Heráclito Fortes
A JULGAR pelos senadores que assinaram o pedido para a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito, ninguém.
Pois foi um recorde de adesões, de todos os partidos, sem exceção. Por que, então, há um boicote tão sistemático, por parte da base do governo, ao seu funcionamento? Por que, depois de mais de um ano de sua instalação, não foi possível quebrar sigilos, aprofundar investigações sobre casos notórios -já levantados por órgãos insuspeitos, como o Tribunal de Contas da União e a Controladoria Geral da União-, convocar pessoas, enfim, esclarecer o que se passa nesse setor? Talvez a pergunta certa seja: por que há tanto medo de que a investigação vá adiante e abra essa caixa-preta que já consumiu, sem controle, bilhões de reais? Mais de R$ 34 bilhões, de 1999 a 2006, segundo a CGU.
Não há sequer dados definitivos sobre a quantidade de ONGs e suas congêneres no Brasil. Um estudo divulgado recentemente pelo IBGE analisa dados de 2005 e estima em 338 mil as entidades sem fins lucrativos em todo o país. Há quem diga que já existem mais de 500 mil.
Não é possível que um universo dessa magnitude não mereça do governo e do Congresso atitude mais séria. Não se quer cercear o trabalho das boas organizações, que prestam serviços inestimáveis; a elas, o nosso aplauso. Mas, se queremos corrigir distorções, deve ser aí o nosso foco.
A CPI, com maioria governista, nem sequer consegue quórum para as suas reuniões. O relator não apresentou um único pedido de quebra de sigilo, mesmo de casos que se tornaram escândalo nacional, como o que envolveu as fundações ligadas à UnB (Universidade de Brasília).
Chama a atenção igualmente a omissão das entidades ligadas aos ditos movimentos sociais, que não pediram, não pressionaram os congressistas, não clamaram pelo esclarecimento dos escândalos e pela punição dos que desviam recursos públicos.
Será por que estão igualmente envolvidas? Será por que a cada ministério dominado por determinado partido tem correspondido liberação de verbas para as entidades afins? Será por que foram cooptadas pelo governo? Recuso-me a acreditar que viraram todas "chapas-brancas". Deixo aqui alguns dados para reflexão: somente as organizações que se dedicam a causas ambientais e de defesa dos animais experimentaram, segundo o estudo do IBGE, um aumento de 61%, três vezes mais do que áreas como saúde e assistência social.
O Ministério da Defesa calcula que, na Amazônia, existam mais de 100 mil entidades atuando, muitas delas estrangeiras, mas a Secretaria Nacional de Justiça não tem registradas nos seus cadastros nem 30 delas. Ou seja, o descontrole é total.
Desde que passamos a insistir na instalação da CPI para analisar as irregularidades que envolvem ONGs e Oscips, o governo, que boicota os trabalhos sistematicamente, dá alguns espasmos de preocupação com o setor e finge que toma providências.
Foi assim com um decreto anunciado como a grande moralização para esse segmento pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Que, porém, adiou sua aplicação, dizendo que ele só entraria em vigor neste ano; após, portanto, o período em que a legislação, por conta das eleições, ainda permitia assinatura de convênios.
Depois, diante do noticiário sobre compra de terras na Amazônia por um empresário sueco -como se não soubesse que isso vinha acontecendo há anos-, anuncia que as ONGs estrangeiras terão que se cadastrar no Ministério da Justiça. Antes, em dezembro de 2006, já havia garantido que só receberiam verbas públicas entidades não-governamentais que se inscrevessem em cadastro no ministério e disponibilizasse suas contas na internet.
E por que o governo não passa da retórica à prática? Onde está esse anunciado controle? Quem viu as prestações de contas dessas organizações? Por que não há alguma forma de seleção pública para as entidades que assinam convênios com o governo? O próprio Tribunal de Contas da União, em diversas auditorias em que aponta um sem-número de irregularidades nessa relação, diz que ela mais parece uma "ação entre amigos".
E, por fim, o governo anuncia anistia às filantrópicas que devem muito dinheiro para a União. Por meio de mais uma medida provisória, claro.
Há muitas perguntas sem resposta, muita falta de transparência. Estamos a ponto de prorrogar os trabalhos da CPI. Precisamos dar uma satisfação à sociedade e aos que se preocupam com o destino dos recursos públicos. Mas não podemos deixar que esse novo prazo signifique mais omissão, mais encenação. Sem pressão externa, os senadores da base não vão se comover. E tudo ficará como está. É o que queremos?
HERÁCLITO DE SOUSA FORTES, 58, senador pelo DEM-PI, é presidente da CPI as ONGs.
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