Pressupostos básicos para o sucesso da intenção manifesta pelo presidente Luiz Inácio da Silva de, no segundo mandato, estabelecer relações mais civilizadas e transparentes com a imprensa, vale dizer, de elevar seu nível de interlocução com a sociedade: respeito ao contraditório, tolerância às críticas, convivência com a divergência e, sobretudo, compreensão de que dar entrevistas não é concessão, é cumprimento de um dever a ser exercido em momentos favoráveis e desfavoráveis - principalmente nestes -, sob o critério da liberdade irrestrita de questionar e da disposição de responder sem tergiversar.
As primeiras 48 horas após a vitória de domingo não foram exatamente auspiciosas no tocante à realização da proposta presidencial. Se mudança houve neste curtíssimo período, foi para bem pior.
Em dois dias tivemos a pregação da vingança contra meios de comunicação em ato público de petistas, o convite do presidente do PT e assessor presidencial, Marco Aurélio Garcia, para que os meios de comunicação revejam suas críticas ao governo, a intimidação de profissionais da revista Veja na Polícia Federal, de novo Garcia em ato de grosseria explícita, mandando em entrevistas que jornalistas 'cuidem de suas redações' porque ele não gostou de perguntas sobre o futuro do PT, o ex-ministro Ciro Gomes defendendo concessões de funcionamento e financiamento público a veículos amigáveis e, coroando as ações, a avaliação de presidente da República de que a retaliação não é conveniente, pois transforma a dita imprensa insubordinada em vítima.
Começando pela última dessa série de manifestações absolutamente dissociadas da dinâmica dos regimes democráticos: o presidente não condena as agressões por princípio, mas por tática de atuação política. Na sua visão, não é hábil 'vitimizar' parte da imprensa, mas dele seria de se esperar um apelo ao bom senso endereçado aos seus bolsões mais radicais, tal como fez em relação à economia ao pôr um freio no entusiasmo dos defensores de viravoltas na política que lhe permitiu governar 4 anos e agora se reeleger.
No chamamento à 'auto-reflexão' da imprensa sobre seu comportamento em relação do governo, Marco Aurélio Garcia impõe como 'obrigação' dos meios de comunicação um pedido de desculpas pelo tratamento dado aos escândalos de corrupção porque, segundo ele, o 'jornalismo investigativo' não conseguiu provar nada.
Primeiro, o engano: conseguiu sim, junto com o Congresso, reunir evidências suficientes para que o procurador-geral da República denunciasse à Justiça a existência de uma 'organização criminosa' dentro do governo.
Depois, o equívoco: pedido de desculpas espera-se de quem infringiu as normas do decoro público ou do código penal, não de quem age em consonância ao preceito da liberdade de expressão - legal e legítimo.
No caso da Veja, ainda que possamos creditar a intimidação em depoimento sobre reportagem a respeito da operação abafa da Polícia Federal no episódio do dossiê a um excesso corporativo do delegado Moysés Ferreira, ele só se deu ao desfrute de constranger testemunhas e tratá-las como criminosas porque de alguma forma sentiu-se respaldado para isso. Tanto que o fez depois de confirmada a reeleição de Lula e não antes.
A reação do governo foi meramente formal e a pior atitude ficou com a Federação Nacional dos Jornalistas que, liminarmente, aceitou a versão da polícia. Ressentida pela frustração de ter sido bombardeada em seu intento anterior de formar um conselho para 'controlar, fiscalizar e disciplinar' as atividades da imprensa, a Fenaj agiu como oficial de um departamento de divulgação e informação.
O ex-ministro e deputado eleito Ciro Gomes propõe a criação de uma rede de jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão por intermédio das quais o governo possa 'dialogar' com a sociedade da maneira que lhe parece mais conveniente: dizendo só o que quer sem ouvir o que não quer. Isso mediante concessão de verbas públicas - providência evidentemente ligada ao grau de dependência editorial previamente combinado, explícita ou implicitamente.
Lembrou muito as reclamações do PFL contra o então ministro Sérgio Motta pelo fim da prerrogativa do Congresso de distribuir concessões de rádio e televisão por critérios políticos, porque isso tirava do governo um poderoso instrumento de manipulação do Congresso.
Dora Kramer - dora.kramer@grupoestado.com.br
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