Diogo Mainard
"Há algo que caracteriza tanto os encontros secretos
na Granja do Torto quanto as compras na padaria Cirandinha:
a falta de mecanismos de controle sobre os atos do presidente.
Ninguém pode conferir se ele recebeu Valério na Granja do
Torto. A mesma nebulosidade cerca os gastos do Planalto,
sobretudo no que se refere aos saques em dinheiro vivo"
Ninguém perguntou diretamente a Lula se ele recebeu Marcos Valério na Granja do Torto. Eu pergunto:
– Psiu. Recebeu Marcos Valério na Granja do Torto?
Duas semanas atrás, Delúbio Soares foi interrogado. O defensor de Marcos Valério encaminhou-lhe algumas perguntas. Numa delas, ele insinuou que seu cliente teria acompanhado Delúbio Soares à Granja do Torto, para encontrar-se com Lula. De acordo com o Ministério Público, isso só pode ser interpretado como um recado de Marcos Valério à turminha do PT. E o recado é o seguinte: cuidado, porque eu posso entregar o presidente da República.
– Psiu. Como foi o encontro com Delúbio Soares e Marcos Valério na Granja do Torto?
O assunto já ficou caduco. Os mensaleiros fazem parte do passado. Agora a gente quer ser informado sobre as compras na padaria Cirandinha pagas com o Ourocard presidencial, um caso que promete animar a segunda metade do mandato lulista, assim como os mensaleiros animaram a primeira. Entretanto, há algo que caracteriza tanto os encontros secretos na Granja do Torto quanto as compras na padaria Cirandinha: a falta de mecanismos de controle sobre os atos do presidente. Ninguém pode conferir se ele recebeu Marcos Valério na Granja do Torto. Isso significa também que ninguém poderia saber se ele está sendo chantageado ou achacado por causa desse encontro. A mesma nebulosidade cerca os gastos do Palácio do Planalto, sobretudo no que se refere aos saques em dinheiro vivo. A rigor, nada impediria que os membros do governo tivessem sacado dinheiro vivo para financiar atividades da campanha eleitoral, inclusive o dossiê dos sanguessugas.
– Psiu. Psiu. PSIU. Como é o pastel da padaria Cirandinha?
Lula está perto da aposentadoria. Eu já consigo imaginá-lo daqui a alguns anos, em sua cobertura no ABC paulista, num dia qualquer. Acorda. Liga a TV. Desliga a TV. Chega a pedicure. Come dois pratos de estrogonofe. Demite a empregada doméstica. Desmonta o aparelho de ar condicionado. É incapaz de remontá-lo. Dá os retoques finais em seu tratado sobre o atomismo de Demócrito. Compra uma grelha antiaderente por telefone. Come dois pratos de nhoque. Mergulha de trampolim em sua piscina cheia de moedinhas. Demite o motorista. Chega Delúbio Soares. Despede-se de Delúbio Soares. Olha o que acontece nos apartamentos vizinhos com um telescópio. Dorme no sofá.
Apesar de Lula estar chegando ao fim, ainda dá para transformar a última fase de seu mandato em algo proveitoso. Se a imprensa o atazanar e se o Ministério Público perseguir os abusos de seu governo, talvez seu sucessor seja um tantinho mais contido. É uma hipótese remota, mas é uma hipótese. Lula está perto da aposentadoria. E eu estou perto de me aposentar dele. Quando tudo acabar, quero comprar uma grelha antiaderente por telefone.
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