segunda-feira, dezembro 22, 2008

"Jornalismo" à la Goebbels

por GUILHERME AFIF DOMINGOS e HÉLIO ZYLBERSTAJN
É muito estranho que, no Brasil, o jornalista pretenda identificar nossa proposta com ato antidemocrático de triste memória

PARA ALGUNS jornalistas é sempre assim. A notícia vale pela distorção que pode ser feita com ela. Foi o que ocorreu com a nossa proposta de utilizar a suspensão temporária do contrato de trabalho.
Esta Folha publicou em 18/12 um artigo de Ricardo Melo, com o título "AI-5 trabalhista", no qual o autor classifica nossa proposta como parte de uma "quartelada". Para fazer isso, cuidadosamente omite os elementos mais importantes. Vamos a eles.
A proposta cria a possibilidade de suspender o contrato de trabalho antes da demissão e da rescisão. Não suprime a rescisão nem elimina direitos trabalhistas. Nunca falamos em "flexibilizar" direitos. A idéia é "dar um tempo" antes de consumar o desligamento dos trabalhadores. Só isso.
Enquanto aguardasse a retomada das atividades, o trabalhador receberia o benefício do seguro-desemprego. Ao final do período de suspensão do contrato, a empresa poderia reativar o contrato (se o mercado estivesse favorável) ou poderia consumar a demissão, pagando todos os direitos aos demitidos.
O jornalista deixa de mencionar que a suspensão do contrato de trabalho só se efetivaria mediante negociação coletiva com o sindicato que representa a categoria. A proposta remete a questão para um dos institutos mais nobres da democracia, a negociação coletiva. Não poderia de forma alguma ser resultado de ato unilateral da empresa. Se os trabalhadores e o sindicato não desejassem a suspensão do contrato de trabalho, ela simplesmente não aconteceria.
Nossa proposta baliza a negociação da suspensão e determina que alguns itens devem obrigatoriamente fazer parte das discussões. Esses itens incluem o complemento do seguro-desemprego a ser pago pela empresa e o oferecimento de programas de treinamento e educação básica enquanto durar a suspensão do contrato. O mais importante é que os trabalhadores cujos contratos de trabalho fossem suspensos teriam prioridade na retomada das atividades da empresa.
Esses dispositivos reforçariam a posição dos trabalhadores na mesa de negociação, ensejando-lhes resultados mais favoráveis ao final. O jornalista sugere maldosamente que faríamos parte de conspiração com o objetivo de entregar os trabalhadores brasileiros à sanha exploradora de empresários inescrupulosos.
Nada disso. Pretendemos apenas contribuir para o debate e para a busca de soluções práticas para as dificuldades que de certo virão em 2009.
Pensamos que, diante da possibilidade concreta de demissões, os trabalhadores prefeririam manter seus vínculos com as empresas em que trabalham. Um adiamento da demissão, com a manutenção -mesmo que parcial- da renda e dos benefícios seria preferível ao desligamento.
Pensamos que as empresas também prefeririam manter seus trabalhadores em disponibilidade e prontos para serem reaproveitados, pois, assim, não perderiam capital humano e investimentos em treinamento. Chegamos até a calcular o volume de gastos adicionais com o seguro-desemprego decorrentes da implementação da nossa proposta e mostramos que os recursos existem e estão disponíveis nas reservas técnicas do patrimônio do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).
O fato concreto é que, nos países onde a negociação coletiva é mais desenvolvida, a suspensão do contrato de trabalho é conhecida como "layoff" e faz parte da rotina das relações de trabalho. Está sendo adotada neste momento para enfrentar a crise no mercado de trabalho na Europa.
No Brasil, já ensaiamos soluções parecidas em períodos de dificuldades, mas ainda não as incorporamos à prática rotineira. Nossa proposta simplesmente preconiza que deveríamos oferecer uma base legal para que a suspensão temporária do contrato de trabalho seja acrescida ao repertório de soluções negociadas em períodos difíceis.
Não há registros de que empresas e sindicatos que negociam o "layoff" nos países desenvolvidos sejam acusados de práticas antidemocráticas.
Pelo contrário, nesses países reina a democracia plena, que tem na negociação coletiva um dos seus pilares.
É muito estranho que, no Brasil, o jornalista pretenda identificar nossa proposta com um ato antidemocrático de triste memória. Utilizando suposições maldosas e grosseiras, desinforma os leitores e pratica um jornalismo que nos faz lembrar o estilo manipulador e mentiroso de Goebbels, o ministro da Propaganda nazista de Hitler.

GUILHERME AFIF DOMINGOS , 65, é secretário do Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo.
HÉLIO ZYLBERSTAJN é professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP e presidente do Ibret (Instituto Brasileiro de Relações de Emprego e Trabalho).

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