segunda-feira, junho 08, 2009

ARTIGO - Retorno à escravidão

Armando Matielli

Armando Matielli

No dia 13 de maio de 1888, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea que extinguiu a escravidão negra no Brasil. Possuíam escravos os fazendeiros, mas era predominante a escravidão nas fazendas dos Barões de Café e da cana-de-açúcar.

No dia 2 de setembro daquele mesmo ano de 1888, desembarcava no Brasil, em Santos, no navio Buenos Aires, meu nono (avô), Sr. Ângelo Arcangelo Mattiello, com quatro filhos, que partiu de Gênova, Itália, com cinco filhos, mas uma filha morreu em alto mar e foi jogada na água, que era a única maneira de se desfazer dos mortos naquelas embarcações.

Chegando ao Brasil, com a finalidade de substituir os escravos nas culturas de café e/ou cana-de-açúcar, ele dirigiu-se para a Hospedaria dos Imigrantes, em São Paulo, e daí partiu com a família para a região da Mogiana, especificadamente para São João da Boa Vista, e depois de fazer todos os passos de um imigrante italiano, como trabalhador rural, meeiro e depois sitiante de café, criou sua família e deixou gerações de homens trabalhadores em prol do desenvolvimento do Brasil.

Ele cumpriu sua missão, pois foi um homem de coragem, luta e empreendedorismo, deixando sua terra natal e aventurando-se por terras desconhecidas em busca de dias melhores. Mal ele sabia que deixaria em sua geração homens que enfrentariam injustiças com as quais estamos enfrentando hoje, em um país que se diz moderno e promissor.

Ele não sabia que aquela cafeicultura que ele ajudou a implantar geraria tantas riquezas e abriria regiões promissoras e sedimentaria uma sociedade com bases econômicas e expansivas e que o Brasil seria uma potência econômica, grande parte graças ao café, e que se firmaria como o grande produtor mundial de café com evoluções técnicas alcançando excelentes produtividades, que venceria uma doença endêmica como a ferrugem (Hemileia vastratrix), que o nosso café produzido alcançaria excelente qualidade e que teríamos os mais diversos tipos de sabores de café para agradar a todos os mercados e paladares, mas ele não sabia que chegaríamos a tal ponto de um desastre comercial, deixando os produtores à mercê de uma “rapinagem comercial carterizada” e inescrupulosa com posições extremadas, como podemos demonstrar:

- A saca de café de 60 kg beneficiada = 48 kg de café torrado e moído.
- 1 dose / xícara de café = 6 a 7 gramas de café torrado e moído
- 1 kg de café torrado e moído = mais ou menos 150 doses de café
- 1 xícara de café na Europa = 3,5 Euros ou mais ou menos R$ 10,00
- 1 kg de café torrado e moído = R$ 1.500,00
- 48 kg de café torrado e moído = R$ 72.000,00 / saca de café
- Preço de venda do café (atual) = R$ 240,00 / saca
- R$ 240,00 em R$ 72.000,00 = 0,3%

Portanto, o comércio fica com 99,7% e o produtor com 0,3% - INACREDITÁVEL e INACEITÁVEL.

Alguns analistas poderão contestar esse demonstrativo. Existem muitos métodos de cálculo, mas esse é real, basta viajar pela Europa (e países de primeiro mundo em geral) e procurar as cafeterias, que são infindáveis e constatar tal fato. Essa maneira de calcular o resultado econômico foi para criar justamente contestações e discutir essa aberração, que há muito tempo não se discute.

Enquanto estamos “brigando” com alguns teóricos ignorantes e insensíveis, para conseguir R$ 20,00 a R$ 30,00 a mais por saco para o preço mínimo, o mercado está à mercê de uma libertinagem e o cafeicultor continua trabalhando assegurando o emprego de muitos milhões de brasileiros e ainda pagando os pesados impostos e encargos sociais para assegurar o empreguismo governamental, em que esses ignorantes e incapacitados mamam nas belíssimas tetas do governo.

Está faltando patriotismo e inteligência e esses teóricos e ignorantes deveriam sair de seus escritórios e abaixar o topete e o nariz empinado e visitar o campo e ver a real situação. É revoltante e isso tem nos causado repugnância e vamos chegando a tal ponto que deixamos os nossos pensamentos correr indisciplinadamente, pois, quando os argumentos reais, racionais e inteligentes não convencem os burocratas e “bezerrões gordos” das tetas governamentais, teremos que passar a usar argumentos apelativos para tentar sensibilizá-los e angariar adeptos às injustiças impostas. Com esses 0,3% bruto temos que pagar:

  • Adubo;
  • defensivos;
  • óleo diesel e derivados;
  • peças e acessórios para maquinários;
  • oficinas;
  • alimentação dos trabalhadores;
  • encargos sociais (INSS, FGTS e outros;
  • multas do ministério do trabalho (mas isso caberá um outro artigo);
  • energia elétrica;
  • salário dos colaboradores;
  • reposição dos maquinários;
  • renovação periódica dos cafezais;
  • conservação de cercas e estradas;
  • conservação de imobilizado da fazenda;
  • contribuições sindicais;
  • assessorias jurídicas;
  • assessorias ambientais;
  • assessorias trabalhistas;
  • materiais para colheita (rastelos, peneiras, panos e sacarias);
  • transporte do café para Cooperativas e transporte de insumos;
  • corretivos de solo ( calcáreo e gesso;
  • esterco;
  • uniformes e EPIs (equipamento de proteção individual);
  • cursos e treinamentos para os colaboradores;
  • juros e encargos financeiros;
  • serviços de topografia e mapas para as devidas licenças ambientais;
  • serviços cartorários;
  • medicamentos para os colaboradores;
  • exame de colinesterase, audiometria, e outros exames médicos;
  • material de escritório;
  • internet;
  • telefone;
  • contribuição para educação dos filhos dos colaboradores;
  • cuidar do lado social (como campo de futebol e outros para os colaboradores);
  • manutenção de alojamento com camas, colchões e outros;
  • rações e medicamentos para os animais da fazenda para consumo dos colaboradores;
  • despesas com laboratórios para análise de solo, água, adubos etc;
  • despesas com a certificadora (certificado UTZ Certified);
  • despesas com a assessoria técnica da certificação;
  • despesa com transporte para os trabalhadores (na zona urbana, o transporte dos trabalhadores é realizado através de metrô, ônibus e muito vezes calcados em subsídios, na zona rural não temos nenhum apoio e ainda somos obrigados a comprar ônibus para tal. Concordamos com tal fato, mas precisamos dos mesmos direitos da zona urbana).

Deixamos de citar tantas outras despesas as quais temos que pagar com os míseros 0,3% do agronegócio café. Aqui não citei a retirada pró-labore, pois ela não existe e explicarei o por que.

Portanto, como explicamos quando o meu “nono” chegou ao Brasil, em 1888, para substituir os escravos e conseguiu tal feito, supomos que ele não sabia que após 121 anos de sua chegada, a escravidão não acabou e que estou numa posição inferior a situação que ele se encontrava há 121 anos, pois veio como substituto de escravos e eu, após tantos anos, tornei-me um ESCRAVO DO SISTEMA, por isso não tenho retirada pró-labore nem salários de TETA governamental, pois escravo não tem retirada pró-labore como os demais da cadeia do agronegócio café e muito menos “rendimentos” das tetas do governo.

Tenho dívidas, alongamentos, hipotecas, repactuações e tantas bengalas para manter o escravo de pé. Não observamos em outros segmentos da cadeia do agronegócio café, tantos subterfúgios para continuar trabalhando, pois são segmentos rentáveis e não precisam hipotecar até a alma para conseguir sobreviver, isso demonstra claramente que os cafeicultores são os mais prejudicados pela escravidão imposta.

Vamos lutar pelo abolicionismo da cafeicultura e o “nono”, com certeza, lá junto a Deus, está torcendo para que eu, e os demais cafeicultores do Brasil, tenhamos forças para continuar na luta e se libertar da escravidão como tantos outros cafeicultores descendentes de italianos, alemães, japoneses, portugueses, negros, sírio-libaneses. ABAIXO A ESCRAVIDÃO E VIVA O ABOLICIONISMO!

Armando Matielli
Engenheiro Agrônomo e Cafeicultor
São João da Boa Vista

http://www.revistacafeicultura.com.br/index.php?tipo=ler&mat=21545

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