Na sua antiga formação, quando ainda admitia a presença de ministros não-petistas e líderes do Congresso, o gabinete de gerenciamento de crise da Presidência da República reuniu-se, lá pelos idos de março, no Palácio do Planalto, no auge das dificuldades que envolveram o ex-ministro Antonio Palocci na onda de escândalos do governo, para analisar especificamente este caso.
Lá estavam os ministros Dilma Rousseff, Márcio Thomaz Bastos, Ciro Gomes, Antonio Palocci, os deputados Arlindo Chinaglia, Henrique Fontana e Luiz Eduardo Greenhalg, a senadora Ideli Salvati, entre outros que entravam e saíam da sala. O então ministro da Fazenda foi chamado a expor seus argumentos. Reafirmou que verdadeiramente nunca tinha visitado a casa de lobby e encontros mantida por um grupo de ex-assessores seus de Ribeirão Preto, no Lago Sul, em Brasília, que não tinha relações de amizade com aquelas pessoas, que não sabia do que estava sendo acusado, que nada temia, e outras reafirmações de inocência.
A determinada altura, Ciro Gomes, que era ministro da Integração Nacional, membro do gabinete de crise e um dos principais conselheiros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante o longo período de instabilidade política que paralisou o governo, convocou os participantes a uma reflexão, na presença de Palocci: "Senhores, o principal ministro do governo está aqui dizendo que nunca foi a esta casa de Ribeirão Preto e continuamos discutindo o assunto. Há alguma desconfiança?"
Um dos que responderam ao convite à reflexão em voz alta foi o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), que àquela época também atuava muito como conselheiro do PT e do governo nos assuntos ligados à crise: "Não é desconfiança, mas insegurança", definiu.
A partir daí, o deputado passou a citar os fatos que contribuíam para a formação do clima de insegurança em tudo o que dizia respeito às defesas de integrantes do partido e do governo denunciados por irregularidades. O ex-presidente do PT, José Genoino, havia dito que não assinara contrato de empréstimo bancário, e depois apareceu sua assinatura em comprovantes de empréstimos; o ex-dirigente Sílvio Pereira garantira que não recebeu presente de empresas, e em seguida surgiram as informações sobre o Land Rover com que fora agraciado pela GDK; o deputado Luizinho disse que não tinha assessor seu envolvido nas irregularidades, e mais tarde o assessor identificado era mesmo de Luizinho; o deputado João Paulo Cunha assegurara que sua mulher tinha ido ao banco Rural, conforme descoberto à época, pagar fatura de televisão a cabo, e depois foram comprovados saques que o parlamentar explicou como sendo transferências do partido para pagar pesquisas eleitorais. Depois de relacionar numerosos exemplos, Greenhalg concluiu:
"Nossas versões acabam sendo derrubadas pelos fatos".
Palocci, evidentemente, não gostou, reagiu, e os participantes da reunião decidiram confiar mais uma vez no ministro e sair dali fazendo sua defesa. Aproximadamente 48 horas depois, apareceu o caseiro Francenildo para testemunhar ter visto o ministro na chamada Casa de Ribeirão, e em 72 horas estava novamente o gabinete de crise da Presidência tratando do caso Palocci, se o ministro poderia ficar, como fazia questão, ou se deveria sair...
Esta história estava sendo lembrada, ontem, em círculos próximos ao presidente, a propósito da persistência do método PT, do abraço de afogados que o partido está querendo dar em Lula, e de como o presidente, para preservar sua candidatura à reeleição, tem procurado se distanciar física e moralmente e seguir sua intuição, fazendo uma campanha da forma mais independente que lhe for possível.
O PT, dizia-se nesta análise, continua negando a crise, a sua participação preponderante nela, não reconhece erros e crimes, e portanto não há perspectiva de se corrigir, numa indicação de que vai reincidir de maneira contumaz e continuar a agir como sempre agiu, obstinando-se no erro. E quer levar o presidente a fazer o mesmo, contribuindo para que perdure o clima de insegurança na campanha.
A designação de um tesoureiro de campanha já implicado em processo, por exemplo, é uma demonstração de que o partido está indiferente às lições desses dois anos de crise. O apoio aos integrantes do MLST presos por invasão e depredação do Congresso, ajudando-os a se libertarem, é outro feito temerário de cuja gravidade o partido, e seus agentes nos setores de reforma agrária do governo, não têm a menor consciência.
O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, e o ministro da Secretaria Geral da Presidência, Luiz Dulci, continuam a sustentar a consolidação do chamado "neopeleguismo", o fortalecimento de organizações, sindicatos e movimentos que se disponham a apoiar o governo e fazer a campanha da reeleição, sem qualquer preocupação com o que este estímulo à criação de um canal paralelo da política poderá representar para o país em futuro próximo
Não há propostas de políticas ou de estratégias sobre como conquistar o voto de opinião, perdido pelo PT e pelo governo no rastro da crise ética. Crise esta que, até o momento, não se sabe como será enfrentada pelo candidato Lula nos debates, entrevistas e palanques. Não há, também, orientação sobre como explicar a redução dos investimentos na área social, especialmente em saúde, educação e segurança, mesmo que em benefício dos programas de renda mínima.
A assessoria política da campanha, ao contrário do que dela se esperava, formula, sim, e passa ao presidente-candidato, algumas orientações de conduta eleitoral, mas elas são um primor de covardia, de negação, de sofisma. Tais como as de não dar entrevistas, não comparecer a debates, não ir a estados onde aliados disputam entre si, não ir ao comitê eleitoral. O PT quer colocar Lula numa bolha, talvez onde o próprio partido, desprotegido, gostaria de estar nessas eleições.
Rosângela Bittar - Valor Econômico
Um comentário:
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