terça-feira, dezembro 15, 2009

Caras de anjo enganam caras de pau

por Sandra Cavalcanti

Tinha de acontecer! Estava escrito e só não viu quem não quis ver... Os três Poderes, instalados em Brasília, estão sendo afogados pelo tsunami das ilegalidades consentidas. São caras de anjo enganando caras de pau. E vice-versa!

A História ensina que a democracia só dá bons frutos quando funciona sob a eterna e atenta vigilância de um povo livre e consciente. Do contrário, tudo apodrece.

Infelizmente, a capital do Brasil não produz vigilantes... Uma epidemia de cumplicidades tomou conta daquele silencioso e distante planalto. Ali só se ouvem murmúrios e sussurros. Conversas sempre cifradas. Personagens que se empenham em esconder o que pensam e o que fazem. Caras de anjo que enganam caras de pau e caras de pau que fingem estar sendo enganados...

Primeiro veio o mensalão do PT. Foi um susto, pois o partido era o porta estandarte da moralidade política. Depois apareceu o mensalinho mineiro, exatamente dentro do mesmo modelo. Agora, o mensalão brasiliense, sempre dentro do mesmo modelo.

Por conta deles, várias informações sobre mensalinhos anteriores, só agora descobertos e identificados. Todos seguindo o mesmo modelo: o que o Marcos Valério tornou famoso, que o Dirceu aprovou e para o qual o Delúbio criou toda uma logística.

Podem escrever: ainda vão surgir outros por aí, porque, na verdade, como sentenciou o grande pajé, "tudo isso é caixa 2 e todo mundo sempre fez..."

Muitos sociólogos (!) e cientistas políticos (!) estão oferecendo análises profundas, explicando que a corrupção mora na alma do brasileiro e que todo mundo, em nosso país, por meio do famoso jeitinho ou do sabe-com-quem-está-falando, age assim. Daí a leniência de nossas autoridades e daí a impunidade geral!

O fato é que esse presidencialismo caudilhesco, pelego, sindical, oligárquico e imperial, vigorando há tantos anos, é que cria todas as condições e fornece todas as ocasiões. Depois, providencia as desculpas.

Neste nosso sistema, quando o presidente da República se elege sem que, na mesma eleição e juntamente com ele, fique formada uma segura e legítima base majoritária no Legislativo, o resultado é sempre o mesmo: ou ele compra os aliados, para fingir que governa com o Legislativo, ou dá um golpe.

Tem sido assim ao longo de toda a nossa História republicana. No período da monarquia parlamentar, durante quase sete décadas, o Brasil não viveu um só dia de desobediência às normas constitucionais. Nunca houve estado de sítio nem censura à imprensa. Sem maioria eleita pelo povo, o Gabinete caía e o povo era, de novo, chamado a escolher. Democracia.

Após a implantação da República, durante quase cem anos tivemos dezenas de golpes, quarteladas, revoluções, insurreições e mudanças de Constituição. Sempre por falta de maioria no Congresso. Essa foi a origem do voto proporcional, imposto por Vargas, quando todos os poderes vigilantes dos eleitores do Brasil foram retirados. Esse tipo de voto, além disso, ainda conseguiu ser piorado com a diabólica invenção do coeficiente eleitoral, no governo Geisel. O povo dançou de vez.

O eleitor, no Brasil, é um simples coadjuvante. Nunca tem papel principal e nem sabe o que é voto proporcional... O coitado vota no seu candidato, crente que escolheu alguém. Mal sabe que o voto dele vai servir para eleger outro, que ele talvez nem conheça. Trata-se de uma manobra perversa.

O voto proporcional acabou com o distrito eleitoral. O distrito eleitoral do cidadão passou a ser o seu Estado e o seu município. Para presidente o distrito eleitoral é o País inteiro. E ainda dizem que somos uma República Federativa!

Por conta dessa perversidade política, o eleitor fica a anos-luz de distância dos candidatos. Para estes, o território a ser trabalhado fica imenso. Por isso as campanhas ficaram tão caras, tão dependentes de rádio, televisão, seitas, ONGs e "contribuições generosas de grandes empresas"...

Fica fácil entender a origem do caixa 2. Sujeitas às leis fiscais, as empresas são levadas a encontrar caminhos para financiar os candidatos que lhes parecem ser úteis para seus municípios ou Estados. Mesmo com a ajuda da chamada "propaganda gratuita" no rádio e na TV, os partidos ficam na dependência desses grandes arranjos.

Não é fácil ser candidato a deputado federal num Estado grande ou populoso. Onde, para ir da capital a outra cidade, ele vai levar três dias de embarcação. Ou quatro horas de avião. Ou enfrentar 12 horas de estradas caindo aos pedaços. Daí a importância das telecomunicações. Daí a importância dos minutos de TV e de rádio. Daí essas coligações espúrias, feitas apenas para somar segundos.

Quem provoca caixa 2 é o nosso processo eleitoral! Só quem tem como manobrar caixa 2 faz maioria legislativa. Fica com os representantes do povo em suas rédeas. Faz o que bem entende com o Legislativo, com o orçamento e com a opinião pública.

Isso explica por que jamais será feita uma reforma política neste país. Os donos do poder não querem. Não interessa a eles. E essa história de o atual presidente dizer que enviou uma proposta ao Congresso é um escárnio! Ao contrário, Lula e o PT acabaram com a cláusula de barreira assim que puderam. Montaram um esquema de facilidades para infidelidades. Inventaram tortuosos caminhos para um tal de financiamento público, que é uma vergonha. E agora, quando o último mensalão foi praticado por políticos fora do PT, o chefão estufa o peito e acha que está na hora de tomar providências. Que providências? As que ele tomou com a sua gente? Tirando o autor da denúncia e o líder que foi apanhado com a boca na botija, quem sofreu alguma coisa?

Conversa. Conversa de cara de pau querendo enganar cara de anjo. Ou vice-versa...

Sandra Cavalcanti, professora, jornalista, foi deputada federal
constituinte, secretária de Serviços Sociais no governo Carlos Lacerda, fundou e presidiu o BNH no governo Castelo Branco. E-mail: sandra_c@ig.com.br

segunda-feira, dezembro 14, 2009

Os bons ladrões são os piores

por Nelson Motta

Primeiro foi a Câmara, depois o Senado, e fechando um ano devastador para os políticos brasileiros, o governo de Brasília. Corruptos petistas, tucanos e demos (o PMDB é hors concours) foram denunciados pela Polícia Federal por formação de quadrilha, peculato e suborno. Além da falta de vergonha na cara, o que todos eles têm em comum?

Todos dizem que ninguém roubou para si, mas para a campanha, para o partido. O caixa dois é uma nefasta tradição brasileira, todos lamentam, mas é conseqüência do nosso sistema eleitoral. Sem reforma política, não há salvação, gritam os ladrões. E continuam roubando, pela causa, é claro. Ou pela calça, onde enfiam o dinheiro.

Entre a causa e a calça, está se criando no Brasil uma brasileiríssima jurisprudência ética que considera a corrupção para financiar campanhas e ações políticas um delito leve, muito menor do que roubar para uso próprio. Aqui, até mesmo matar, por motivos políticos, é considerado um atenuante da culpa: “Não foi por mim, foi pelo partido, pela causa, pelo povo”. Mas como não dá para absolver os companheiros e condenar os adversários pelos mesmos crimes, agora eles se defendem em bloco e atacam o sistema eleitoral.

Em países civilizados, com maior tradição jurídica do que o Brasil, como a Itália, a Alemanha e a Inglaterra, a motivação política é um agravante dos crimes. Porque o roubo servirá para fraudar processos legais, para atentar contra as instituições democráticas, e terá conseqüências na vida de todos os cidadãos.

O ladrão em causa própria dá prejuízos pontuais a pessoas físicas ou jurídicas, ou ao Estado. O que usa o dinheiro sujo para fraudar o processo eleitoral e manipular a vontade popular, para corromper políticos e juízes, para impor a sua causa, causa irreparáveis prejuízos a todos porque desmoraliza a democracia, institucionaliza a impunidade e interfere – sejam lá quais forem as suas intenções – de forma decisiva e abusiva nos direitos e na vida dos cidadãos.

Quem acredita que com financiamento público de campanhas eles vão parar de roubar? O problema não é o sistema, é a qualidade dos usuários.

quinta-feira, dezembro 10, 2009

Uma estátua equestre para Lula

por Demétrio Magnoli

Tirando a espuma, o filme Lula, o Filho do Brasil não passa de mais uma versão da fábula do indivíduo virtuoso que, arrostando a adversidade extrema, luta, persevera e triunfa montado apenas nos seus próprios esforços. Como cada um encontra aquilo que procura, o fiel extrai dessa fábula uma lição singela sobre a intervenção misteriosa da providência, enquanto o doutrinário liberal nela encontra o argumento clássico em defesa do princípio do mérito individual. Nenhuma das interpretações se amolda ao pensamento de esquerda, que se articula ao redor das noções de circunstância histórica e sujeito social. Lula, o Filho do Brasil é uma narrativa avessa ao programa do PT.

A espuma é vital. O livro homônimo de Denise Paraná, inspiração original do filme, apresenta Lula como personificação de um ator coletivo que é a classe trabalhadora. A obra mais cara da história do cinema brasileiro rejeita a metáfora esquerdista, substituindo-a por outra, nacionalista. Lula é o Brasil do futuro, que emerge purificado do pântano do sofrimento - eis a mensagem de Lula, o Filho do Brasil. Já se escreveu abundantemente sobre as óbvias finalidades eleitorais da hagiografia produzida pela família Barreto. Mas passou-se ao largo do seu sentido político profundo: o filme condena o PT à vassalagem.

No Palácio de Versalhes, uma imagem que simboliza a França abençoa o leito real de Luís XIV. As monarquias absolutas foram modernas no seu tempo, pois produziram um imaginário nacional. O maior dos soberanos Bourbon completou a tarefa de subordinação da nobreza ao poder central, suprimindo os privilégios políticos dos senhores e convertendo-os em cortesãos. Quando se curvavam diante do rei, os nobres domesticados estavam reverenciando a França. Lula, o Filho do Brasil funciona como instrumento de domesticação do PT, impondo a seus dirigentes e militantes a obrigação de se curvar diante de Lula. Não há, porém, nada de moderno nisso.

A República é a nação sem a figura do soberano, cujo lugar passa a ser ocupado pelo povo. As tiranias republicanas, nas suas modalidades fascistas, comunistas ou caudilhistas, desviam-se patologicamente desse modelo despersonificado da nação. Elas têm um pendor irresistível a erguer estátuas de líderes vivos, que cumprem o papel de lugares de culto. Lula, o Filho do Brasil é a coisa mais parecida com uma estátua equestre de Lula que se pode produzir no Brasil do século 21. Mas, como as instituições políticas da democracia estão de pé, o culto ao líder vivo não se espraia além de um círculo restrito formado essencialmente pelo partido que dele depende.

O PT original viu-se a si mesmo como um projeto coletivo de transformação do Brasil. Lula seria apenas uma face, relevante, mas circunstancial, da caminhada redentora do povo trabalhador. O livro de Denise Paraná inscreve-se nessa visão e, não por acaso, termina com a prisão de Lula em 1980: depois dela começaria uma outra história, que é a do PT. Na ala esquerda petista, enxergou-se Lula como um inconveniente inevitável, mas passageiro, na senda da revolução socialista. No outro extremo do partido, num passado não tão distante, dirigentes como José Genoino e Antonio Palocci procuraram alternativas mais presidenciais à figura rombuda do sindicalista do ABC. Todos eles fracassaram, nos planos prático e simbólico. Lula, o Filho do Brasil salta diretamente da prisão de Lula para a festa da posse na Presidência, colocando entre parêntesis a história inteira do PT. O filme chegará ao público juntamente com a homologação da candidatura de Dilma Rousseff, ungida por Lula na base do dedazo, nome que os mexicanos deram à indicação presidencial dos sucessores nos tempos da hegemonia do PRI.

Na vida real, o filho do Brasil nutriu desprezo completo pelos partidos e correntes de esquerda, algo bem documentado em depoimentos e entrevistas. Indignado com a mistificação cinematográfica dos Barretos, César Benjamim relatou, em artigo publicado pela Folha de S.Paulo, que Lula se gabou durante a campanha presidencial de 1994 de ter tentado currar um menino do MEP, preso político com quem dividiu uma cela no Deops. O filme é uma curra consumada: a violação da narrativa canônica do PT e sua substituição por uma história de cartolina na qual a redenção se identifica com a trajetória do líder providencial.

Lula, o Filho do Brasil tem todos os traços de cinema oficial. A obra foi financiada por empresas com vultosos contratos públicos e sua versão final acolheu sugestões provenientes do entourage presidencial. Segundo os que o viram, é um mau filme, mesmo se analisado nos seus próprios termos. Ele não provoca uma empatia firme nem desata turbilhões emocionais. Dificilmente terá impacto eleitoral significativo. Mas, antes ainda da estreia formal, cumpre a função mais sutil de domesticação simbólica dos petistas.

Na corte de Luís XIV, um sistema sofisticado de regras de precedência e de etiqueta regulava as relações entre o soberano e os nobres cortesãos. No seu conjunto, aquelas regras tinham a finalidade de atestar continuamente a fidelidade à figura real, que personificava a França. A primeira pré-estreia de Lula, o Filho do Brasil, destinada a ministros, diretores de fundos de pensão e altos dirigentes petistas, obedeceu a um improvisado sistema similar. Programam-se sessões especiais para intelectuais, artistas, sindicalistas e militantes, já convocados a prestigiar o filme. Todos, cada um a seu momento, devem fazer a genuflexão diante da nova ordem da história.

Golbery do Couto e Silva, o mago da ditadura militar e da abertura política, profetizou certa vez que Lula cumpriria a missão histórica de destruir a esquerda no Brasil. Se vivo, ele daria um jeito de assistir escondido ao espetáculo proporcionado pelo público de uma dessas pré-estreias voltadas para a corte petista.

Demétrio Magnoli é sociólogo e doutor em Geografia
Humana pela USP. E-mail: demetrio.magnoli@terra.com.br

terça-feira, dezembro 08, 2009

Excluindo a podridão

por João Bosco Leal*

Ao meditar sobre as manchetes jornalísticas veiculadas na última semana – Mensalão do DEM; Ocupação petista do Banco do Brasil gera prejuízos milionários à instituição; Patrimônio de Arruda cresce mais de 1.000%; Marcos Valério reaparece, envolvido em escândalo do DF; PSDB tenta se blindar e isolar escândalo em MG -, acabo me questionando sobre a popularidade do Presidente Lula e a moral do brasileiro como um todo.

Pelas manchetes, notamos que a corrupção é generalizada, envolvendo os maiores partidos políticos – DEM, PT, PSDB e PMDB -, os Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, a dilapidação do patrimônio público e crescimento assombroso do privado.

Por outro lado, com a distribuição de cestas básicas e tantos outros vales – gás, moradia, etc.-, parece que o presidente comprou a população brasileira menos esclarecida e de menor interesse no noticiário, de tal forma que esta não se preocupa mais com o país e sim com as benesses que receberá a cada fim de mês.

Os brasileiros que recebem essas cestas e vales, normalmente os de mão-de-obra menos qualificada, criarão seus filhos sem nada fazer, e estes também acreditarão que o governo os proverá sempre, pois é assim que estão sobrevivendo seus pais. São brasileiros sem futuro algum, pois o governo não os ensina a pescar, o que poderia ser feito investindo-se em sua qualificação profissional e educando-os, preferindo, no entanto, dar-lhes o peixe na cesta básica.

A classe política alimenta essa população dessa maneira, desejando que permaneçam assim, pensando exclusivamente em votos para continuar no poder, pois a população menos esclarecida culturalmente também o é politicamente, tirando proveito do silêncio da mesma para a dilapidação do país.

O Poder Judiciário se cala diante do quadro e, em contrapartida, aumenta repetidamente seus proventos, tendo ainda alguns de seus membros envolvidos nos mensalões.

O Poder Executivo, na sombra de seu líder maior, sonha com a perpetuação no poder e se abraça cada vez mais a políticos radicais que não têm nenhum interesse em seus povos, a exemplo de Hugo Chaves, Evo Morales, Manuel Zelaya e agora o mais recente amigo de Lula, o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad.

Os patriotas – como o produtor rural brasileiro, a classe operária e os industriais que continuam investindo no país – é que produzem o suficiente para toda essa quadrilha roubar e ainda conseguem pagar a dívida externa e sustentar a enorme máquina do governo com seus apadrinhados, funcionários fantasmas, laranjas e vagabundos em geral.

Só nos faltava agora se Lula aprendesse com Ahmadinejad e tratasse as frutas podres da classe política como se tratam os bandidos e ladrões no Irã, enforcando-os ou amputando-lhes as mãos, coisa que certamente não faria, pois são todos seus amigos.

De qualquer forma, a exclusão da podridão na política brasileira traria com certeza novas e sadias frutas para esse meio, erguendo a moral do povo e, certamente, faria com que aqueles que só recebem passassem também a dar algo ao país.

(*)João Bosco Leal é produtor rural e ex-presidente do MNP.

Geração maldita

por Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 8 de dezembro de 2009

Todo dia recebo dezenas de cartas de leitores, das quais respondo algumas pelo meu programa "True Outspeak" (www.blogtalkradio.com/olavo, segundas-feiras, às 20h00 do Brasil). As outras ficam sem resposta, não por serem desimportantes, mas por simples impossibilidade física de escrever as centenas de páginas diárias que seria preciso para dar a cada uma a atenção merecida. No entanto, algumas são irrespondíveis num outro sentido: o que dizem é tão verdadeiro, tão sério, tão pungente, que nada tenho a lhes retrucar nem acrescentar.

Eis aqui dois exemplos. O primeiro, do leitor Ithamar Paraguassu Ramos, até saiu no Diário do Comércio do dia 17 (http://www.dcomercio.com.br/Materia.aspx?id=32129):

"A única coisa que posso dizer é que eu amo as materias do Olavo. Já faz um bom tempo que tenho reclamado do que eu chamo de 'esquizofrenia' dos formadores de opinião brasileiros. Na mesma sentença eles dizem uma coisa e se contradizem completamente... Mas o ponto é que infelizmente Olavo não esta atingindo uma parcela muito importante da nossa população, isso por causa do declínio da educação... Para o meu horror, os jovens universitários de hoje não sabem o sgnificado de palavras como: 'sofisma', 'erítistica', 'ardil', 'arrazoado', 'verossimilhança' e por aí vai."

O segundo, do leitor Leandro Coelho, sai aqui pela primeira vez:

"Não tenho (e não sei) os meios de verificar se todas as pessoas brasileiras são assim, mas todas as pessoas com as quais converso, todas praticamente sem exceção, só pensam em levar vantagem seja com processos trabalhistas, seja se inscrevendo em programas sociais sem necessidade ou de qualquer outra maneira. Trabalhar para prosperar, talvez, mas ganhar um dinheirinho na base da enganação, processos etc., ah, aí todos querem. Vendo isso, não vejo por que achar triste que estas pessoas sejam governadas pelo Foro de São Paulo. As pessoas que se enquadram no esquema acima merecem toda a miséria nacional. Se o jeitinho acima descrito é aplicável a grande parte da população brasileira, então o Lula, o PT... estão no lugar certo."

Que é que posso dizer diante dessas coisas? Elas são a verdade pura e simples, constatada diariamente por quem quer que tenha um pingo de capacidade de observação. E essa verdade é tão horrível, tão deprimente, que o cérebro humano, ao admiti-la, entra em estado de torpor e busca logo pensar em outra coisa. Quanto mais grave e temível é um estado de coisas, menos atenção ele recebe e mais facilmente é aceito como fatalidade inevitável, na qual não vale a pena pensar. Nem entendo por que há tantos cursos de auto-ajuda ensinando as pessoas a evitar assuntos desagradáveis. Elas já fazem isso por mero automatismo, e precisamente porque o fazem as coisas vão se tornando cada vez mais desagradáveis.

O colapso intelectual do Brasil, ao qual se seguiu a completa deterioração moral da população, ao menos nos grandes centros urbanos, não aconteceu simplesmente porque sim. Foi a obra criminosa da geração mais presumida e torpe que as universidades brasileiras já produziram. Para cada dez mil sexagenários letrados que hoje ocupam posições de destaque na política, nas universidades, no show business, no mundo editorial, mal se encontra um que tenha consciência das suas responsabilidades, que não sufoque sua consciência de culpa sob toneladas de chavões politicamente corretos, de modo a sentir que é bom quando pratica o mal.

Quando se encontra essa exceção memorável, um homem de bem, podem ter a certeza de que ele vem enfraquecido pela contaminação do ambiente geral adverso, ao qual não ousa opor a necessária severidade. Estou lendo, com uma satisfação mista de tristeza, o livro de Boris Tabacof, Espírito de Empresário. Reflexões para Construir uma Gestão Baseada em Valores (São Paulo, Editora Gente, 2009). Quanta boa vontade, quanta sugestão construtiva, quantas idéias úteis, quanto sentimento moral saudável, quanto sincero amor pelo Brasil e quanto desejo de ver sua gente prosperar não perpassam essas páginas que todo empresário deveria ler! E tudo isso dito por quem não se limita a dizer, mas há décadas se esforça para que suas idéias se realizem. No entanto, quantas concessões de ingênua polidez não faz o autor a pessoas e grupos que, se pudessem, gostariam mesmo é de assassiná-lo! Como realizar as mais belas propostas sem primeiro neutralizar as forças que as estrangulam e que, quando não conseguem destrui-las, tratam de corrompê-las e prostitui-las para que acabem servindo ao mesmo mal que pretendiam corrigir? Quando as pessoas imbuídas das melhores intenções neste país vão aprender a lição de Hegel sobre "a obra do negativo", a função preliminar, básica e imprescindível que a crítica corrosiva e a destruição dos antagonismos desempenham na liberação das forças melhores e mais promissoras? Uma só palavra gentil dita aos homens que criaram as situações descritas pelos leitores Ramos e Coelho é o bastante para deitar a perder todos os esforços mais generosos despendidos para corrigi-las. Mais vale um bom palavrão atirado em público à cara de um Tarso Genro, de um Marco Aurélio Garcia, do que mil palavras construtivas atiradas ao vento.

Ninguém, no mundo, tem o monopólio das boas idéias. Elas surgem naturalmente, quando a situação permite -- mas a situação só o permite quando os piores e os mais estúpidos desocupam os altos postos e são devolvidos à sua justa escala de insignificância.

O Brasil, no momento, não precisa de boas idéias. Precisa é de uma ação vigorosa, implacável, contra o império da maldade, da mentira e da estupidez. Esse império foi instaurado pela geração que, nos bancos da universidade, se deixou seduzir pela crença de que era "a parcela mais esclarecida da população" e de que todos os problemas estariam resolvidos quando ela chegasse ao poder. Ela chegou -- e fez do povo brasileiro o mais ignorante, o mais assassino e provavelmente o mais desonesto do mundo.

Posso falar de cátedra, porque essa geração é a minha. Observei como ela se formou e sei o quanto a ilusão de pertencer a uma elite predestinada pode corromper o coração humano. Eu mesmo participei dessa ilusão, e vivo até hoje do arrependimento que ela me infunde. Vejam os cinquenta mil homicídios por ano, vejam o fracasso dos nossos estudantes nos testes internacionais, vejam o poder crescente das gangues de narcotraficantes e de invasores de terras, vejam a amoralidade cínica estampada nos rostos de tantos dos nossos concidadãos -- e me digam se algo de bom é possível construir enquanto os homens que criaram tudo isso continuam mandando no país e acumulam mais poder a cada dia que passa.

Quando nada se faz contra o mal, a apologia do bem torna-se mera desconversa -- a forma passiva e afável da mentira na qual o mal se sustenta.

De joelhos ante sua insolência

Olavo de Carvalho - 6/12/2009 - 18h29

Pelo noticiário dos últimos dias, os leitores devem ter tomado consciência de que são governados por um indivíduo que se gaba de um crime de estupro, real ou imaginário, e revela sentir uma nostalgia profunda dos dias em que os meninos do interior do Nordeste mantinham relações sexuais com cabritas e jumentas.

O que não sei é se percebem o grotesco, a infâmia, a abominação de continuar a chamar esse sujeito de Vossa Excelência, quando Vossa Insolência seria muito mais cabível, fazendo de conta que estão diante de um cidadão respeitável quando estão mesmo é de joelhos ante um sociopata desprezível.

Nenhum político do mundo jamais fez declarações tão insultuosas à moralidade geral e à simples dignidade humana. Muito menos as fez e permaneceu no cargo. Lula não só permanecerá como fará tranquilamente a sua sucessora, porque a sociedade brasileira inteira já se acanalhou ao ponto de aceitar como decreto divino tudo o que venha do "Filho do Brasil". Todos preferem antes ser humilhados, achincalhados, envergonhados ante o universo, do que correr os riscos de uma crise política. Sabem por que? Porque foram reduzidos a uma tal impotência que já não têm meios nem de criar uma crise política.

Em fevereiro de 2004 escrevi: "Quem quer que, a esta altura, ainda sonhe em 'vencer o PT', seja nas próximas eleições, seja ao longo das décadas vindouras, deve ser considerado in limine um bobão incurável, indigno de atenção.

O PT, como digo há anos, não veio para alternar-se no poder com outros partidos – muito menos com os da 'direita' – segundo o rodízio normal do sistema constitucional-democrático. Ele veio para destruir esse sistema, para soterrá-lo para sempre nas brumas do passado, trocando-o por algo que os próprios petistas não sabem muito bem o que há de ser, mas a respeito do qual têm uma certeza: seja o que for, será definitivo e irrevogável.

Não haverá retorno. O Brasil em que vivemos é, já, o 'novo Brasil' prometido pelo PT, e não tem a menor perspectiva de virar outra coisa a médio ou longo prazo, exceto se forçado a isso pela vontade divina ou por mudanças imprevisíveis do quadro internacional."

Fui chamado de radical, de paranoico, de tudo quanto é nome. Os que assim reagiam não tinham – e não têm até hoje – a menor ideia de que existe uma ciência política objetiva, capaz de fazer previsões tão acertadas quanto as da meteorologia, com a diferença de que estas são feitas, no máximo, com antecedência de algumas horas. Quão preciosa não seria essa ciência nas mãos dos planejadores estratégicos, seja na política, seja nos negócios! Recusando-se a acreditar que ela existe, preferem confiar-se aos pareceres dos acadêmicos consagrados, que são tão bem educadinhos e jamais os assustam com previsões certeiras.

Ainda lembro que, em 2002, o Los Angeles Times consultou duas dúzias de eminentes "especialistas" sobre as eleições no Brasil. Todos disseram que Lula não teria mais de 30 por cento dos votos. Só eu – o radical, o alucinado – escrevi que a vitória do PT era não apenas certa, mas absolutamente inevitável.

Do mesmo modo, sob insultos e cusparadas, anunciei que a passagem do tempo desfaria a lenda da "moderação" lulista, pondo à mostra o compromisso inflexível do nosso partido governante com o esquema revolucionário internacional.

Hoje isso está mais do que evidente, e sinais de um temor geral que antes ninguém desejava confessar começam a despontar por toda parte. E que fazem, diante do perigo tardiamente reconhecido, essas consciências recém-despertadas? Correm em busca dos mesmos luminares acadêmicos que já os ludibriaram tantas vezes com suas palavras anestésicas, como instrutores de auto-ajuda.

A elite brasileira é vítima de seu próprio desamor ao conhecimento, agravado de um culto idolátrico aos símbolos exteriores de prestígio e bom-mocismo. Seguindo essa linha inflexivelmente ao longo dos anos, enfraqueceu-se ao ponto de, hoje, ter de baixar a cabeça ante a torpeza explícita, arrogante, segura de si.

Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de Filosofia

segunda-feira, dezembro 07, 2009

Sócios, parceiros e companheiros

por Nelson Motta

É incrível, mas o nosso Senado ainda considera a possibilidade de aceitar a Venezuela no Mercosul. Porque a Venezuela não é Chávez, é uma grande compradora do Brasil, traz divisas e empregos, diz o governo, tentando parecer pragmático, mas movido pelo esquerdismo terceiromundista que (des)orienta nossa política externa e tantas vergonhas e derrotas nos tem custado, as últimas em Honduras. Argumentam que Chávez passa e a Venezuela fica, mas do jeito que as coisas vão quem está passando é a Venezuela, Chavez ficará hasta la vitória final, gritando pátria o muerte sobre montanhas de cadáveres de inimigos da revolução bolivariana.

Mas o homem não ajuda. Sem que ninguém lhe perguntasse, defendeu ardorosamente a libertação do terrorista venezuelano Carlos Ramirez, o Chacal, que cumpre prisão perpétua na França por diversos atentados e assassinatos, como um heróico militante da causa palestina. Depois dessa, só faltava elogiar o Idi Amin.

Pois não falta mais nada. Chávez disse que o monstro carniceiro de Uganda era um nacionalista lutando por seu povo contra o imperialismo, vítima de conspiração da mídia internacional, dominada pelo capitalismo. Claro, o grande guru de Chávez é o feiticeiro Fidel Castro, que em 50 anos fez de Cuba a prova irrefutável do fracasso do seu modelo. O sonho de Chávez é fazer da Venezuela uma grande Cuba. E depois, toda a América Latina. Fidel deve pensar “ah, se eu tivesse o petróleo desse bobalhão teria dominado o mundo…”

Com Chávez no Mercosul, além das bravatas habituais, teremos como bônus um representante de Fidel participando das decisões do bloco. Tudo pelo comércio? Alguém acredita que nossas exportações vão ser afetadas se a Venezuela não entrar no Mercosul? Eles não produzem nada além de petróleo e compram tudo barato do Brasil. Se Chávez se ofender e bravatear um boicote, o tiro será no pé, nos quatro. Vão comprar comida de quem? Do Evo, do Correa ou do Ortega? Por que ele não para de vender petróleo para os Estados Unidos?

É este sócio que Brasília quer no Mercosul? Ou quem sabe os nossos socialistas prefiram o Brasil na ALBA?

quarta-feira, dezembro 02, 2009

Por que agora?

CÉSAR BENJAMIN ESPECIAL PARA A FOLHA

DEIXO de lado os insultos e as versões fantasiosas sobre os "verdadeiros motivos" do meu artigo "Os Filhos do Brasil". Creio, porém, que devo esclarecer uma indagação legítima: "por quê?", ou, em forma um pouco expandida, "por que agora?". A rigor, a resposta já está no artigo, mas de forma concisa. Eu a reitero: o motivo é o filme, o contexto que o cerca e o que ele sinaliza.
Há meses a Presidência da República acompanha e participa da produção desse filme, financiado por grandes empresas que mantêm contratos com o governo federal.
Antes de finalizado, ele foi analisado por especialistas em marketing, que propuseram ajustes para torná-lo mais emotivo.
O timing do lançamento foi calculado para que ele gire pelo Brasil durante o ano eleitoral. Recursos oriundos do imposto sindical -ou seja, recolhidos por imposição do Estado- estão sendo mobilizados para comprar e distribuir gratuitamente milhares de ingressos. Reativam-se salas pelo interior do país e fala-se na montagem de cines volantes para percorrerem localidades que não têm esses espaços. O objetivo é que o filme seja visto por cerca de 5 milhões de pessoas, principalmente pobres.
Como se fosse pouco, prepara-se uma minissérie com o mesmo título para ser exibida em 2010 pela nossa maior rede de televisão que, como as demais, também recebe publicidade oficial. Desconheço que uma operação desse tipo e dessa abrangência tenha sido feita em qualquer época, em qualquer país, por qualquer governante. Ela sinaliza um salto de qualidade em um perigoso processo em curso: a concentração pessoal do poder, a calculada construção do culto à personalidade e a degradação da política em mitologia e espetáculo. Em outros contextos históricos isso deu em fascismo.
O presidente Lula sabe o que faz. Mais de uma vez declarou como ficou impressionado com o belo "Cinema Paradiso", de Giuseppe Tornatore, que narra o impacto dos primeiros filmes na mente de uma criança. "O Filho do Brasil" será a primeira -e talvez a única- oportunidade de milhões de pessoas irem a um cinema. Elas não esquecerão.
Em quase oito anos de governo, o loteamento de cargos enfraqueceu o Estado. A generalização do fisiologismo demoliu o Congresso Nacional. Não existem mais partidos. A política ficou diminuída, alienada dos grandes temas nacionais. Nesse ambiente, o presidente determinou sozinho a candidata que deverá sucedê-lo, escolhendo uma pessoa que, se eleita, será porque ele quis. Intervém na sucessão em cada Estado, indicando, abençoando e vetando. Tudo isso porque é popular. Precisa, agora, do filme.
Embalado pelas pré-estreias, anunciou que "não há mais formadores de opinião no Brasil". Compreendi que, doravante, ele reserva para si, com exclusividade, esse papel. Os generais não ambicionaram tanto poder. A acusação mais branda que tenho recebido é a de que mudei de lado. Porém os que me acusam estão preparando uma campanha milionária para o ano que vem, baseada em cabos eleitorais remunerados e financiada por grandes grupos econômicos. Em quase todos os Estados, estarão juntos com os esquemas mais retrógrados da política brasileira. E o conteúdo de sua pregação, como o filme mostra, estará centrado no endeusamento de um líder.
Não há nada de emancipatório nisso. Perpetuar-se no poder tornou-se mais importante do que construir uma nação. Quem, afinal, mudou de lado? Aos que viram no texto uma agressão, peço desculpas. Nunca tive essa intenção. Meu artigo trata, antes de tudo, de relações humanas e é, antes de tudo, uma denúncia do círculo vicioso da extrema pobreza e da violência que oprime um sem-número de filhos do Brasil. Pois o Brasil não tem só um filho.
Reitero: o que escrevi está além da política. Recuso-me a pensar o nosso país enquadrado pela lógica da disputa eleitoral entre PT e PSDB. Mas, se quiserem privilegiar uma leitura política, que também é legítima, vejam o texto como um alerta contra a banalização do culto à personalidade com os instrumentos de poder da República. O imaginário nacional não pode ser sequestrado por ninguém, muito menos por um governante.
Alguns amigos disseram-me que, com o artigo, cometi um ato de imolação. Se isso for verdadeiro, terá sido por uma boa causa.

CÉSAR BENJAMIN, 55, militou no movimento estudantil secundarista em 1968 e passou para a clandestinidade depois da decretação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro desse ano, juntando-se à resistência armada ao regime militar. Foi preso em meados de 1971, com 17 anos, e expulso do país no final de 1976. Retornou em 1978. Ajudou a fundar o PT, do qual se desfiliou em 1995. Em 2006 foi candidato a vice-presidente na chapa liderada pela senadora Heloísa Helena, do PSOL, do qual também se desfiliou. Trabalhou na Fundação Getulio Vargas, na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, na Prefeitura do Rio de Janeiro e na Editora Nova Fronteira. É editor da Editora Contraponto e colunista da Folha.