quinta-feira, dezembro 27, 2007

Fim da metamorfose

Jarbas Passarinho
Foi ministro de Estado, governador e senador


O presidente Lula, citando versos do cantor Raul Seixas, disse ser “uma metamorfose ambulante”. Pedro Malan, em artigo em O Estado de S.Paulo, de 8 do corrente, sob o título “Metamorfoses”, começa por salientar que o verso todo é: “Prefiro ser metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Pleno de citações que mostram erudição, o autor começa por lembrar a frase de Keynes: “Quando mudam as circunstâncias de forma significativa, eu mudo de opinião. Você o que faz?”

Os políticos mais lidos, para justificar a mudança de partido ou de convicção de doutrina política, servem-se do grande estadista do Segundo Império, o ilustre mineiro Bernardo Pereira de Vasconcelos, pilastra do Partido Liberal. Aos que o alcunhavam de trânsfuga, porque se passara para o Partido Conservador, defendeu-se: “Fui liberal; então a liberdade era nova no país, estava na aspiração de todos, mas não nas leis; o poder era tudo. Hoje, é diverso o aspecto da sociedade; os princípios democráticos tudo ganharam e muito comprometeram; a sociedade que corria pelo poder, corre agora o risco pela desorganização e anarquia e por isso sou regressista. Não sou trânsfuga”.

O sumo de seu argumento é que se antes lutara contra o despotismo, agora passara a ver o perigo da anarquia. Raul Seixas devia ser o patrono dos que desrespeitam a fidelidade partidária e mudam constantemente de partido por não mais quererem “ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Malan adverte que “há riscos em ser a metamorfose excessivamente ambulante”.

O presidente, reiteradamente, disse que não era de esquerda. Decepcionou petistas “históricos”, do sociólogo Francisco de Oliveira à brava senadora Heloísa Helena, passando pelo consultor de empresas José Danon, que usou esta frase, entre ironia e lástima: “Acho que votamos no Lula que não era, aí veio o Lula que era e nos pegou”. A frase engloba os que pensaram que Lula seria o símbolo da virada socialista da América Latina, de par com os burgueses que entendem de socialismo tanto quanto minha velha avó entendia de logaritmo neperiano ou física quântica.

Hábil, fez a primeira de muitas metamorfoses, aderindo aos mandamentos do populismo, tão bem analisados pelo historiador mexicano Enrique Krause, especialmente aquele mandamento que diz: “O populista não só usa da palavra. Ele se apropria dela, veículo específico de seu carisma”. Ele, as pesquisas de opinião consagram. Já a sua aprovação chega a 65%, o que não teria alcançado se os pensadores esquerdistas históricos lhe fizessem prisioneiro das velhas opiniões de Marx e os servos da ética o fizessem Catão, o Antigo, a impedir o assalto aos cofres da viúva chamada República.

Se houvesse pesquisa, não popular, mas entre os parlamentares brasileiros, aposto que mais de 90% não saberiam dizer o que foi — e continua a ser — o Foro de São Paulo, fundado em 1990, espécie de convenção das esquerdas sul-americanas, iniciativa do Partido Comunista de Cuba. A ilustre companhia reunida na capital de São Paulo tinha todas as alternativas revolucionárias da práxis leninista, a partir dos guerrilheiros das Farc, comunistas da Colômbia, que são financiados pelos traficantes de cocaína, fazem milhares de seqüestros para receberem resgates, exceto dos muitos mantidos como moeda de troca pelos 500 guerrilheiros presos, o que não se deu até agora, e há mais de 44 anos não se deixam abater pelos governos democráticos locais.

Comparsas foram também, no Foro de São Paulo, os extremistas comunistas chilenos, que combatem o socialismo democrático, e a caterva dos revolucionários argentinos, venezuelanos e bolivianos que tinham como lema “fazer dar certo o que não deu no Leste Europeu”. Basta isso para definir o Foro no espectro das esquerdas. Dele participou, com destaque, o então líder sindical presidente do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, derrotado candidato à Presidência em 1989. Ele era, por dedução lógica, um homem de esquerda acolitado pelo extremista Marco Aurélio Garcia, hoje seu assessor especial para política externa.

Na comemoração dos 15 anos do Foro, o orador principal foi Lula. Recordou, saudoso e feliz, a criação do Foro e exemplificou as conquistas na Venezuela, Bolívia e Uruguai. Muito aplaudido, exortou os companheiros: “O que nós precisamos é trabalhar para consolidar, para que a gente não permita que haja qualquer retrocesso nessas conquistas”. Recentemente, em Belém do Pará, enlevou-o a reminiscência da fundação e das conquistas do Foro de São Paulo, o que prova que todas as metamorfoses anteriores disfarçaram, camufladas, a verdadeira imagem reiterada no calor do portal da Amazônia, o que por si só desnuda a articulação ideológica com os caribenhos e os andinos, a ocupação militar de nossas refinarias na Bolívia e a leniência com os insultos do caudilho da Venezuela. Tudo subordinadamente aceito, pelo bem da causa do “socialismo do século 21”, a matriz que marca o fim das metamorfoses já desnecessárias.

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