quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Por trás da concessão do refúgio político

por Jarbas Passarinho

Cesari Battisti é um exemplo de criminoso comum, cooptado pelo terrorismo que grassava em parte do mundo, nos anos 1970. Na Itália, as extremistas Brigadas Vermelhas sequestraram, torturaram e assassinaram o pacifista presidente da Democracia Cristã, Aldo Moro, homem incapaz de odiar. O “crime” dele consistia em estar tentando coalizão com o Partido Comunista Italiano, negociação conhecida como o “compromisso histórico” em favor da consolidação da democracia em risco. Queridíssimo por sua brandura, fizeram-no humilhar-se ao escrever cartas, sem sucesso, para o governo italiano, pedindo negociação com os sequestradores, para salvar a sua vida. Assassinaram-no.

Uma pequena organização terrorista, sob nome pomposo de Proletários Armados pelo Comunismo, ligada às Brigadas Vermelhas, tinha entre seus líderes Cesare Battisti. Na Alemanha, atuava a Baad Meinhof, na França, a Ação Direta e, no Japão, o Exército Vermelho, todos vencidos pelos meios do Estado de Direito Democrático. Condenado Battisti à prisão perpétua, como autor, ou mandante, de quatro homicídios, fugiu para a França e anos depois para o Brasil. Preso pela Interpol, o presidente Prodi, de esquerda democrática, pediu a extradição dele em 2007, a ser decidida nestes dias, pelo Supremo Tribunal Federal, foro próprio para julgar pedidos de extradições.

Battisti, assistido por advogados de esquerda, pediu refúgio político. O ministro da Justiça concedeu-o, apesar de o Comitê Nacional para Refugiados Políticos (Conare), órgão que lhe é subordinado, haver dado parecer contrário, como também o fez, ouvido previamente, o digno procurador-geral da República. A manobra da concessão do asilo fora clara. Tornaria extemporâneo o processo no Supremo. O impacto, na Itália, gerou protestos nem sempre diplomáticos. A carta do presidente italiano para o presidente Lula, em termos diplomáticos, foi, entretanto, tornada pública na mídia italiana, antes de o destinatário recebê-la. Fortemente irritado, Lula apareceu na TV, exigindo respeito à soberania nacional e, peremptório, fez ver que “a Itália teria de a respeitar”.

O jurista Miguel Real (o pai) já nos deixou a conceituação de soberania absoluta: “O Estado soberano pode determinar seu próprio destino, interna e externamente, mas essa liberdade é pautada nos compromissos internacionalmente assumidos”. Abrandada a agudeza, Lula acaba de “afirmar que ao Supremo caberá a decisão final sobre Battisti”. O Supremo pediu inicialmente o parecer do procurador-geral, que agora propõe o arquivamento do processo de extradição, já que possivelmente perde a razão de ser, pois lhe foi concedido o status de refugiado político.

O ministro da Justiça se antecipa ao julgamento pelo Supremo. Se rejeitar a concessão de refúgio “será uma anomalia”, porque “não pode o STF entrar no mérito da concessão, mas apenas discutir a constitucionalidade”. À antecipação do julgamento lhe dá o Estadão o título de “profeta judicial”. Vai além da profecia, porém. Critica a omissão da legislação penal italiana: “A frustração italiana é causada porque, ao contrário do que houve no Brasil, a Itália não contou, até agora, com uma lei de anistia”.

O estranho, para outros, é precisamente o fato de que o ministro da Justiça não vê com bons olhos a interpretação da Lei de Anistia brasileira quanto aos “crimes conexos”. Acha que a lei não pode anistiar crimes de tortura, que seriam delitos comuns, imprescritíveis, mas silencia sobre o terrorismo. O “profeta” mereceu do presidente do Supremo a advertência: “O terrorismo também é imprescritível, é bom saber”. Bobbio, em O tempo da memória, cita de Salvemin: “A arte do profeta é perigosa e é melhor ficar longe dela”.

O Correio Braziliense, de 20 de janeiro passado, abriga artigo do presidente da OAB do Rio de Janeiro em que diz: “O julgamento italiano de Battisti foi feito ‘em desacordo com as regras do Estado Democrático de Direito. A primeira é ter sido condenado à revelia’. Juristas discordam: “A garantia da defesa cabe aos advogados do réu revel. Ademais, a condenação, por unanimidade, foi referendada pela Corte Europeia de Direitos Humanos.

As questões jurídicas, é claro, suscitam controvérsias. Os que defendem o inocente Battisti, dizem-no perseguido pela direita italiana. Já para o professor Roberto Romano, insuspeito de simpatia pela direita, “cada vez se torna mais claro que a concessão do refúgio ao criminoso italiano Cesare Battisti é por motivação partidária e ideológica. Em vez de diplomacia, houve atuação partidária em escala internacional”. E é isso que está por trás do asilo político. Confirma-o o próprio ministro. Ampara-se no artigo 4º, item X da Constituição, que adota a concessão de asilo político nas nossas relações internacionais. Mas esqueceu o item VIII do mesmo artigo: “Repúdio ao terrorismo”. Princípio, aliás, amplamente repetido no Estatuto dos Refugiados, lei de 1997.

Esquerdistas há que seguem Marighella, para quem terrorismo não é crime, é arma lícita de guerra, e tortura é crime hediondo.

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