sábado, janeiro 31, 2009

Chávez, 10

por Fabiano Maisonnave - Folha

O PRESIDENTE Hugo Chávez acaba de ser derrotado no governo distrital de Caracas. Mau perdedor, decidiu esvaziá-lo. A canetadas, transferiu da administração local para a federal todos os hospitais e escolas e ainda arrebatou a TV Ávila, de alcance metropolitano. A Governadoria, totalmente pichada, foi atingida por disparos e dias atrás esteve bloqueada por militantes armados.
Na segunda-feira, Chávez completa dez anos como presidente -com a saída de cena do aliado Fidel Castro, já é o latino-americano há mais tempo no poder. E faz de tudo para ficar outros dez. Pela segunda vez, mergulhou o país numa campanha para aprovar a reeleição indefinida em referendo. E seu principal inimigo, concluiu, são os estudantes universitários.
Para não dar nova chance ao azar, Chávez decidiu reprimir as marchas estudantis. À polícia ordena jogar "gás do bom" contra quem desafiá-lo nas ruas. Reuniões nas universidades são atacadas impunemente por grupos paramilitares pró-governo armados com lacrimogêneo. Alguns carros de dirigentes são incendiados. Claro, sempre com o cuidado para não deixar mortos ou feridos graves.
Chávez faz uma campanha trôpega -seu principal argumento é que, sem ele, haverá guerra civil.
Em Caracas, militantes distribuem folhetos com os dez mandamentos para votar pelo "sim": "Porque Chávez nos ama, e amor com amor se paga", diz o primeiro.
Nos órgãos federais, os chefes obrigam seus funcionários a doar um dia de salário à campanha. Para não perder o emprego, todos vão às marchas oficiais a gritar: "Uh! Ah! Chávez no se va!".
O país derrapa na economia, mas nem todos se dão conta. Beneficiado pelo recente boom do petróleo, Chávez distribui generosas verbas à população mais pobre. Para ocultar a inflação mais alta do continente (30% ao ano), o governo subsidia alimentos importados. A Venezuela, apesar das férteis terras, importa 80% do que come. O desequilíbrio é pago pela PDVSA, mas a estatal já começa a sentir a crise -vários de seus fornecedores não recebem há meses.
No Brasil, diplomatas e membros do governo respiram aliviados por não terem de vestir camisas vermelhas, ouvir discursos presidenciais diários por horas a fio e acatar ordens indefensáveis. Mas, em público, deitam elogios -Lula disse até que Chávez sofre de excesso de democracia. A ordem é não melindrar o aliado, cujas compras representaram um quinto do superávit brasileiro de 2008.
A oposição tem criticado a aproximação do Planalto com um regime autoritário, principalmente ao forçar a sua entrada no Mercosul.
Mas os tucanos também reconhecem que, em tempos de Chávez, quem tem um Lula é rei.

quinta-feira, janeiro 29, 2009

O governo começou

por Carlos Alberto Sardenberg para O Globo

Estamos em 30 de setembro de 1999: o jornal "The New York Times" informa que o governo Bill Clinton está pressionando a agência hipotecária Fannie Mae, a maior do país, para que flexibilize as regras de concessão de empréstimos. O objetivo específico, diz o jornal, é estender os financiamentos para aqueles clientes do "chamado subprime".

Começava aí a crise do setor imobiliário que iria aparecer apenas em 2007, de sua vez dando origem à derrocada de todo o sistema financeiro.

A situação era a seguinte: havia o mercado convencional, que atendia as famílias cujas rendas, poupanças e fichas de crédito eram suficientes. Esse mercado estava amplamente atendido, no boom dos anos 90.

De outro lado, estavam as famílias mais pobres que só conseguiam financiamento se pagassem taxas de juros de três a quatro pontos percentuais acima do cobrado em negócios convencionais. Negócio muito arriscado, era evitado por todas as partes.

Aí entram na história Fannie Mae e Freddie Mac, agências do mercado secundário, que não davam financiamentos diretos ao mutuário, mas compravam as hipotecas e financiavam os bancos que emprestavam ao comprador da casa. Eram agências privadas, mas cujos títulos tinham garantia do governo. Eram paraestatais.

Os bancos, com dinheiro sobrando, já pressionavam Fannie Mae e Freddie Mac para que comprassem as hipotecas e dessem crédito para o pessoal do subprime. E aqui apareceu o fator político: o governo Clinton apertando as duas grandes agências, de modo a ampliar a oferta de financiamentos para os mais pobres.

Assim, em setembro de 1999, Fannie Mae iniciou um programa novo, objeto da reportagem do "NY Times", fazendo com que a taxa de juros paga pelos clientes subprime fosse apenas um ponto percentual acima do prime. E se o comprador pagasse em dia por um certo período, esse ponto extra era eliminado.

O governo Clinton propôs (ou recomendou) que, em dois anos, metade do portfólio de Fannie Mae e Freddie Mac fosse formado pelos financiamentos a famílias de média e baixa renda.

Funcionou. Milhões de casas de até US$250 mil foram financiadas. O programa foi considerado um êxito notável. Mas já na primeira reportagem o "NY Times" antevia o perigo. Observava que as agências semigovernamentais estavam assumindo riscos maiores, lotando sua carteira de hipotecas duvidosas.

Isso, dizia o jornal, não seria problema em um momento de crescimento econômico. Mas, numa desaceleração do mercado, as duas agências enfrentariam problemas e provavelmente seria necessário "um resgate do governo".

Na mosca.

Especialmente porque os bancos, animados com a flexibilidade de Fannie Mae e Freddie Mac, saíram financiando compradores sem poupança e até sem renda e empregos comprovados.

Por outro lado, não se pode dizer que foi dinheiro perdido. Se hoje há muita gente que perdeu a casa e ainda deve aos bancos, que devem às agências, que devem ao governo, pois foram estatizadas, outras milhões de famílias conseguiram a sonhada casa própria.

Mas por que estamos tratando disso? Primeiro, para mostrar que o enorme desastre de um sistema financeiro desregulado - que empacotou, securitizou, financiou e refinanciou as hipotecas subprime - teve origem remota numa decisão política do governo. Bem intencionada, claro, mas obviamente mal implementada.

E, segundo, porque o governo Lula está preparando um amplo programa para financiar um milhão de casas para famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos.

Os especialistas mostram que as famílias de baixa renda não têm condições de pagar, de modo que precisam de subsídios. Se o governo der o subsídio diretamente ao mutuário, pode ser. Mas, se o governo resolver, por exemplo, mandar a Caixa Econômica e o Banco do Brasil concederem empréstimos com critérios mais frouxos, já sabemos aonde vai dar.

Aliás, isso vale para todos os bancos públicos. O governo os está pressionando para que concedam empréstimos, de modo a manter consumo e investimentos. E podem ser, muitos, empréstimos de risco elevado, futuros esqueletos.

O Marcola do país da macarronada

por Diogo Mainard

O Brasil negou o pedido de extradição de Cesare Battisti durante minhas férias. Férias na Itália. Acompanhei o episódio de longe, pela imprensa italiana. "La Repubblica" publicou o seguinte comentário:

"No país do samba, há uma espécie de cumplicidade ideal com todos os Battisti do mundo, com os terroristas, com os justiceiros. Lula deve ter pensado que a Itália é uma republiqueta como a sua. (Ele) acredita que o mundo inteiro é formado por paisecos no limite entre o populismo e a ditadura militar".

Ponto.

Nos últimos anos, "La Repubblica" foi um dos jornais estrangeiros que mais tolamente se encantaram com o presidente brasileiro. Agora mudou. A abestalhada claque italiana de Lula passou a enxergá-lo como um retrato do caudilho bananeiro.

Um documento que recebi na semana passada pode ajudar a explicar essa baba raivosa na boca dos italianos. Trata-se da ficha do Ros - o Grupo de Operações Especiais da polícia militar italiana - sobre os terroristas do PAC - os Proletários Armados pelo Comunismo -, do qual fazia parte Cesare Battisti.

Primeiro trecho:

"Os Proletários Armados pelo Comunismo formaram-se nos últimos meses de 1977, no âmbito da luta contra a nova realidade do regime carcerário de segurança máxima, que acabara de ser instituído".

E eu acrescento: os atentados terroristas do PCC, em maio 2006, ocorreram pelo mesmo motivo - a transferência de alguns membros do bando para o presídio de segurança máxima de Presidente Bernardes. O PAC é o PCC do país da Tarantella (sim, estou parodiando o editorialista do "La Repubblica"). Tarso Genro alegou que Cesare Battisti foi perseguido por suas ideias políticas. A única ideia que ele tinha era essa: aliviar o cárcere duro, exatamente como o Comando Vermelho em Bangu 3.

Segundo trecho da ficha policial:

"Em 6 de junho de 1978, o PAC assassinou, na frente da cadeia de Udine, o coronel Antonio Santoro, comandante dos agentes penitenciários. No documento de reivindicação, lê-se: O Estado usa a cadeia como uma ameaça contra qualquer tipo de divergência, de obtenção de renda por outros meios, de conflito de classe. E para readquirir o controle dos presídios, isola a faixa mais combativa [dos prisioneiros proletários], o que acarreta seu aniquilamento. Precisamos deter esse projeto, reforçando nossa prática comunista, concretizando-a em armamentos e em contrapoder".

Compare-o agora a um manifesto do PCC: A introdução do Regime Disciplinar Diferenciado inverte a lógica da execução penal. E coerente com a perspectiva de eliminação e inabilitação dos setores sociais redundantes, leia-se 'a clientela do sistema penal', a nova punição disciplinar inaugura novos métodos de custódia e controle da massa carcerária, conferindo à pena de prisão o nítido caráter de castigo cruel.

O assassinato do coronel Antonio Santoro por parte do grupo comandado por Cesare Battisti, na realidade, teve um motivo bem mais banal do que se poderia concluir lendo o altissonante manifesto do PAC. Segundo a ficha da polícia, o chefe dos agentes penitenciários foi morto somente por causa da demora em oferecer atendimento médico a outro militante do grupo, que se machucou jogando futebol na cadeia. Aparentemente, o que os terroristas queriam obter era um Mário Américo para cada prisioneiro.

Em 1979, o PAC seguiu essa mesma lógica de apoio sangrento à bandidagem comum nos assassinatos de um joalheiro e de um açogueiro. De acordo com o documento preparado pelos Carabinieri, o bando de Cesare Battisti executou os comerciantes porque eles "fizeram justiça com as próprias mãos, matando dois assaltantes".

Cesare Battisti é isso, é só isso: o Marcola do país da macarronada.

terça-feira, janeiro 27, 2009

Liderados pelos com-terra

A decisão mais importante tomada durante o encontro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Sarandi não é pública. A organização continuará sendo dirigida pelos agricultores assentados em lotes dos programas de reforma agrária do governo.

O grupo dirigente é composto por sulistas aliados com paulistas que há 15 anos tomaram o poder e, desde então, manobram os acampados à beira das estradas para barganhar créditos altamente subsidiados do governo federal.

O MST nasceu como um grito dos oprimidos. Foi pensado e articulado por um punhado de necessitados acampados na beira da estrada que liga Passo Fundo a Ronda Alta, a Encruzilhada Natalino, nos anos 80. Ali, agricultores miseráveis, aliados com a ala de religiosos progressistas e meia dúzia de técnicos comprometidos com as lutas populares, forjaram a organização que se tornaria um sinônimo da luta pela reforma agrária da América do Sul.

Ao insistir em se perpetuar no poder, a direção transforma o MST em uma organização de sem-terra dirigida pelos com-terra. E ao anunciar que irá perfilar-se ao lado de petroleiros e de outros movimentos sociais urbanos, eles apostam na falta de memória da sociedade.

Já nos anos 90, o sem-terra investia em causas urbanas. O sectarismo dos dirigentes fizeram fracassar as alianças. Os líderes continuam os mesmo.

A questão da associação do MST com as organizações paraguaias que lutam contra os brasiguaios, agricultores brasileiros que se mudaram para o Paraguai, já foi tentada várias vezes. E até agora tem sido um fracasso.

No país vizinho, há dezenas de movimentos de sem-terra e cada um deles com uma linha política. Mas há uma coisa comum a todos: não gostam de brasileiros. Seja ele rico, pobre ou miserável. Claro, há um fator novo. Agora existe ao redor do presidente paraguaio, o ex-bispo Fernando Lugo, pessoas que viveram no Brasil e que aqui perfilaram-se ao lado de organizações populares, incluindo o sem-terra.

Mas a questão agrária do Paraguai continua a mesma. Tem pouco a ver com carência de terra e muito com uma uma equação política bem complicada. Há uma mudança hoje nas organizações populares que não está sendo percebida pela direção do MST. O peso político delas está diretamente ligado a sua transparência.
por CARLOS WAGNER - Jornal Zero Hora

domingo, janeiro 25, 2009

Pobres alunos, brancos e pobres...

por Sandra Cavalcanti

Entre as lembranças de minha vida, destaco a alegria de lecionar Português
e Literatura no Instituto de Educação, no Rio. Começávamos nossa lida,
pontualmente, às 7h15. Sala cheia, as alunas de blusa branca engomada, saia
azul, cabelos arrumados. Eram jovens de todas as camadas. Filhas de
profissionais liberais, de militares, de professores, de empresários, de
modestíssimos comerciários e bancários.
Elas compunham um quadro muito equilibrado. Negras, mulatas, bem escuras ou claras, judias, filhas de libaneses e turcos, algumas com ascendência japonesa e várias nortistas com a inconfundível mistura de sangue indígena.
As brancas também eram diferentes. Umas tinham ares lusos, outras pareciam italianas. Enfim, um pequeno Brasil em cada sala.

Todas estavam ali por mérito! O concurso para entrar no Instituto de
Educação era famoso pelo rigor e pelo alto nível de exigências. Na verdade,
era um concurso para a carreira de magistério do primeiro grau, com
nomeação garantida ao fim dos sete anos.
Nunca, jamais, em qualquer tempo, alguma delas teve esse direito,
conseguido por mérito, contestado por conta da cor de sua pele! Essa
estapafúrdia discriminação nunca passou pela cabeça de nenhum político, nem mesmo quando o País viveu os difíceis tempos do governo autoritário.

Estes dias compareci aos festejos de uma de minhas turmas, numa linda missa na antiga Sé, já completamente restaurada e deslumbrante. Eram os 50 anos da formatura delas! Lá estavam as minhas normalistas, agora alegres
senhoras, muitas vovós, algumas aposentadas, outras ainda não. Lá estavam
elas, muito felizes. Lindas mulatas de olhos verdes. Brancas de cabelos
pintados de louro. Negras elegantérrimas, esguias e belas. Judias com
aquele ruivo típico. E as nortistas, com seu jeito de índias. Na minha
opinião, as mais bem conservadas. Lá pelas tantas, a conversa recaiu sobre
essa escandalosa mania de cotas raciais. Todas contra! Como experimentadas
professoras, fizeram a análise certa. Estabelecer igualdade com base na cor
da pele? A raiz do problema é bem outra. Onde é que já se viu isso? Se
melhorassem de fato as condições de trabalho do ensino de primeiro e
segundo graus na rede pública, ninguém estaria pleiteando esse absurdo.

Uma das minhas alunas hoje é titular na Uerj. Outra é desembargadora.
Várias são ainda diretoras de escola. Duas promotoras. As cores, muitas. As
brancas não parecem arianas. Nem se pode dizer que todas as mulatas são
negras. Afinal, o Brasil é assim. A nossa mestiçagem aconteceu. O País não
tem dialetos, falamos todos a mesma língua. Não há repressão religiosa. A
Constituição determina que todos são iguais perante a lei, sem distinção de
nenhuma natureza! Portanto, é inconstitucional querer separar brasileiros
pela cor da pele. Isso é racismo! E racismo é crime inafiançável e
imprescritível. Perguntei: qual é o problema, então? É simples, mas é
difícil.
A população pobre do País não está tendo governos capazes de diminuir a
distância econômica entre ela e os mais ricos. Com isso se instala a
desigualdade na hora da largada. Os mais ricos estudam em colégios
particulares caros. Fazem cursinhos caros. Passam nos vestibulares para as
universidades públicas e estudam de graça, isto é, à custa dos impostos
pagos pelos brasileiros, ricos e pobres. Os mais pobres estudam em escolas
públicas, sempre tratadas como investimentos secundários, mal instaladas,
mal equipadas, malcuidadas, com magistério mal pago e sem estímulos.
Quem viveu no governo Carlos Lacerda se lembra ainda de como o magistério
público do ensino básico era bem considerado, respeitado e remunerado.
Hoje, com a cidade do Rio de Janeiro devastada após a administração de
Leonel Brizola, com suas favelas e seus moradores entregues ao tráfico e à
corrupção, e com a visão equivocada de que um sistema de ensino depende de
prédios e de arquitetos, nunca a educação dos mais pobres caiu a um nível
tão baixo.
Achar que os únicos prejudicados por esta visão populista do processo
educativo são os negros é uma farsa. Não é verdade. Todos os pobres são
prejudicados: os brancos pobres, os negros pobres, os mulatos pobres, os
judeus pobres, os índios pobres!
Quem quiser sanar esta injustiça deve pensar na população pobre do País,
não na cor da pele dos alunos. Tratem de investir de verdade no ensino
público básico. Melhorar o nível do magistério. Retornar aos cursos
normais. Acabar com essa história de exigir diploma de curso de Pedagogia
para ensinar no primeiro grau. Pagar de forma justa aos professores, de
acordo com o grau de dificuldades reais que eles têm de enfrentar para dar
as suas aulas. Nada pode ser sovieticamente uniformizado. Não dá.
Para aflição nossa, o projeto que o Senado vai discutir é um barbaridade do
ponto de vista constitucional, além de errar o alvo. Se desejam que os
alunos pobres, de todos os matizes, disputem em condições de igualdade com
os ricos, melhorem a qualidade do ensino público. Economizem os gastos em
propaganda. Cortem as mordomias federais, as estaduais e as municipais.
Impeçam a corrupção. Invistam nos professores e nas escolas públicas de
ensino básico.
O exemplo do esporte está aí: já viram algum jovem atleta, corredor, negro
ou não, bem alimentado, bem treinado e bem qualificado, precisar que lhe
dêem distâncias menores e coloquem a fita de chegada mais perto? É claro
que não. É na largada que se consagra a igualdade. Os pobres precisam de
igualdade de condições na largada. Foi isso o que as minhas normalistas me
disseram na festa dos seus 50 anos de magistério! Com elas foi assim.

Sandra Cavalcanti, professora, jornalista, foi deputada federal
constituinte, secretária de Serviços Sociais no governo Carlos Lacerda,
fundou e presidiu o BNH no governo Castelo Branco.
E-mail: sandra_c@ig.com.br

sábado, janeiro 24, 2009

O androide da Casa Branca

por Diogo Mainard
"Desde que foi eleito, Barack Obama apropriou-se da imagem de Abraham Lincoln. Ele está para Lincoln assim como Hugo Chávez está para Simon Bolívar"

O androide é acionado. É uma réplica exata de Abraham Lincoln, o presidente dos Estados Unidos, morto em 1865. Há uma grande expectativa por parte de seus idealizadores, donos de uma fábrica de instrumentos musicais de Idaho. Depois de alguns instantes, o androide abre a boca e pronuncia suas primeiras palavras. Um defeito elétrico permite que ele fale apenas de trás para a frente. Abraham Lincoln tem de ser consertado.

A passagem anterior é de We Can Build You, de Philip K. Dick. Qualquer romance que contenha um androide é um mau romance. Qualquer romance ambientado no futuro é um mau romance. Um mau romance – contendo um androide e ambientado no futuro – é o que melhor representa o presente.

O presente é ele: Barack Obama. A analogia com o romance de Philip K. Dick é simples. Desde que foi eleito, Barack Obama apropriou-se da imagem de Abraham Lincoln. Ele seguiu seus passos, apresentando-se despudoradamente como sua réplica. O mimetismo intensificou-se nas últimas semanas. A caminho de Washington, ele reproduziu a viagem de trem de Abraham Lincoln. Depois discursou no Lincoln Memorial. Depois usou a Bíblia do antigo presidente em seu juramento. No dia da posse, em seu primeiro discurso, ao contrário do androide de Philip K. Dick, Barack Obama evitou falar de trás para a frente (só Aretha Franklin, por causa de um defeito elétrico, cantou num patoá desconhecido), mas pronunciou vacuidades igualmente desprovidas de significado sobre o fim das ideologias, a economia de mercado, a regulamentação financeira, a energia alternativa e o terrorismo árabe.

O paralelo com Abraham Lincoln foi soprado pelos marqueteiros do próprio Barack Obama. A imprensa diligentemente tratou de espalhá-lo. É assim que trabalha a imprensa nos tempos de Barack Obama: ecoa a propaganda presidencial. A estratégia de associá-lo a Abraham Lincoln revela o aspecto mais aventureiro e caricaturesco da figura do presidente americano. Ele está para Abraham Lincoln assim como Hugo Chávez está para Simon Bolívar. Benito Mussolini sempre era comparado aos imperadores romanos. Ele compreendeu perfeitamente a utilidade de se agregar a um passado glorioso, organizando festividades como o bimilenário de Virgílio ou de Augusto (este último, depois da conquista da Etiópia). Num documentário americano de 1933, o narrador Lowell Thomas, embevecido por um de seus discursos, comenta: "O momento é solene: César renasce".

O androide de Abraham Lincoln oferece bons conselhos ao protagonista do romance de Philip K. Dick. Até o dia em que ele manifesta seu lado esquizoide, que o impede de agir, como o Abraham Lincoln original. Barack Obama não é um Abraham Lincoln. Ele é apenas seu simulacro com a fiação invertida.

terça-feira, janeiro 20, 2009

MST vai à guerra para vingar Solano Lopes

por Augusto Nunes

Já excitados com a chegada do MST aos 25 anos de vida, os comandantes das tropas dos sem-terra eriçaram-se de vez, na virada para 2009, com a coincidência tremenda: faz 145 anos que a Guerra do Paraguai começou. Duas efemérides tão admiráveis, somadas à recente chegada ao poder do companheiro Fernando Lugo, mereciam muito mais que festejos ortodoxos, como a depredação de fazendas produtivas ou o confisco de prédios federais. Assim nasceu a idéia de retomar o grande conflito encerrado em 1870. Só que agora com o MST a favor da potência vizinha e contra o Brasil.

Na primeira semana de janeiro, o marechal João Pedro Stedile comunicou ao presidente Lugo que os soldados entrincheirados nas barracas de lona preta estão prontos para desencadear a revanche do século com a execução de duas missões. Primeira: invadir e ocupar as instalações da hidrelétrica de Itaipu, o que obrigaria o Planalto a reformular o tratado em vigor desde 1973. Segunda: expulsar do Paraguai agricultores brasileiros ali infiltrados há décadas.

"A Eletrobrás paga uma bagatela pela energia comprada do país vizinho", descobriu Roberto Baggio, da coordenação nacional do MST. Quem sai lucrando, segundo a figura batizada em homenagem ao atacante italiano que ganhou a Copa de 1994 para o Brasil, são "grandes grupos econômicos estrangeiros". Como a Eletrobrás.

Marco Aurélio Garcia, conselheiro presidencial para complicações cucarachas, não vê nada demais na declaração de guerra. "Vivemos em um país democrático", ensina o assessor de Lula. "Qualquer partido político ou qualquer movimento social pode defender suas posições à vontade. Considero legítimas todas essas manifestações."

Embora agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) andem monitorando os encontros entre autoridades paraguaias e dirigentes do MST, Baggio usa o salvo-conduto concedido pelo companheiro Garcia para provocar o governo de que faz parte o assessor Garcia em entrevistas ou nos textos beligerantes que publica no site do MST.

"Nada é mais nacionalista do que defender a soberania de um povo sobre os seus recursos naturais", argumenta o artilheiro sem-terra. "Defendemos a soberania de todos os países. Somos contra o imperialismo dos Estados Unidos sobre o Brasil e do Brasil sobre qualquer país da América do Sul." É isso aí, avaliza o comandante Stedile, no momento ocupado com os retoques finais no plano de abrir uma segunda frente na Bolívia, e botar para fora todos os brasileiros proprietários de terras ou empresas no reino de Evo Morales.

No século 19, o exército imperial precisou aliar-se à Argentina e ao Uruguai, e lutar durante cinco anos, para derrotar um inimigo solitário. No início do terceiro milênio, o Paraguai tem o apoio de uma quinta coluna com a qual Solano Lopes sequer sonhou. Mas hoje as coisas parecem bem menos complicadas. Sucessor de Duque de Caxias, o general Nelson Jobim só precisa convencer o governo Lula a suspender a mesada e o rancho das tropas, além de enquadrar os recalcitrantes com pedagógicas temporadas na cadeia.

Também para o ridículo há um limite.

terça-feira, janeiro 06, 2009

Federação israelita SP sobre nota do PT

FEDERAÇÃO ISRAELITA DO ESTADO DE SÃO PAULO
SE POSICIONA SOBRE NOTA DO PT

São Paulo, 06 de janeiro de 2009

A Federação Israelita do Estado de São Paulo, entidade que representa a comunidade judaica do referido estado, recebeu com indignação a nota do Partido dos Trabalhadores (PT) relativa ao conflito no Oriente Médio.

Em primeiro lugar, jamais este partido se manifestou contra os ataques do grupo terrorista Hamas contra o território israelense, que acontecem há anos, inclusive durante o cessar-fogo, que jamais foi respeitado por esta milícia.

Jamais este partido se manifestou contra o assassinato de 400 civis em apenas dois dias no Congo, nem com a "limpeza étinica" que vitimou mais de 100 mil pessoas em Darfur.

Israel, como um país soberano tem todo o direito de se defender de ataques terroristas. Israel não atacou os palestinos.

O sul de Israel vem sendo quase ininterruptamente bombardeado pelos Hamas há 7 anos e o Exército não tem respondido para evitar congelar os progressos nos acordos de paz realizados com a Autoridade Palestina (oposição do Hamas). Israel retirou-se da Faixa de Gaza há 3 anos num gesto de paz e os ataques pioraram, pois o Hamas ficou mais próximo da fronteira israelense. Após uma breve trégua utilizada pelo Hamas para se fortalecer e se armar, os ataques palestinos se intensificaram. Nestas circunstancias Israel iniciou o contra-ataque atual para evitar os lançamentos de mísseis. Qualquer país no mundo faria o mesmo para se defender, no entanto, todos condenam Israel com o termo "Nazistas" ou "Massacre" num claro jogo sujo e baixo de desinformação e manipulação.

Convocar seus militantes a se manifestarem causando a importação do conflito é um erro crasso. O PT, como partido que governa este país, em seus 30 anos de existência deveria se preocupar mais em contribuir para um processo de paz duradouro e eficaz na região ao invés de jogar gasolina em uma história que desconhece.

FISESP INFORMA - Informativo da Federação Israelita do Estado de S. Paulo
www.fisesp.org.br

segunda-feira, janeiro 05, 2009

O Brasil e Gaza

A reação do Brasil à operação israelense em Gaza acrescenta mais um patético capítulo à propensa altivez da política externa do governo Lula. Logicamente, não estou falando do apelo ao fim da violência ou da condenação à brutalidade. Isso tudo é discurso correto, bonito -e inócuo. O problema é outro. A megalomania parece não ter limite, e declarações de diplomatas, políticos e do presidente sobre a necessidade de "deixar o Brasil ajudar a resolver o problema" abundam. E novamente escorregam para o antiamericanismo bananeiro. "Exigem" que Barack Obama "mostre sua cara". Isso depois de fazer uma reunião de líderes continentais para mostrar que o Brasil capitaneia alguma coisa; desnecessário explicar a mensagem que é passada quando a estrela da festa é alguém como Raúl Castro. Imagino as rugas de preocupação de Obama. O Brasil deve ter voz nos assuntos mundiais. Mas não será com bravatas que conseguirá ser ouvido.
Em novembro de 2004, estive em Gaza logo após a morte de Arafat. O texto que escrevi à época já apelava ao lugar-comum mais ouvido hoje: o território é uma prisão.
A situação de segurança há quatro anos já era frágil. Entrevistava um líder local do Jihad Islâmico quando uma explosão fez o chão tremer, provavelmente um ataque pontual de Israel. Gente correndo para todo lado, repórter e entrevistado agachados no chão. Agora, é isso ao paroxismo.
O Hamas nem de longe é inocente, seus movimentos fazem parte do jogo que permeia hoje o Oriente Médio: a disputa estratégica entre Irã e o condomínio EUA-Israel, aliás o provável motivo por trás do ataque. Mas a ferocidade israelense tem um custo humano inaceitável. Para ficar na metáfora carcerária, a tropa de choque agora invadiu a prisão a tiros. Não vai acabar bem.
IGOR GIELOW
igielow@folhasp.com.br