quinta-feira, novembro 02, 2006

Sem rendição, adesão ou ressentimento!

Há os que perdem e se rendem, desonrados; há os que perdem e aderem, covardes, indignos da causa que defenderam; há os que perdem, reconhecem realisticamente que perderam e se recolhem ao seu território, com humildade e altivez, para a indispensável autocrítica, a necessária reflexão e, principalmente, a sua própria reorganização e reestruturação de idéias e programas.
O PFL não se rende, não adere e, sem ressentimentos, respira e reassume seu papel. Essa é a única atitude digna de partidos que disputam eleições democráticas. Estou propondo que o partido a assuma pública e vigorosamente, já.
Eleições democráticas não constituem nem de longe uma guerra cruenta, que gera luto e ódio. São um torneio de cidadãos que propõem, são ouvidos e, recusados, se preparam para a próxima refrega -daqui a quatro anos-, quando tentarão, de novo, ver aceitas e experimentadas suas ideologias, propostas e programas. Considero que a primeira providência de um partido, contados os votos, deve ser uma declaração de reconhecimento e respeito à decisão popular. Os processos eleitorais em andamento devem, no Estado de Direito em que vivemos, ser decididos pela Justiça Eleitoral, não nos cabendo politizá-los.
O povo decidiu soberanamente -usando um direito que é exclusivamente seu- ao escolher o presidente da República. Sei que essa é uma manifestação desnecessária, mas nunca se deve perder chances de enfatizar que a democracia é o bem civilizatório mais importante conquistado por uma sociedade, e, sem eleições livres e periódicas, não há democracia. A segunda providência deve ser crítica: como se posicionar com relação ao novo governo?
O clima propiciatório sugere a magnanimidade do vencedor. A mão generosa estendida por interlocuções grandiloqüentes pode representar sincera oferta de parceria -quando há afinidades políticas ou ideológicas- ou apenas um golpe enganador, o canto das sereias da "Odisséia".
Nesse momento, a salvação está na lição homérica da resistência preventiva. Tapam-se os ouvidos com a cera da experiência, pois esses convites à aliança visam simplesmente a cooptação; sugerem que haverá partilha do poder, quando apenas procuram abrir caminho para que surjam, com suas malas, Waldomiros, Delúbios e Marcos Valérios.
A rota da oposição só levará a uma futura vitória eleitoral -a única que interessa ao PFL- se a largada for uma precisa definição de objetivos, pontos programáticos bem definidos, cronogramas de ações bem calculados e, principalmente, muita firmeza para isolar, na hora em que se revelarem, os fracos, indignos, trânsfugas, indisciplinados e individualistas, antes que suas traições -no final da jornada- comprometam a longa vigília de trabalho e resistência. E é por aí que devemos começar.
A propaganda -que, sintomaticamente, se convencionou chamar de marketing político, escrachando o que o proselitismo já não argumenta, mimetiza o sistema de "compra e venda"- é um capítulo que a ação oposicionista não deve relegar à condição de providências de última hora.
Nos últimos anos, se abusou dos recursos do Estado e se montou uma indústria de factóides que, a título de divulgar atos administrativos, transformou o Palácio do Planalto numa espécie de comitê eleitoral permanente. O Estado-espetáculo se transformou em Estado circense, com evidente êxito demagógico, como foi possível conferir na campanha eleitoral.
A oposição tem de ser uma usina de sonhos, estimuladora de projetos, uma central de pensamento estratégico que ultrapasse a guerrilha de oportunidades e se constitua, aos olhos do povo brasileiro, não numa alegoria de escola de samba para impressionar na campanha eleitoral e que até vence eleições, como acabamos de ver, mas numa proposta consistente de felicidade, antes que o desenvolvimento, o emprego, a educação e a saúde se tornem utopias inatingíveis, como fatalmente se tornará, dada a irresponsabilidade cruel com que esses temas são considerados.
Os homens de pouca fé transformam as graças em ressaca, mas, para quem tem compromissos democráticos, fim de eleição é apenas um começo de jornada. Foi com esse sentimento que acordei na manhã de 30 de outubro, disparando telefonemas aos companheiros, convocando-os. A democracia não conhece apocalipses, não chegamos ao fim do mundo.
JORGE BORNHAUSEN

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