segunda-feira, fevereiro 16, 2009

O demolidor de mitos argentinos

Para sociólogo Juan José Sebreli, Maradona é oportunista, Evita era submissa, Che Guevara, um fracassado...

- O estádio Velodrome, em Marselha, foi palco, na quarta-feira, de uma cena inusitada. Nos minutos finais do jogo em que sua seleção estava sendo derrotada por 2 a 0 pela equipe argentina, a torcida francesa passou a ovacionar o técnico adversário, o ex-craque Diego Armando Maradona. A manifestação, contudo, não impressionou Juan José Sebreli, considerado um dos maiores sociólogos da Argentina. Ele é o autor de Cômicos e Mártires - Ensaio Contra os Mitos, obra em que demole alguns dos maiores ícones de seu país - como Maradona. "Ele é um fracasso que produz dinheiro", afirmou Sebreli em entrevista ao Aliás. Seu livro não economiza ataques também a ídolos do porte do cantor de tangos Carlos Gardel; da "mãe dos pobres" Evita Perón; e do líder guerrilheiro Ernesto Che Guevara. "Essas quatro personalidades mostram o pior lado dos argentinos", afirmou Sebreli. "A Argentina é talvez o país que lidera o ranking dos idólatras, se bem que os Estados Unidos também têm uma coisa com o culto das estrelas de Hollywood", provocou. "O problema é que o culto dos heróis é um obstáculo que impede os indivíduos de adquirirem consciência de que são seres responsáveis pelo próprio destino." Leia a seguir o que pensa o sociólogo sobre cinco mitos argentinos.

MARADONA, ESQUERDA CAVIAR

Em novembro, Diego Armando Maradona foi designado técnico da seleção. Diversas pesquisas indicaram que 75% dos argentinos não o queriam nesse posto devido a seu caráter turbulento, embora o respeitassem por seu passado como jogador. Os dois sucessos obtidos por Maradona desde sua entronização como técnico (o jogo contra a Escócia em novembro e a vitória contra a seleção da França na quarta-feira passada) não foram suficientes para dissipar da mente dos argentinos que Maradona ainda poderá fracassar. "Maradona é um fracasso que produz dinheiro. E, enquanto ele for assim, continuará sendo chamado para várias atividades", afirma Sebreli. "A Associação de Futebol da Argentina sabe que ele é incapaz de comandar a própria vida, muito menos a seleção." O sociólogo também considera Maradona símbolo da "esperteza" argentina. "O gol mais famoso da história do futebol argentino é o que ele fez com a mão, contra a Inglaterra na Copa do México. Gol feito com trapaça. Mas é o mais idolatrado pela população ... Essa sociedade que acredita que a lei está aí para ser violada. Adorar Maradona simboliza a decadência dessa sociedade."

Sobre o Maradona político: "Não é esquerdista, nem rebelde social ou transgressor. É um oportunista. Maradona adotou os slogans da ?esquerda caviar?. Apaixonou-se pela figura de Fidel Castro. Mas, ao mesmo tempo, aproximou-se do então presidente (neoliberal) Carlos Menem e assina contratos com empresas capitalistas. No início da carreira, era inclusive útil à ditadura militar. Agora está com os Kirchners."

EVITA, MULHER DO CHICOTE

Casada com o presidente Juan Domingo Perón, Evita transformou-se na garota-propaganda do governo do marido. "Ela exaltou, de forma significativa, a subordinação da mulher ao homem", diz Sebreli, torpedeando o mito de Evita como paladina do gênero feminino. "Além do voto para as mulheres, jamais pensou em reivindicações feministas essenciais, como o divórcio e a descriminação do aborto."

E acrescenta: "Embora em seu discurso estivesse do lado dos operários, respaldou de forma enérgica a repressão às greves feitas contra o marido. Evita, longe de ter sido uma defensora dos operários, ajudou na domesticação do sindicalismo argentino. Ela era a perseguida e a perseguidora, a mulher do chicote. Perón hoje pode ser discutido, mas Evita é intocável. Quase o mesmo caso do Che e Maradona. As pessoas fazem poucas piadas sobre eles. O dia em que começarem as piadas, será o fim de seus mitos."

BORGES E A NECROMANIA

Este ano os argentinos celebrarão os 110 anos do nascimento do escritor Jorge Luis Borges. "É um dos escritores mais representativos da Argentina. Renovou a prosa castelhana. Mas não sou um apaixonado por ele." Na semana passada, Borges foi alvo de polêmica quando um grupo de deputados peronistas anunciou que pretende repatriar seus restos mortais, hoje na Suíça. "Funerais são eventos mediáticos. Um funeral de Maradona estaria abarrotado. Se morresse em um avião que caísse sobre o mar, com certeza surgiriam lendas de que ainda estaria vivo. Com Gardel ocorreu algo assim (seu corpo ficou carbonizado em um acidente de avião). E com Evita havia o mistério sobre o paradeiro do cadáver sequestrado pelos militares. A necromania é algo que deveria ser analisado mais profundamente."

GARDEL

"Depois de sua morte, nos anos 30, já não era um personagem mitológico, a não ser para os tangueiros. Acontece que foi redescoberto pelos intelectuais nos anos 50 e voltou a ser mito". Segundo Sebreli, Gardel, definido como o "cantor nacional", passava "boa parte do tempo no exterior. Temia o público argentino. Dizia que a pátria estava onde ouvia aplausos".

Teve, segundo o sociólogo, o condimento adequado dos mitos - "o fato de estar rodeado de mistério e ter origem desconhecida. Não se sabe exatamente a data de seu nascimento e nem o lugar onde isso aconteceu. Essas contradições deram espaço a vidas imaginárias. Para completar, tinha o requisito de uma origem humilde." Sebreli sustenta que Gardel teve a sorte de o cinema sonoro o transformar em mito, pois assim ele pode ser visto por milhões de pessoas. "Antes de seus filmes era ouvido em apresentações para públicos pequenos. Sem a morte prematura não teria sido mito."

GUERRILHEIRO FRACASSADO

"Quinze dias antes de Che Guevara conhecer Fidel Castro, seu projeto era conseguir uma bolsa para ir estudar em Paris, acompanhado da mãe." Sebreli afirma que o mito do líder guerrilheiro de sucesso não tem fundamento. "Seu talento militar está desmentido pelos fatos. Todas suas tentativas de guerrilha terminaram em derrota." Mas, destaca sua "desmesurada paixão pelas armas e a guerra ... Em cartas de amor a Aleida March ele diz que a recordava ?sob a carícia renovada das balas?".

Che Guevara conseguiu mais sucesso morto do que vivo, insiste Sebreli. "E mais graças a suas imagens fotográficas do que suas aventuras políticas. Maio de 1968 divulgou muito a imagem do Che, que havia morrido na Bolívia um ano antes. A última imagem dele, morto, favorece o mito. Se a última imagem tivesse sido dele vivo, teria sido um horror, pois parecia um mendigo, após meses na selva boliviana. Os militares que o mataram se puseram a lavá-lo e penteá-lo pois queriam mostrar que era efetivamente ele e estava morto. Do jeito que estava quando havia sido preso, antes do fuzilamento, era irreconhecível."

* http://www.estadao.com.br/suplementos/not_sup324166,0.htm

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