desaburguesamento” da classe média e a “desproletarização” dos trabalhadores podem unir as duas classes sociais em torno de um projeto de revolução. Como se vê, Zumbi está vivo e Lênin muito bem representado.

Para se ter noção da independência do Ipea, basta citar que o instituto sempre contrariou a bisonha e falaciosa idéia das causas sociais da violência sustentada pelo governo Lula para ter razão à imobilidade da União em relação à segurança pública. Em vários estudos demonstrou que a criminalidade teria quase uma centena de determinantes, sendo a pobreza uma das razões concorrentes. Pesquisas do Ipea sobre a eficácia do gasto público, os efetivos resultados das políticas sociais e a crise previdenciária brasileira fazem parte de um conjunto de verdades que o governo Lula não quer ouvir e por isso foi classificado como desvio de finalidade do instituto, uma vez que se trata de “análise de conjuntura” quando a função do Ipea é cuidar do longo prazo.

O argumento não convence e reforça a desconfiança de que a gestão do senhor Pochmann está orientada para converter o Ipea em instância de homologação das ações do governo central. Em vez de realizar estudos sérios e criteriosos que visam orientar as ações econômicas do governo, a instituição passaria a pesquisar o elogio às políticas petistas. Sob o ponto de vista científico, o adestramento ideológico do Ipea é uma temeridade para um País que produz tão pouco conhecimento e tem na instituição uma ilha de excelência respeitada internacionalmente e que tanto serviu ao Brasil nestes 43 anos de existência.

Já em relação à atitude política do governo a situação é mais grave, pois reforça a crescente disposição autoritária do petismo de enquadrar as instituições. A decisão ocorre em um momento delicado, quando as encenações sobre a pretensão de um terceiro mandato para o presidente Lula ameaçam a frágil democracia brasileira, principalmente depois que o próprio mandatário do País prestou solidariedade explícita ao bonapartismo moreno de Hugo Chávez. Pode parecer exagero, mas é assim que começam as ditaduras. Espero que o senhor Marcio Pochmann, quando for dar explicações ao Senado, nos convença do contrário.

Demóstenes Torres é procurador de Justiça e senador (DEM-GO)

Um comentário:

Anônimo disse...

“Interpretações lançadas pela mídia”. Não é interpretações, e sim constatação clara de como estão aparelhando às coisas, camuflando a realidade.

E sempre que necessário, como bons esquerdistas, criticam a imprensa. Ainda bem que temos a imprensa. Ruim com ela, muito pior sem ela.
Abs