Augusto Nunes
Encenado em 1995 e em 1999, o espetáculo da prorrogação da CPMF nunca chegou a prender a atenção da platéia brasileira. Nas duas apresentações, dirigidas por Fernando Henrique Cardoso, o elenco seguiu burocraticamente o enredo, baseado no combate travado entre o poderoso exército governista, favorável à sobrevida do imposto do cheque, e tropas oposicionistas agarradas ao argumento segundo o qual provisório é provisório. Não é sinônimo de permanente.
Em ambas as temporadas, o que deveria ser um drama acabou virando comédia - e de quinta categoria - minutos depois de descerradas as cortinas. "O Brasil não sobreviverá sem a CPMF", garantia um general governista. A platéia caía na gargalhada: como levar a sério alguém que falava linguagem de vilão com sotaque de mocinho? "O governo que gaste menos", revidava a ordem de um guerreiro oposicionista. A platéia morria de rir: como levar a sério alguém que bancava o herói sem conseguir disfarçar a cara de bandido?
Novamente em cena desde setembro, o drama reduzido a comédia de mau gosto pelo script farsesco, pela escassa imaginação do diretor e pela canastrice do elenco, vai se transformando na mais espantosa chanchada já apresentada no Teatrão do Planalto. Promovido a diretor de elenco em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva promoveu uma radical inversão de papéis: quem era isto agora é aquilo. Os que juravam de morte a CPMF passaram a defendê-la a tiros. Os que lutavam para prolongar-lhe a vida resolveram enterrá-la já. Sem choro nem vela. E em cova rasa.
A confusão decorrente da abrupta reviravolta - não é tão simples decorar falas que não faz muito estavam em outras bocas - foi ampliada consideravelmente quando o diretor resolveu assumir também as funções de roteirista e retocar a história a machadadas. Começou infiltrando cenas em que soldados oposicionistas se viram tentados com mimos e favores a mudar de uniforme.
Não funcionou, e Lula teve outra idéia: abreviar o desfecho com a assinatura de um tratado de paz entre as partes em conflito. Também não funcionou. Louco por um palco, o diretor e roteirista Lula achou que chegara a hora de brilhar como ator. E a coisa desandou de vez. No papel de comandante da turma decidida a explodir a CPMF, não fizera feio nos espetáculos dirigidos por FH. Seria diferente desta vez.
O artista voltou ao palco há uma semana. Não mudaram a voz roufenha, a cara zangada, o olhar feroz e a língua sempre solta. Antes como agora, em cena Lula não fala; vocifera. Mas o avesso do personagem passou a vociferar o contrário do que dizia. Ficou muito estranho. Como um John Wayne no papel de bandidão. Como Jack Palance bancando o mocinho.
"A CPMF é o mais justo dos impostos", grita o ator que, nas versões anteriores, qualificava de "coisa de golpista" a prorrogação do tributo. "Só sonegador é contra esse imposto", acusa a garganta que durante 10 anos até nos ensaios se entusiasmava com textos que comprovavam os estragos impostos à classe média pelo monstrengo inconstitucional. A dedicação do ator só serve para comprovar que, na ficção ou na vida real, Lula não tem compromisso com a coerência.
Nem com a palavra empenhada. Em 1999, fazendo coro com todo o elenco, Lula garantiu que o espetáculo nunca mais seria encenado. Renovou a promessa em 2006. Era mentira.
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