Ainda está viva na memória dos brasileiros a ocorrência do "apagão", quando a incúria das autoridades colocou sob risco o fornecimento de energia elétrica, impondo restrições aos cidadãos e às empresas. A sociedade brasileira sofre agora as conseqüências do caos que se instalou nos aeroportos, em novo espetáculo de fracasso do poder público federal na prestação de serviço sob sua responsabilidade.
Tal qual havia ocorrido em 2001, no apagão da energia elétrica, as autoridades aeronáuticas e aeroportuárias recorrem a explicações e justificativas absolutamente inaceitáveis para ocultar sua omissão. Não podendo atribuir a culpa a São Pedro, como naquela ocasião haviam tentado os responsáveis pelo setor elétrico, as autoridades civis e militares que deveriam zelar pela gestão eficiente da navegação aérea buscam agora escamotear sua negligência com argumentos que ofendem a inteligência do cidadão brasileiro.
Uma dessas autoridades teve o atrevimento de atribuir o "apagão" dos aeroportos, em especial o de Brasília, ao excesso de pousos e decolagens em decorrência das eleições. Feliz seria o Brasil se tantos cidadãos possuíssem aviões a ponto de congestionar os céus por ocasião dos pleitos eleitorais. Esqueceu-se, porém, ao inventar tal disparate, que algumas semanas atrás vivemos uma eleição de primeiro turno sem que nada de anormal ocorresse nos aeroportos do País.
Um outro veio em seguida dizer que o Aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília, havia subitamente chegado ao limite de saturação. Tivesse consultado a página da própria Infraero na Internet e teria evitado a gafe. De janeiro até o final de setembro de 2006, o movimento de aeronaves na capital federal havia somado 93.250 pousos e decolagens, contra um total de 97.872 operações realizadas no mesmo período de 2005. O movimento diminuiu, portanto. E não se pode esquecer que uma segunda pista havia sido há poucos meses inaugurada no aeroporto brasiliense, o que permite supor uma melhoria em suas condições operacionais.
O que as autoridades teimam em negar, é o que todos já perceberam. Os controladores de vôo, civis e militares, estão realizando uma ação coletiva e deliberada de retardamento dos pousos e decolagens. Chame-se a isto operação tartaruga, procedimento padrão, greve branca, ou que outro nome se deseje inventar: é incontestável que os vôos estão sofrendo atrasos sistemáticos em razão de alteração das rotinas até então adotadas, sem que houvesse qualquer ordem superior para tal. Vá lá que o Comando da Aeronáutica prefira não enxergar tal atitude como indisciplina, para evitar o incômodo da apuração de responsabilidades e da aplicação de punições. Não se pode pretender, porém, que os usuários dos aeroportos, já suficientemente incomodados pelos atrasos de seus vôos, sejam compelidos a aceitar explicações tão destituídas de fundamento.
Muitos devem estar, com toda razão, condenando a categoria dos controladores de vôo pelo aproveitamento político da comoção pública subseqüente ao acidente com o jato da Gol. No entanto, é inegável que o salário de um controlador de vôo é ínfimo perante a responsabilidade colocada em suas mãos. A falta de sensibilidade revelada pela categoria não isenta seus superiores hierárquicos, a quem competia agir para remediar-lhes o salário iníquo.
Irregularidades no cumprimento de escalas de trabalho e respectivos períodos de descanso também devem ser atribuídas às autoridades aeronáuticas. Se o cumprimento estrito das normas exigia a ampliação do contingente de controladores de vôo, por que não foram tomadas as providências necessárias para tal?
O colapso do controle de nosso espaço aéreo não resulta de fatores imponderáveis, ou de um excesso de tráfego aéreo contra o qual seja impossível reagir. Se assim fosse, os cidadãos americanos, europeus e asiáticos já viriam experimentando há décadas o tumulto que ora assola nossos aeroportos. Qualquer um dos quatro mais movimentados aeroportos americanos (Atlanta, Chicago, Los Angeles e Dallas-Fort Worth) suporta sozinho mais pousos e decolagens anuais do que a soma de nossos quatro aeroportos de maior movimento (Congonhas, Guarulhos, Brasília e Galeão). É evidente que, para tanto, dispõem de recursos materiais e humanos muito superiores aos nossos. Cabe, porém, àquelas mesmas autoridades prever a expansão do tráfego aéreo e tomar as providências para enfrentar tal crescimento. Se não o fizeram a tempo, falharam em sua missão.
Não há mistério no que está ocorrendo. Falhou o governo agora, assim como falhou o governo anterior ao não agir para evitar a crise do setor elétrico. O "apagão" dos aeroportos, assim como o "apagão" do setor elétrico, poderia ter sido evitado.
Flávio Freitas Faria é engenheiro formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica e consultor legislativo da Câmara dos Deputados
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